©picasso
 
 
 
 
 
 
 

______________________________

 

Dedicado à Marcelo Ariel e Nelson de Oliveira

______________________________

 

 

"Fazer o que seja é inútil. Não fazer nada é inútil.

Mas entre fazer e não fazer mais vale o inútil do fazer".

João Cabral de Mello Neto

 

 

O mundo é um canto, rés de chão móbile (quem sabe Deus tenha Paul Klee como mestre), vôo sem tento: imagética que dispensa predicado que não de Ser e regenerar o oco com um sexo de forma: ovular nexo.

 

Vivemos a crise dos sentidos: não sucumbir ao niilismo paralisante impõe resistir criando: aos idiotas do consumo, 'enochatos' degustando a merda do capitalismo, nós, artistas, respondemos com 'regurgitofagia' do santo orifício: Arte não funcional na fonte: fruição dada ao interpretante em lances de espanto. Os objetos, os fatos artificializados para tornarem-se 'informação' nos sufocam: refugiamo-nos no sublime coito da desrazão com a fenomenologia do instante desdobrado em rizomas de eternidade entre a contemplação do vazio diante do Nada, alumiado dum sem-resposta incessante.

 

"O sentido é a quarta dimensão da proposição (...) o sentido é o 'expresso da proposição', este incorporal na superfície das coisas, entidade complexa irredutível, acontecimento puro que insiste ou subsiste na proposição" — Deleuze nos dá pista desse 'atopo' lugar nenhum polissemicamente reluzente dum peixe xilogravurado, uma árvore na caótica-íngreme Barra Funda ou um sax-soprano ecoando nos galpões do Sesc-Pompéia, por Thomas Rohrer. Epifanias: um inseto nos trilhos da linha Trianon, assistir Santiago, de João Salles, num Espaço Unibanco quase vazio e um clone-fantasma de Jude Law se perdendo nos degraus da Rua Rodésia.

 

Eu pinto fenomenologicamente o que retrato. Sampa é metonímica: não metaforiza a natureza por não ter topografia: sem morros, mar, com rios funestos, a riqueza é a geografia dos rostos com suas biografias reproduzindo por passos largos o ritmo que molda a enorme identidade metropolitana: Sampa são rosto, 'noemas percpetivos' ( Husserl ) ou biografemas (Barthes); um boteco na Fradique Coutinho nada evoca além do tudo-de-minha-possível-sensibilidade: sinto-me Poe espreitando "Homem na Multidão", fazendo ponte com Walter Benjamin, resgato o senso de aura em transe: abstraio o lixo techno, erijo catedral a partir de minha subjetividade: gozo multiplicadamente com tesão contínuo da Alma: me nego ao Mercado como quem dá o rabo pra não reproduzir incestos com a glamourização da burrice.

 

A Grande Arte é 'trans': esquizóide, transgênero, desloca-se de ponto de vista estanques: cria perspectivas heteróclitas: vê onde não se 'venda'.

 

Transmodernidade é implosão da direcionabilidade cartesiana da percepção: a Avenida Paulista torna-se platô para meu distanciamento do bulício financeiro, para sinestesicamente mirar o Oceano ao largo da serra pela luz do horizonte em meus ouvidos. Transfiguro, transiciono com poder unívoco da razoabilidade: não me permito ser razoável, médio, normatizado: desencano sem manter-me maneiro-entubado: diferencio-me pelo alcance cósmico daquilo que intuo 'esssencialidade'.

 

Preso Quixote, é lhe imputado crime do disparate: dos contos que nem entrem ou instruem: Quixote da história peregrina: Arte de engenho que não se presta ao jogo ordenado: "Do modo estranho como foi encantado Dom Quixote" — Capítulo XLVII — obra dispensada verossimilhança: o mundo não imita posto que  desfaz quanto mais aproxima alhumbramento: translúcido imanente. "Qual enigma da linguagem? É o de que nela a significação sempre ultrapassa o significante, e este sempre engendra  novas significações" — Merleau-Ponty.

 

A significação estilhaça: a poesia é que cosmiciza cada interstício do absurdo: um Universo de frestas onde repousam miríades de significados deitados num oito galático: o Copan é onda, a Vila Madalena ethos-etilicus, Sampa é um espelho do Aleph deixado por Borges no cais de Santos...  

 

 

 

 

 

março, 2008

 

 

 

 

 

Flávio Viegas Amoreira (Santos-SP, 1965). Escritor, crítico literário e jornalista. Publicou cinco livros pela Editora 7Letras, do Rio de Janeiro: Maralto (2002, poesia); A biblioteca submergida (2003, poesia); Contogramas (2004, contos); Escorbuto, cantos da costa (2005, poesia) e Edoardo, o ele de nós (2007, romance). Publicou, ainda, Os contornos da serra são adeuses do oceano ao cais, de poesia, editado pelo selo experimental Dulcinéia Catadora e Sampoema, pelo Atêlie Acaia, ambos de São Paulo.  Considerado um dos mais inovadores autores de vanguarda brasileiro, foi incluído na denominada Geração 00,  grupo de escritores que se destacaram na primeira década do século e que terá reunido suas obras numa antologia organizada pelo crítico literário Nelson de Oliveira, para a Editora Boitempo, em 2010. Colaborador de diversos jornais, revistas literárias e sites, seus livros foram adotados por universidades norte-americanas e européias, tendo obras traduzidas para o inglês pelo professor e "brasilianist" Charles Perrone, da Florida of University e comentada pelo acadêmico português Luis Serguilha. Dramaturgo, estreou em junho de 2009 o monólogo Clarice Lispector: roteiro do insondável e prepara-se para lançar dois novos livros: Santiago além de João, sobre a obra do cineasta João Moreira Salles e O vazio refletido na luz do nada, onde implode a noção de gêneros, como prosa e poesia. Ativista cultural e libertário, o autor participa de vários movimentos pela Cultura e pelos direitos homossexuais. Já foi musicado pelo compositor Gilberto Mendes, tem parcerias com artistas plásticos e liderou 2 movimentos literários: "A literatura do Estilhaço" e "Transmodernidade". Recentemente, causou enorme polêmica ao ser entrevistado no programa "Provocações", de Antonio Abujamra. Historiador, luta pelo resgate das tradições de vanguarda do Litoral Paulista e nos meios iconoclastas de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2009, lança No Vinho, o Verso, de poesia, com gravuras de Paulo Von Poser e coordenação de Cláudio Vasquez, impressor de Tomie Ohtake.
 
Mais Flávio Viegas Amoreira em Germina