ESBOÇO DE UMA VITRINE

 

a Paul e Augusto

 

à vitrine a bolsa brilha

feita de sangue pela

víbora que te veste

o veneno da arguta

 

[mostra a língua de duplo fio]

Seduz aquele que passa

Feitiço douto e vil

Visa à veia a massa toda

 

shopping shopping!.. ilusório

arquiteto que dilui

a cova sempre ali e certa!

 

[verse-moi ta brute chaleur]

O teu melhor remédio

Compra esse imenso tédio?

 

 

 

 

 

 

MINUETO ATONAL DA MORDIDA

 

Quando estiver entediada

Desleixada sobre as macas

Alada nessa pele mel

Vertigem que não se guia

 

Boca vermelha que deixa

As manchas pelo pescoço

Eu, enfermo não tenho

Nada que lhe deixe marcas

 

E erro todas as sílabas

Agrido os decassílabos

Troco tudo só para

 

Acaso de o riso ver

Suas roupas baixas

Cheirando a acácia

 

[Cácia, quando tender a vontade de ser mordida, favor chamar o cachorro vira-lata do vizinho! Ele é limpo, apesar de alto. Eu não tenho mais boca para te fazer marcas! Ass.: Marcos].

 

 

 

 

DIANA E O BURGUÊS MÉDIO

 

Na vida do burguês médio

Diana, de uma vez por

Todas, não há outro remédio

Pra ânsia e ansiedade.

 

Quando aos sábados

Já tiver melhor idade

As luzes da vitrine

Galerias se abrem. (Compre!)

 

A sonhar os amores de folhetins

Na vida, fotos d'outros rostos

Há um imenso mau gosto. (Compre!)

 

Sua louca vadia, Diana!

Não crer que aqui clama

Um coração que médio te ama...

 

 

 

 

CAIXA DE MÚSICA

 

Um mundo velho dentro da caixa

De música a menina abriu.

No centro do salão antigo

Somente o palhaço que tocou.

 

Sentir é para poucos

Viver é comum.

Sem ti é pouco

Vim ver a mon.

 

O módulo de tão belo

Nas notas naquela sonata

Tal, deus sono na pequena

 

Dormiu sem ti olhar.

E um anjo nela pegou.

Vim ver a mon.

 

 

 

 

*

Penso em nada.

Nesse nada,

Mais que tudo.

 

 

Aquilo tudo em que penso, agora,

 Nada!

 

Quando penso em tu

do...                     

Certa -                                                                 

 

 

NÃO É NADA, não...

 

 

Mente

Não vejo nada.

 

quero ser nada!

          tendo tudo:

  para que                         o todo?.

 

 

                    quero o todo

sendo nada                   ao lado do tudo.

 

 

 

Ao todo, quero o tudo e o nada

 

(Algum beco de 2003)

 

 

 

 

PEDRAS MUDAS

 

num dia de domingo

ou de férias na areia da praia

sentindo a boa brisa de dentro do espírito

soprando a beleza que faz ver verdade única que será...

 

o pai  ensina seu filho nadar num mar calmo como piscina

a mulher folheia sua revista semanal sentada debaixo das folhas de uma goiabeira

o belo casal de jovens ainda tímidos tentando se apaixonar sentados sobre uma toalha

o velho transcorre toda sua sabedoria serena de raciocínio calado em uma palavra-cruzada

 

... caminhando para que os passos passem e levem consigo um ar de vida que nasce

concentre-se e vai ver o campo de folhas negras voando ao vento sem destino

 

o campo seria seu encéfalo de segredos atrás de seus olhos

as folhas negras, somente palavras seguindo no ritmo desmedido

sopradas ao vento sem destino no emaranhado do seu pensamento

 

por um tempo é certo

minhas folhas são palavras, enquanto as suas...?

 

seguindo o universo e tranqüilamente, saiba:

vão crescer no inverno, brilhar no verão, florir na primavera e se fazer eternas no outono

 

somente veja o vento soprando por dentro de você e por todo o fora de si

concretize suas folhas para que as plantas se reconheçam num campo infinito de espécies

diferentes nos seus pontos mas perfeitas na proporção que as separam no espaço espiralado.

 

as palavras em si são pedras mudas.

 

o dito não é mais palavra em si mesma

porque a palavra é o não dizer pensando ser dito

 

e,

se você pensar serem essas palavras suas

caso elas ecoem melodias nos seus ouvidos

pela analogia consigo no que és por dentro

e,

esquecendo assim de mim como quem as desfez

transfigurando-as de um grande campo de signos

se,

não (verdes) somente pedras (pretas)

sei,

elas não mais são mudas!

 

talvez,

possa valer escrever.

            

(1º/08/2004)

 

 

 

 

(imagens ©jt)

 

Guto (Augusto) Cavalcanti (1982). Formado em Artes e Comunicação pela Universidade Federal de São Carlos. Poeta, escritor e roteirista, tem textos publicados na Revista Olhar, Cronópios, Blocos, Officina do Pensamento e Meio Tom.