AcoModa

faço poesia e engulo
(aqui ao lado)
ouvido e corpo a dentro
o jornal antinacional

me enfio
com esse supositório do irreal noticiado
com o suspense sonoplasta das letras
descendentes — ausentes —
na hora de jogar verdades
saudades!
dos jornais poéticos
dos folhetins e pasquins
dos jornalecos de butiquins
das notícias de manequim

faço poesia e me colo
com superbonner e sua fátima-maravilha
(minha TV é uma ilha)
regendo e revendo a prosa em LCD
com fundos que você não vê
mas crê
porque é a Globo
e não o SBT
fazer o que?
se você acha que literatura portuguesa
são de Saramagos e não de Assarés

qualé mané?
tu nunca vai entender
que o barato é o descalço
com bicho de pé
não o bicho da goiaba
e seus nikes sem chulé

 

 

 

 

 

 

Ê pra que?

Sofro por ser
eu
entretanto
e entre-tantos
não quero ser
você
talvez um termo
um meio termo
uma caricatura
de nãos
e porquês
que nega e me indaga:
— porque não ser um tanto de mim com um tantinho de você?
pode ser!
uma amálgama de nós
a mescla
um não sei o que
qualquer ziembinski
com atos dégradé
algum eu miscigenado
com aptidão pra glacê
ruizleminskados salpicados
um frankenstein démodé

 

 

 

 

 

 

*

 

eu me avisei
que eu era pouco
eu era ralo
não sustentava
e não mantinha

me desdenhei
escasseei
falseei
e tive bulimia

 

 

 

 

 

 

Prazo vencido

quando é que
que eu voltarei a ser criança?
passa-d’ora
vida me cansa
nunca mais senti as tranças
da imprevisibilidade
e consonância
nem mesmo em última instância
de mocidade e boa lembrança
me retiram pra sambar

vem me buscar pra namorar!

 

 

 

 

 

 

Restolho

Poeta é
um azedo
um queimado
um melado
um sem sal
um salgado adocicado
um fervido
um cozido
um bebido
um lambido
azeitado e refogado

Poeta é
amargo/coalhado/vencido/apodrecido/remarcado

Porém
Poeta não é comida
Poeta não é hortifrutigranjeiro
Poeta não se acha no supermercado
nem na seção de enlatados

Poeta tu acha na feira
na banca do peixe estragado

 
 

sulasempresula

Sulamandra
basáltica, desértica
paulistana.

Sula-mexi-cana,
a mulata sul-baiana,
branca-negra
sangue bom:
a sula-mericana.

Sula-afro-descende,
um ente que acende a cortiça,
tesão fiat-lux
com cabeça preta
e pele roliça.

Sula-bacana
essa dona sula
e suas nonas surras
de buceta terrorista,
que me detonam os olfatos
com seus boduns de siririca,
essas punhetas de homem
em suas pernas de menina.

Sula-encarnada
de tantas anas,
marijuanas,
tropicanas da silva,
tesuda e baranga,
tu samba funk e funqueia o samba,
bandeia a bunda que te abunda
por teus quartos,
e em teus barracos,
ou em qualquer ciranda,
até mesmo nessa choupana
tomada de infâmia com cachaça:

pra tuas diambas;
pra tuas macumbas;
pra tuas miçangas de feijão preto (sacana!),
que te esfomeia
e só me assanha.

Tu é maínha.
É minha puta.
Minha madama.

 

 

 

 

 

 

Calçada paulistana

 

mãe olha são paulo no chão!

 

quando criança
eu vi são paulo quadriculada
em pedra bruta, talvez lascada
em pedra escura, outras mais claras
eram várias são paulos entabuladas

 

são paulo preta, são paulo branca
são paulo branca, são paulo preta

 

eu vi são paulo achicletada
alí são paulo empipocada
cheirei são paulo toda vomitada
vem ver são paulo sub-rimada

 

são paulo branca, são paulo preta
são paulo preta, são paulo branca

 

era um estado ali no chão
era um chão em novo estado
não era líquida, tão pouco sólida
era são paulo um tanto esdrúxula

 

são paulo preta, são paulo branca
são paulo branca, são paulo preta

 

é fashion week de pés calçados
e chapa ácida dos mais descalços
é são vitrô dos esgotos clássicos
a clássica merda de vidro cínico

 

são paulo branca, são paulo preta
são paulo preta, são paulo branca

 

são pitbulls mais do que humanos
são japa-árabes-italianos
são uais-ués-oxi-tchês e outros bichanos
são minicús e maxitabús aurelianos

 

são pés, pós, prés, prós e pus
são baianos, paraibanos e tantos anús
são paulos, marias, josés e manús
são santos diabos, diabos e santos nús

são tantos
são tantos
são tantos
são tantos
são tantos
são tantos
são tantos
são tantos

 

 

 

 

 

 

Espumas gotejantes
                                                   

Poesia de chuveiro é pingo
Poesia de azulejo é gota
Poesia de box é vapor
todas condensam e sublimam

Poesia de pia não pia como a da torneira
que vê sua poesia no gargarejo e na saliva

Poesia de latrina é patente de todas as gias:
hemorragia-escatologia-vomitofagia
em folha de papel jornal e suas verborragias

Poesia de papel higiênico é surreal
nunca é igual, é subjetiva e desleal
uma obrada de Pollock com merda natural

Poesia de escova de dente é tártaro e espuma
Poesia de pasta de dente é ardida e espuma
Poesia de xampu é cabelo e espuma
Poesia de sabonete é pentelho
e outra vez a espuma

Meu banheiro é uma antologia
São atos resíduos que escorrem pro ralo
Entopem e espumam

 

 

 

Matemático eu

eu sou a prova dos nove
sou todas as operações
sem decorrências lógicas

eu sou a tabuada da tabuada
a numérica literária
a pneumatemática de algebria lírica
que transformam zeros versos e alguns
na binária-vã-filosofia

sou bits arrebites e beatnicks
que pluralizam o um
e a prosódia da coisa nenhuma

sou o diagrama
da psicodélica ortografia
da psicoesférica prosopopéia
sou grafitagem por psicografia

sou eu o UM à esquerda
e meu ZERO é minha poesia

 

 

 

 

 

 

Prisioneiro da Anatomia

me narcotiza a sua vulva
essa seringa de tantas raivas
que nessa veia com ranhuras
me injeta e entorpece

eu caio
SUB-metido
SUB-gozado
SUB-alterno

ah!
como duras são as minhas vontades
quietas as minhas agonias
tão delinqüentes as minhas saudades
sou prisioneiro da anatomia

 

 

 

 

 

 

Será?

Poeta tem
que fazer poesia?
tem que beber da bacia?
tem que fingir a beça?

Poeta não pode somente
ficar pra semente
ser o tonto demente
e amalucar em poesia?

 
 
 
(imagens ©angelo cavalli)
 

 

ANDRÉ Barbosa de Oliveira, o JERICO (Salvador-BA, 1970). Autodidata, é poeta, escritor e estudioso da literatura portuguesa e dos movimentos culturais, além de criador, idealizador e atual coordenador do Projeto Macabéa, da Revista Trapiches e do bogue literário Macabelagem. Mantêm todo seu trabalho literário condensado no blogue  O Jerico e suas Idéias.

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