© loredano
 
 
 
 
 

 

Sabemos o quanto Machado trata de questões universais, mas talvez pouco se atente que sua ficção enfoca os dilemas do ser humano entre o amor e, em especial, o dinheiro — este, um poderoso mediador das relações, exposto de maneira original, como a quantificar, ironicamente, o valor de afetos e atos humanos. O dinheiro sempre visto e utilizado como meio capital (sem trocadilho...) de ascensão social, de conquista de status — até mesmo afetivo, matrimonial, sobretudo, como instrumento de corrupção — a corrupção como fio formador e condutor de individualizações e de teias políticas, econômicas, sociais e comportamentais.

 

O dinheiro, a rigor, constitui um elemento estruturante na obra machadiana, a moeda como elemento organizador de todos os "capitais" — materiais, afetivos, emocionais, psicológicos, etc. É significativa a galeria de personagens seduzidas e subjugadas pelo culto pecuniário e pelo argentarismo — inerentes não apenas a bens materiais, mas também a elementos imateriais, abstratos, sensoriais, servindo para comprar afeto, simpatia, amor, cumplicidade — em 22 contos e mesmo em romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó.

 

Nesta seara, das mais de duas dezenas abrigados na contística machadiana, "Três tesouros perdidos", "Um ambicioso", "Verba testamentária", "Anedota pecuniária", "O lapso", "Conto de escola", "Fulano", e "Último capítulo" já estiveram aqui presentes, em outras chaves temáticas.

 

A par do enfoque específico do dinheiro, Machado realça, nos contos — em maior ou menor grau, mais em uns, menos em outros — as aspirações, por vezes idealizações, de protagonistas e de alguns personagens em se tornarem "grande capitalista", sonho que já incensava as imaginações do século XIX. Importante notar, contudo, que  dois terços desses 22 contos foram criados e publicados no período pós-1880, e aqui será dado observar, desde esse primeiro lote e nos dois subseqüentes, o quanto Machado — sempre lúcido e consciente do contexto histórico-político-institucional-social que o cercava, permanente e substancialmente praticante da ilação entre sua obra ficcional e a História, retratista incomparável do Brasil do século XIX — vai mostrando gradativamente a metamorfose crucial que se dava ainda no Segundo Reinado, a atingir seu auge já nos primeiros anos da República.

 

 

dezembro, 2008