Por ser O Pequeno Príncipe uma obra bastante conhecida pelo público através dos meios audiovisuais, é indispensável a sua leitura. Do livro nascem os olhares, e é nele, em seu recolhimento, que a consciência do homem se expande. No silêncio das palavras que jorram o infinito.

Num mundo, onde a pressa edita a agonia da servidão ao tudo-pronto-e-fácil; onde famílias não mais se sentam juntas à mesa para conversar; onde se articulam, cada vez menos, palavras para dialogar; onde a lei descambou para o oportunismo e a amoralidade; onde os homens se desrespeitam, indiferentes aos sentimentos que nem sabem traduzir; e onde o tempo desfila distraído e sem rumo, reter os passos num livro que aponta caminhos opostos, não é apenas necessário. É urgente. Trabalhar os valores e as reflexões que O Pequeno Príncipe levanta, acrescenta a nossa humanidade o que, talvez, ela tenha esquecido ou relegado ao segundo plano.

E, para que esta obra seja apreciada em sua essência, ela deve ser lida com o coração e com os olhos da infância que não temem o vôo da imaginação e enxergam sem ver. Somente assim será possível a percepção do elefante sendo digerido pela jibóia (desenho do menino Exupéry, que aparece na primeira página), e a não aceitação da explicação limitada do adulto de que tal desenho seria um chapéu.

Desilusão, medo, orgulho, vaidade, ternura, amor, maldade, espanto, prepotência e esperança são alguns dos sentimentos que estão subjacentes à história. Sentimentos ilustrados em certas passagens que nos remontam às fábulas — pela narração alegórica que encerra uma lição moral e cujas personagens são animais, como a raposa e a serpente —, ou que, principalmente, nos remete às parábolas — pela narração na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior ou moral —, esta última um artifício mais presente em toda a obra, inteligentemente usada como técnica pedagógica. Antoine de Saint-Exupéry sabia que, deixar um ensinamento "escondido" em parábolas, sem predispor seus leitores à censura prévia, a nenhum pré-julgamento, até a total compreensão e conseqüente correta interpretação delas, possibilitaria o fenômeno da sua aplicação universal em todos os tempos, adaptada às situações semelhantes...  

Aparentemente simples, O Pequeno Príncipe contém entrelinhas de profunda filosofia, que reforçam a visão diferenciada e, na maioria das vezes, antagônica de mundo que crianças e adultos apresentam. E é a universalidade desta filosofia que repousa na importância das coisas simples e dos sentimentos, que faz com que edições desta obra se repitam incansavelmente.  

Plenos de simbolismo, as personagens de O Pequeno Príncipe se interpõem para que o equívoco da valorização do ser humano, baseada na avaliação do que ele possui — e não do que ele sente e tem a oferecer como ser solidário e fraterno —, possa ser esclarecido e, ao mesmo tempo, sepultado. Esclarecido, através da crítica à primazia do ter sobre o ser, exemplificada nas personagens diversas, e, sepultado, metaforicamente, através da "viagem", que o pequeno príncipe faz de volta ao seu planeta. Um ser que precisa "viajar", ou seja, morrer, para poder renascer.

Como uma estrela para brilhar, rindo, iluminando a Terra. Somente assim, a solidão humana não reinará soberana e haverá a possibilidade de sua salvação na nova criança que, então, surgirá. 

 

 

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O livro: Antoine de Saint-Exupéry. O Pequeno Príncipe. Recife: Editora Ediouro, 2004

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março, 2008

 

 

 

 

 

Rosane Villela (Rio de Janeiro-RJ, 1953). Formada em Letras pela PUC-Rio. Publicou Navalha no verso pela 7Letras em 2000 e foi selecionada para a seção Quatro Poetas da Revista Literária Livro Aberto, Junho/Julho 2000. Em 2001, compartilhou com Fábio Rocha e Helena de Sousa Freitas o primeiro lugar no Concurso de Poesia online promovido pela Poemas Azuis, cujo único jurado foi Affonso Romano de Sant'Anna e, em 2002, participou com um poema e um conto, selecionados por João Silvério Trevisan, do Balaio de Textos do SESCSP ON LINE. Ainda em 2002, o jornalista e escritor Antonio Mariano, em sua coluna do Jornal da União, de João Pessoa, escreveu um artigo sobre a sua poesia. Em maio de 2003 foram publicados alguns poemas, como também dois contos no Correio das Artes, suplemento literário do Jornal da União, do editor Linaldo Guedes. Em 2004, proferiu palestra na Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ, intitulada Poesia e Criação, a convite de Marco Lucchesi. É membro e uma das fundadoras do blogue Letra Falante, criado em 2007, de discussão de literatura infantil, do grupo do curso avançado de Ninfa Parreira, na Estação das Letras, de Suzana Vargas, onde fez também vários outros cursos. Na Casa da Leitura, cursou "O Mal na Literatura Infanto-Juvenil", com Dilma Lacerda, e na PUC, o curso de extensão intitulado A Magia da Palavra. É autora do ensaio "Bartolomeu e o Caminho do Meio", sobre o livro O olho de vidro de meu avô, de Bartolomeu Campos de Queirós, publicado pela Revista Zunái, em 2008. Neste mesmo ano, sua obra infantil e juvenil Apanhando a lua... será publicada pela Editora Paulinas
 
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