Poema dos 4 elementos

(O poeta dividido em 4 partes)

 

 

I

 

Eu busco o Espírito que é da essência do mar

onde minh'alma está mergulhada ondulando

                                        [na dimensão eterna.

Eu busco o Espírito dos séculos vivo num livro

escrito por xamãs judeus,

para ser o xamã dos sete Espíritos.

Eu busco o Espírito do homem e o Espírito Cósmico

que está singrando pelo universo como um deus em seus cavalos.

E o Espírito inspirou-me e meu deu vida e Eu levantei das ruínas do

mundo e disse: Vive o Senhor e vive eu neste século!

E eu que ondulava no seu corpo místico despertei de um profundo sono.

E no espelho vi o rosto do poeta, aquele que diz o nome secreto das coisas

E a visão do sobremundo

E da eletricidade do metal veio o Espírito sobre mim como o exército de Aníbal

E eu ouvi Rimbaud dizer o le bateu ivre

E a carne que reveste minh'alma desmanchou-se em ar e eu era aquela voz

soando sobre o mundo e num momento o mundo sucumbiu àquela voz

E a voz se tornou em chuva e molhou os olhos dos homens

E o homem viu e entendeu o Espírito

E toda carne desencarnou-se

E todo mar, e todo céu, e toda terra

                                                    era o Espírito

E eu movi-me na garganta do mar

E no útero do mar eu era uma crista d'água

buscando o Espírito

E de buscar e ansiar

E de buscar e ansiar

E de buscar e ansiar

Eu atingi a forma do Espírito

E não houve mais mar,

embora algo se movesse para sempre.

 

 

II

 

Com as mãos nos bolsos vou pela Av. Central,

Sozinho, o mundo diante de mim,

Alegre! Seguindo meu caminho, ouvindo o ranger dos motores de carros

                                               [e o assobio das cigarras nos postes públicos.

Contemplando a cidade de calcário e ferro erguida em várias luas pelo martelo

                                                             [e a mão forte de muitos homens.

Contemplando a matiz de sua arquitetura bela e terrível

No recôndito desejo de encontrar a ideal Cidade que se oculta,

A mesma sonhada pelos helênicos,

Cidade de luz e sobriedade,

Amada da juventude em desencanto.

Eu vi esta Cidade nas tempestades de meus negros anos

E eu senti calafrio seguido de refrigério

E depois ardor pela Cidade estival,

A mesma sonhada por João, o apóstolo,

Que se levanta no horizonte acima dos meus olhos, bela e terrível.

Sem lágrima.

Como um farol no oceano iluminando para sempre os homens que a habitavam

E no seu seio os homens adormeceram.

Eu desejei que a Cidade fosse real e meus ossos tremeram de anseio

E dos poros de minha pele o néctar que alimentava meu anseio,

                                                                                           [escorreu

Alimentando as almas dos homens

Que semelhante a mim buscavam a Cidade estival.

E sobre a terra ela foi erguida em seis noites.

E eu vi e era bom.

E foi a tarde e a manhã seguinte...

 

 

III

 

Minh'alma natural não compreende a metafísica dos sábios

nem suas amargas teologias e sistemas filosóficos,

a sacralização do abstrato e a separação do corpo da mente

muito menos a divinização dum homem pela morte e o sonho cristão de eternidade.

Min'alma é raiz da terra e na terra anseia estar.

Sua substância é a Natureza e para a Natureza ela se volta

esquadrinhando sua essência, a Vida, que subsistindo em forma de Deus a si mesma

                                                                                                           [esvaziou

tornando-se carne onde a alma pulsa o anseio feroz de ser o fôlego que tudo compreende.

 

Eu sou o homem natural,

que igual a Fausto busca o mistério das coisas naturais

a seiva que corre funda e ligeira no coração das formas vivas!

 

E num tempo tão próximo a pele a máscara que oculta

a essência última se desfará em cores cabalistas!

 

E eu, o homem natural, morrerei para as formas transcendentes!

 

E outro surgirá da matéria que revive!

 

E este homem surgirá pleno em vontade

amando o deus que nele existe!

 

Então o homem que conheço retornará ao animal sagrado que aspiro,

puro de olhos, que se move segundo o instinto!

 

Neste dia o tempo dos homens de ciência se extinguirá

e virá o tempo dos homens naturais!

 

Louvado seja o homem natural!

Que Ele seja para sempre!

 

E um provérbio será dito pelos velhos e crianças:

Houve uma época que o homem ignorava sua essência,

mas agora todos são felizes!

 

Assim seja!

 

 

IV

 

Creio na Alquimia da Alma

e na chama incriada que renovará a Natureza por inteira

a mesma chama que Prometeu roubou de Hefesto e deu ao homem

gerando nele a alma que se renova pelo fogo,

a eterna chama que modelou o mundo e equilibrou o caos

e que habita os olhos de Deus e o coração de Apolo.

 

Creio na Alquimia Física

e na arte que domina a matéria para realizar por ela a divina forma,

n'alma do poeta que invoca em oração a realidade inatingível

derramando seu hálito pelo mundo,

na régua, no compasso e no livro sagrado que moveu o homem para além,

além do mar rompendo as fortalezas do espírito.

 

Creio na Alquimia do Espírito

e no homem que aspira as entranhas de Deus

rasgando o útero da virgem porque deseja ouvir a voz do Verbo.

 

Creio no anseio que dilacera a carne para que o Espírito se manifeste.

 

Creio porque é absurdo.

Creio porque é inútil.

Creio...

          E de fé vou vivendo.

 

 

 

©michalrebilas

 

 

 

Invocação de Fausto

 

Fausto olhou o abismo e disse: Como Sócrates, eu, Fausto,

procuro no mundo alguém mais sábio que eu,

mestre das Ciências, das Artes e das Letras naturais e mágicas,

que pela vontade altera o curso dos elementos

e faz o tempo ser um jogo de xadrez,

que conhece o mal,

alguém próximo a um deus.

Quem dentre os homens e os anjos, se sou maior que todos?

 

Coro dos querubins: Nenhum!

Zaratustra: Nenhum!

Machiavelli: Nenhum!

Otávio Augusto: Nenhum!

O Abismo: Nenhum!

 

Então veio um silêncio impiedoso.

                                          

Do olho do abismo surgiu um espirito que disse: Engana-se. Sou teu semelhante,

fui  feito da matéria original que compõe o mundo,

singrei pelo espaço, conheci eternidades e eternidades,

conheci os erros dos anjos,

a realidade que nunca se desfaz,

a vontade que angustia os mundos. E neste tempo eu buscava um deus,

vaguei nos sonhos e do meu medo de sucumbir a eternidade fiz o homem.

Estive em trevas, mas até então esperando que um deles me alcançasse, até que o vi.

Agora, peço, aceite o que proponho, fica em meu lugar, pois já chegou meu tempo de

                                                                                                                 [morrer,

aceita e terás o conhecimento dos espíritos.

 

Fausto: Não recusarei o que me oferece, quero e já.

 

Então o espirito lhe beijou, e houve um silêncio impiedoso.

 

O Abismo: Hoje um deus morre e outro se levanta!

 

 

Post Scriptum: Mas ainda um deus buscará outro deus e a aflição se perpetua.

 

 

 

 

[Cuida Senhor de Madonna]

 

Cuida Senhor de Madonna,

que é bonita como uma ave de origami,

que usa sandálias com meias de estampas floridas,

que bebe café com biscoitos amanteigados na hora do desjejum,

que beija o irmão com os lábios molhados de leite,

que corta as unhas meticulosamente para não cortar a carne e depois as pinta de vermelho,

que fuma Derby ao acordar,

que faz sexo como um anjo,

que aos 14 usava anfetaminas,

que aos 16 foi violentada pelo tio e abandonada pela mãe,

que grávida aos 20 deu a luz a Kelly na cama de um hospital psiquiátrico,

que é prostituta na casa de amor 23,

que tem tatuado no ombro direito uma libélula,

que nunca foi beijada,

que seca as lágrimas do rosto com um lenço verde-piscina,

que tem uma gata chamada Marilyn Monroe,

que cheira a Dove,

que tem olhos de âmbar,

que gosta de caminhar no outono,

que pela manhã comeu cereja,

que pôs os cabelos ruivos sobre meu peito,

que chupou meu pênis antes de sair,

que levou meu Flores do mal e irá respirá-los até envelhecerem,

que esqueceu seu batom na pia do banheiro

Amém!

 

 

 

 

Alucinação

 

Papai quando me olha vê em mim crisântemos,

Flores de Auschwitz, flores de Alcatraz, flores de Waterloo,

flores de Guantánamo, flores libanesas, flores de lis,

Dos olhos saem bromélias,

Violetas penduradas nos cílios,

Os seios lacrimejando orquídeas,

Na boca, papai garante, brotam arnicas e raízes,

Jasmins crescem nos joelhos,

Os ouvidos escutam girassóis,

As unhas transformam-se em narcisos, espelhos claros em que me contemplo,

Papai, de vez em quando, tira lírios dos meus cabelos conta os trevos das minhas mãos e cultiva begônias

e lisianto no meu cérebro, e no dia-a-dia lança sementes de flamingo nos meus sonhos,

É terrível admirar as dálias que caem dos narizes imergindo em copos-de-leite que são os bicos dos seios,

Ainda mais saber, que papai fez os meus pés  na infância se tornarem gardênias de um quarto negro,

Hoje ele planta campanélas no meu fígado

E tulipas contornam o pescoço

Espalharam sobre meu corpo rosas de alucinação tantas e tantas flores sobre a pele que não consigo contá-las

As abelhas pousam em minhas rosas e recolhem néctar dos delírios, papai diz que a fonte que no meu intimo flui irá um dia esgotar, mas de onde vem a chuva que molha o jardim multicolorido, que agricultor tão nobre a conserva com cuidado?

Sei que quando chegar a hora do galo as flores desbotarão e meu pai não irá mais regá-las a esta hora as palavras estarão secas e fenecidas e sobre a lápide escrito o nome do botânico,

 

 

 

 

Angel(a) killer in a dress blue

 

 

Angela girl evil

com uma 38 matou o pai, a mãe e o irmão

(um tiro na cabeça de cada um, enquanto, dormiam)

 

depois...

 

bebeu vodca smirnoff assistindo tv,

se masturbou vendo revistas masculinas no sofá,

tomou banho de ducha quente,

se maquiou,

pôs um look escarlate,

calçou os sapatos verdes brilhantes da mãe,

pegou o Maverik ano 77 do irmão

e foi ao Nigth City Club dançar

conheceu um homem a quem amou na mesma noite no Hotel Casanova fazendo sexo anal,

roubou da carteira dele 100 R$

e com o dinheiro comprou um vestido de organdi azul

angel killer in a dress blue

caminhando pela praia às 5 da manhã

...

ela tinha dezesseis anos.

 

 

 

 

Causa & Efeito

 

A felicidade sinistra de Sílvia Calabresi Lima,

            -CARÁTER.

 

Hugo Chávez & George W. Bush,

            -CARÁTER.

 

A mãe que agarra a filha para fazer

                          [sombra às balas,

           -CARÁTER.

 

10.000 soldados americanos indo ao

                                         [Iraque,

           -CARÁTER.

 

O homem que decide ser juiz,

          -CARÁTER.

 

O artista que morre pela obra,

           -CARÁTER.

 

A criança que se torna homicida,

           -CARÁTER.

 

Cristo aceitando as chagas da história,

           -CARÁTER.

 

- natureza desflorável.

 

 

 

 

Canção para o querubim de Ezequiel cap. 28

 

Ó querubim pelo Eterno gerado em luz de meio-dia

amado dos deuses e seus filhos

tu que fostes tatuado com as galáxias do universo

e tem espalhado sobre o corpo as dez esferas divinas

e pelo jardim de Elohim passeava entoando o hino da criação

mais belo que a lira de Orfeu é teu canto,

nem Virgilio, Dante e Camões igual canção comporiam.

Se Pitágoras contemplasse teu corpo

mil volumes seriam necessários para descrever a filosofia da

                                                           [harmonia dos mundos

Newton vislumbraria a mecânica da existência,

Hermes Trismegisto compreenderia a forma oculta do cosmos,

e num único verso, em haicai talvez, Fernando Pessoa traduziria a simplicidade de

                                                                                                        [tua natureza

A assembléia dos anjos te contempla e diz: -  Quem é semelhante a estrela do

                                                                                                             [oriente?

À tua sombra os reis se dobram,

A virgem cobre teu rosto com seus cabelos untados

e seu irmão menor se deleita em teu perfume de mirra

Os que nasceram à meia-noite te amarão até a tarde

Em ti Deus pôs as vinte e duas letras do alfabeto místico e pelo movimento  delas no

                                                            [teu corpo cósmico Ele fez os nove mundos

A alma do querubim tudo contém

Quem entenderá o mistério do anjo pleno?

Quem desvelará a medida da eternidade?

Vinde sábios e poetas, interpretai seu nome pois Deus disse haja luz e houve...

 

 

 

 

Marie

 

"nome?

Marie.

 

idade?

15.

 

(...)

 

eu estava numa prisão com vinte homens e sempre que o guarda trazia minha comida

um deles pegava e todos diziam: Quer sua comida?

 

eu estava com fome,

 

(...)

 

então diziam que se eu quisesse comer precisava deitar-me com eles, eu estava com medo, constrangida,

 

(...)

 

eu me deitava com um, depois outro, sentia uma lança de ferro penetrar-me a carne dolorosamente,

 

(...)

 

eu chorava,

depois me davam o resto de minha comida misturada com urina e cuspe,

 

(...)

 

acho que a fome deles por anjos era intensa, e por isto, precisavam abrir uma rosa mesmo que sua cor fosse negra,

 

(...)

 

nenhum deles olhava-me nos olhos, mas eu percebia seus olhos ansiosos pela carne pura que me envolvia,

a noite pássaros murmuravam em meus cabelos suas vontades lascivas,

 

(...)

 

certa noite, não suportei as vozes, peguei a faca de um homem que me contemplava com seus olhos,

 

...

 

e me cortei".

 

 

 

 

Descartável

 

às 5 da tarde concebeu um filho e o lançou na fossa

envolto num saco plástico preto

para que  o pulmão encolhesse ao tamanho de uma amora

e a pele roxa de intenso frio rompesse num silêncio seco e piedoso

e a voz que anuncia a alma num suspiro ameno se esvaísse misturando-se ao ar podre que a envolve

e as pálpebras caídas sobre os olhos em peso imensurável de morte

garantissem contra os abutres seu tranqüilo sono

e a xícara de café fosse bebida com alivio

 

 

 

 

Erro

 

CENÁRIO:
Margens do Eufrates


PERSONAGENS


Coro das Ninfas do Oceano

Prometeu
Gilgamesh


CORO


Fim das eras! Fim das eras! A culpa é a consciência, ouçam o coração destruído pelo erro sussurrar nas montanhas da Cítia, contemplem a fúria do Oceano, a tempestade de Júpiter dividir o tempo e Samash queimando as têmporas do Titã e condenando a contingência um rei, a alma feroz na sua angústia rebela-se contra as cadeias das Parcas, vejam a vontade batalhando contra o Poder, a eterna luta ordena os mundos, tempos se erguem e milhares caem, cai um homem caem mil, reis e imperadores igualam-se aos céus, o céu converte-se no sangue dos suicidas, Nenhum! Nenhum! Vence a batalha pela eternidade, A maldição é efêmera! Morrem-se os bons e os perversos, mesma carne, e o tempo é justo e a medida perfeita. Mas um Titã se culpa e a culpa o consome e um rei se aproxima e os dois travam um diálogo dos séculos!


GILGAMESH

Ouço uma melodia terrível vinda do teu coração, Prometeu, é a canção do arrependimento. A paixão enegreceu o teu semblante, não há vigor nos teus olhos nenhum espírito o anima. O que fizeste de tão mal que não deveria ter feito?


PROMETEU

Aqui está o meu erro e a falha tornou-se eterna, não há como retornar ao amanhecer das eras; Aqui está, não esta ave que devora minhas vísceras, aqui está, o homem igual a um deus! Nunca devia ter dado conhecimento dos deuses a ele. Embora possa ver o futuro infortúnio e a desgraça que abateria a humanidade, desviei os olhos, e por que desviei? Esperança... Agora, veja, o homem padece a impotência da fatalidade e mesmo as artes e a ciência não o livram do temor e do desespero da morte. Enfim, a verdade falhou em salvá-lo!



CORO

Vem abutre devorar-lhe a alma, por que a Prometeu nada mais resta, o tempo é seu desespero, come maldita ave, encha seu estômago da carne de um deus, deixe o que sobrar aos vermes.



GILGAMESH

Esta é a minha tragédia, oh divino Prometeu, querer ansiosamente igualar-me aos deuses em conhecimento e eternidade! Como é terrível contemplar dia e noite o rosto de Enkidu comido pelos vermes! Quis mudar meu destino, mas maior é o peso da vontade de um deus!


PROMETEU

Eis a desgraça, senhor de Kullab, agora o homem lutará contra um deus e um deus contra o homem por que ambos não entendem seus destinos: reinar e temer!

 

 

 

 

Fascínio dos Deuses

 

Ah, criatura viva criatura humana

                     sutilmente humana!

Teu. é o esplendor das maravilhas ascendentes!

Teu. é o corpo mutante em mundos vespertinos!

Teu. é o sol dourado

          mais dourado

          e  mais dourado ainda!

Teu. é a potência de sobrepujar-se!

Teu. é o caminho do relâmpago!

 

Ah, criatura humana

      sutilmente humana!

Por que. arrancaram os dentes de sua boca e cobriram seus olhos com gaze?

                 Dura aflição d'alma, dura e terrível!

Por que. responda-me, um abutre devora teu fígado diariamente?

Não virá outra geração depois desta?

                 Dias de angústia, trágico, temível!

 

Ah, criatura humana

      sutilmente humana!

Admiro tua glória,

mas muito mais tua decadência!

 

 

 

 

Anderson Fonseca (1981). Poeta, escritor, autor de Alucinação (Rio de Janeiro: Multifoco, 2009). escreve o blogue Escritos do Exílio.