OFÍCIO DE ENGORDAR AS SOMBRAS

 

desmentindo o seu próprio segredo

a alma carrega sempre

o ofício de engordar as sombras,

de retornar as coisas

da infância tangível,

em um límpido silêncio

de água que flui

na nudez

pura da morte.

 

 

 

 

 

 

VERSOS ÍNTIMOS

 

Eu

cheio de ossos e intenções

perturbo

com os meus versos curtos

e dedos longos

 

o sentido das trevas que me pertencem.

 

 

 

 

 

 

ERRANTE

 

Hoje está um dia morto.

Hoje está um dia morto.

Hoje está um dia morto.

Hoje está um dia morto.

 

A poesia ri de mim.

 

 

 

 

 

 

DANAÇÕES I

 

A Rinaldo de Fernandes

 

O abismo nos convida para o sono

Eu conheço o profundo dos cansaços

Escondemos a tristeza e nada somos

A minha geração sangra nos mastros.

 

Máquinas trituram os nossos sonhos

Asas fechadas para um vôo divino

Deus morre nu no ventre dos destinos

Ao som de estranhas músicas montanhas.

 

Não tenho onde pousar o meu cansaço.

A certeza me atrai mais incertezas.

E brutaliza tudo aquilo do que faço.

 

A mesma lágrima no rosto, a dor que cresce.

O vento leva a noite, mas deixa estrelas.

E juntas contemplam a dor que me padece.

 

 

 

 

 

 

DANAÇÕES II

 

A André Ricardo Aguiar

 

Hoje, não mais que hoje, sou disperso.

Pedaços de um mundo bem distante

Contemplo o que é surpresa, mas desprezo.

São dores que renascem neste instante.

 

Solidão inútil, constante "amiga".

A flor que te inventou se recolheu.

És bela e pura, porém inimiga.

Hoje não mais sei o que sou eu.

 

Oh solidão que enche todo o quarto

Delirás no meu corpo incauto e gasto.

Deixa-me em paz um só minuto.

 

Não suporto este porto solitário

Estou morto, pois o mundo eu atrapalho.

O que resta de saída é o absurdo.

 

 

 

 

 

 

DANAÇÕES III

 

A Astier Basílio

 

Poeta sou e de áspero destino.

Senti bem cedo à mão pesada e dura.

Conheci tristezas e grandes desventuras.

E sempre andei errante e Pelegrino.

 

A vida para mim é um vilão cretino.

A poesia canta e me tortura.

Sofrendo como eu sofro sorte escura.

Dizei-me, por favor, existe pior menino?

 

Agora choro á sombra do salgueiro

Os meus passados sonhos e esperanças

Cantando a dor em um leve desespero.

 

Entendo que não tive outra alegria.

Nem outro qualquer contentamento.

Senão do que cantando o que sofria.

 

 

 

 

 

 

POETA DA ALMA DE VIDRO

 

O poeta com sua alma de vidro

                 E seus olhos de espelhos

respira

 

a película dos poros

dos seus desesperos.

 

 

 

 

 

 

NÁUSEA

 

Será possível viver sem dizer eu?

Em vão me tento explicar.

Estou sujo de morte.

 

 

 

 

 

 

FOBIA

 

A Tomires Nascimento

 

Sinto flores nas bocas

Sinto dores nas roupas

Sinto cores nas calmas

Sinto câimbras nas almas.

 

Sinto espelhos nas folhas

Sinto dedos nas telhas

Sinto lobos nas trovas

Sinto rezas nas covas.

 

Sinto mortes nos ventres

Sinto sombras nas lágrimas

Sinto estrelas nas mentes

Sinto estranhos nas casas.

 

Sinto feras nas jantas

Sinto cantos nas fugas

Sinto chuvas nas mantas

Sinto sopros nas nucas...

 

 

 

 

 

 

CULTA MELANCOLIA NIILISTA

 

A Linaldo Guedes

 

Extasiado e com dúvidas morais

Sinto-me um sábio dos porcos,

Um dos loucos de Shakespeare

(Os únicos que dizem a verdade).

 

                    Minha bondade é burra.

                    Minha honradez é bestial.

                    Bebo cálices de pessimismo.

                    Alimento-me de pseudofilosofias.

 

                    Tenho a angústia dos cancerígenos.

A dor dos leprosos na alma.

 

Fui infectado pela culta melancolia Niilista.

Não há revesso...

            só loucura!

 

 

 

 

 

 

POEMETO IRÔNICO

 

A João Matias de Oliveira

 

    Deus existe.

Mas está escondido

Na música de Bach.

 

   O diabo existe.

Mas está escondido

Na música de Bar.

 

 

 

 

 

 

ANDAR SURREAL

 

"Ouço aves e Beethovens".

             Manuel de Barros 

 

I

 

A boca do meu coração

vive sentada

nas narinas de aço

do meu indiscreto desespero,

enquanto o vento verbaliza o tempero

e designa o papel dos meus cabelos sujos

de tensão e caos…

 

 

II

 

Corrompo as frases

com o meu andar surreal

de Manoel de Barros

sem Pantanal

e estupro o sentido normativo

da incompreensão.

 

 

III

 

É ótimo cantar fluidos,

fluxos de fatos infantis

que perturbam o meu juízo

de lata e metáfora.

 

 

IV

 

Mergulho nos significados dos medos

em um profundo claro de nada.

 

 

V

 

O caos brinca de osso

com os meus perfumes de livro.

São as palavras que matam

os fantasmas

de fruta podre

que moram 

fora de mim.

 

 

 

 

Bruno Gaudêncio (Campina Grande-PB, 1985). Bacharel em Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba. Colaborador em alguns periódicos de cultura na Paraíba, entre outros de A Margem (onde foi chefe de reportagem), Cordeltras e Correio das Artes. Foi um dos idealizadores do Grupo Bossa Usada Cineclube, entidade responsável pelos Cineclubes Mário Peixoto e Machado Bittencourt em Campina Grande. Edita o blogue Mal-Estar Imperfeito.