Casa das Feras

 

Quando eu nasci meu pai vomitou um chifre inteiro que crescia em seu estômago há mais de trinta anos. Nem o rugido amazônico, nem a violência do mato, nem o silêncio das feras acalmou a dor de minha mãe quando eu nasci, minha mãe que desfaleceu no parto, uma ema montada por um rinoceronte.

Ignorantes são os que acham que as espécies animais não copulam entre si. Quem há de supor a paixão surda do macaco pela fêmea do tigre? Um hominídeo desejando as propriedades felinas com todas as forças, isso sim uma paixão ferrenha e tranqüila, aquelas paixões longas e mais perigosas, as paixões da guerra. Que o macaco se submeteria àquelas patas elegantes e mortais, se fosse para provar um pouco que seja do mel da assassina.

Foi no meio dos bichos que vim ao mundo, conhecendo todos os aspectos minerais de meu nascimento — dentes, ossos, chifres, apêndices, tudo sob a estrutura fina da pele dos recém-nascidos. Existe uma biologia inteira no nascimento dos bichos, aquela crosta sem assepsia, quando aprendemos a respeitar os começos.

Meus pais não me pouparam do conhecimento da matéria: rasgavam com seus dentes, chifres, patas e bicos toda camada de proteção que se insurgia sobre minhas membranas, deixando a pele ainda translúcida ao seu próprio destino, para que pudesse aprender a se recompor sozinha dos estragos do mundo. Eu urrava de ódio, de revolta por estar tão exposta, de fome incomensurável, de sede eterna, de frio, chorava de tudo, odiava ser fera.

E odiava também as feras, uma e todas.

Eu queria saber pegar no pires e na xícara com delicadeza, pisar com graça, queria a vida longe do cheiro bom da selva, eu queira rapidamente me corromper para ser salva da natureza. No entanto, bastava a xícara em minhas garras e eu a devolvia em minúsculos pedaços de pó ao chão, besta, e fera. Nunca tive mãos para o delicado.

A fêmea em mim nunca se submeteu, apesar dos meus esforços infantis em arrancar com lágrimas e sangue as unhas ferozes que cresciam sobre minhas patas, e os pêlos incríveis que se aventuravam sobre meu peito.

Quando se é fera, existe uma compreensão linear do corpo. O aprendizado começa quando ainda somos recém-nascidos, e os líquidos ainda não se tornaram sólidos. Os bebês-feras são aprendizes vorazes das lições do corpo, que perpetuaram sem culpa pela vida afora. Fome nada mais é do que fome. O pêlo nos veste e a nada podemos fazer. Fazer o que? Arrancar de si o eu mesmo?

Aprendemos a caminhar sobre pedras, pó, lama e outros bichos, menores. Rasgamos nossas patas toda vez que precisamos delas. Isso provoca um entendimento natural da cura. E comer outros bichos, atacar outros bichos. Quem de vós ousaria tal ato, o do assassinato pela fome, o descarnar da pele do outro, somente pela fome?

Feita de duas espécies diferentes, eu nunca me recuperei pelo fato de ser ambígua, sem pertencer necessariamente a um código definido. Como eu, havia no jardim musculoso onde morávamos uma série de outros animais, cabeça de touro e patas de anfíbio, língua de serpente e tronco de jaguar.

Nós, animais, não medimos a paixão, copulamos com quem nos agrada. Tudo o que você aprende no livro de biologia e história natural é mentira, esqueça tudo. Nós, animais, somos a insurreição dos livros. Somos incatalogáveis, dada a velocidade com que nos reproduzimos. Nós somos a revolução.

 

Moro num jardim imenso, uma selva assobradada, cujos limites são possíveis de se ver caso se possua velocidade e fôlego suficientes para varrê-los. Adianto: não é tarefa fácil. O jardim onde moro é longo e suficientemente grande para me esconder.

Sou um animal complicado, veja bem, meus chifres me contaminam, e à medida que vou me acostumando à condição de fera um outro galho me cresce, de qualquer lugar. Somos os animais de criação do domador Juan Valente, um homem bom que, a pedido de uma rainha, nos devolveu a condição selvagem.

André, por exemplo, era contador diplomado, antes de se tornar uma das salamandras da fonte. Muriel trabalhava na construção civil antes de deixar crescer o incrível rabo de esquilo. Lúcia não queria ser um lobo, mas foi o que se tornou uma noite ao retirar toda a mentira plástica de sua gengiva e ver nascer seus dentes e suas orelhas de ponta. A grande verdade é que ninguém pressupõe sua vocação para fera.

Nunca nos revoltamos contra Juan Valente, o domador de circo, porque sua natureza humana era benevolente e compassiva. Seu chicote era alegoria pura, mero acessório teatral. Nunca fustigou um bicho sequer, sem mesmo as castas misteriosas de feras que se amontoavam na ala Norte do grande jardim-selva, aqueles bichos mitológicos e cruéis, regidos por uma outra moral além do tempo. Ali, apenas Juan e só ele entrava, não nos aventurávamos. Era além da fronteira do medo.

         Foi ao lado do domador que nos compadecemos, em julho do ano passado, da jovem Laica, com graciosas asas que lhe cresciam em desalinho pelas omoplatas, multicolores, e ela chorava muito, porque não havia mais família para ela, não havia mais raízes, não havia mais calma e não havia mais clã, porque havia sido deserdada de sua (frágil) condição humana e agora as feras a esperavam.

         Laica percebia que precisava criar laços com as feras, o avantajado da vida, o desajeitado, o firme, forte e imenso animal da vida. Sofreu calada os horrores da entrada ao novo mundo, depois silêncio. Fomos nos aproximando aos poucos. Veja, há vários tipos de feras, as que nascem aqui e as que renascem aqui, mas todas morremos aqui. Nesta condição, nos aproximamos delicados dela, para não causar alvoroço.

         Laica não se mostrou reticente, apesar da imensa tristeza. Tinha doçura e tinha respeito, mas não tinha vocação para a fênix que deveria se tornar. Adentrar a ala Norte, aquele vácuo sem esperança, para se juntar aos seus, animais-enigma, isso ela não queria. Contra a vontade do leão, ofereceu-se ao seu bando em dia de caça, para que fosse devorada.

         Não esperou o amanhecer, postou-se frente à toca dos felinos sem medo, antes que estes pudessem sair para a caçada. Vencidos pelo instinto e pelo cheiro se sangue, que vertia de ferida aberta por ela, devoraram Laica antes que esta pudesse se transformar em sua verdadeira natureza. Dizem que os leões choravam entre suas vísceras e que nunca mais foram os mesmos após o fim deste dia, seja pela maldição de devorar um animal mitológico que pertencia à ala Norte, seja pela melancolia de matar a beleza.

         Eu evito este tipo de acontecimentos, para não ferir a besta que sou. Vigorosa, mas bastante envergonhada dos meus atributos minerais - os chifres, de todos os formatos - saio pouco à luz do dia. Caminhava ao lado de Juan, silenciosamente, na sombra dele. Ele fingia que não via, mas à medida que caminhava, separava melhor algumas galhadas, para que eu pudesse passar sem dúvida. Sempre considerei isto uma espécie de amor, talvez o único que conhecerei. Digo isto sem melancolia ou autoindulgência, estes são sentimentos que não conheço. Nós, as feras, não temos perversão, moral, culpa ou nostalgia, apenas sentimos o corpo dentro do corpo.

         Um dia notei algo estranho em Juan Valente. Esqueceu de balançar as galhadas baixas para deixar cair as pequenas frutas aos roedores. Deixou de perseguir os animais velozes, coisa que lhe dava prazer. Uma tarde, vi Juan cabisbaixo em frente ao tanque de peixes raros, parecia que pairava em digressão, tonto, fora dali.

         Não demorou muito para que aparecesse desleixado, a barba por fazer, e aquele rosto alegre de criança desapareceu de vez de seu semblante. Em seu lugar, uma sombra se ameaçava. Juan não deixava mais o jardim selvagem ao cair da noite. Estranho, continuava.

         Pela manhã notávamos seus olhos fundos, tensos, sem alegria. Abandonou seu aro e seu chicote à sorte dos insetos, na fonte. Sentíamos que, nele, a persona do domador se desintegrava junto com a do homem e questionávamos a razão da metamorfose. Juan era luto, mais que luto, era fim. Havia se apaixonado por Cassiopéia, da temível ala Norte, mulher transformada em constelação.

         Todas as noites Cassiopéia o chamava, e, como se não pudesse falar como fêmea, fazia brilhar incessantes suas trinta estrelas visíveis para Juan. Eram trinta mortes, trinta provocações, o homem perdia os sentidos.

         Não havia nada que eu pudesse fazer. Dona apenas de meus apêndices de osso e minério, não havia como despertar Juan de seu transe. Sentíamos falta sobretudo da proteção que ele exercia sobre nós, as feras.

         Um sentido de orfandade começava a tomar posse do jardim. Uivávamos à noite para Cassiopéia para que ela deixasse Juan entre nós, mas as feras são impotentes frente às estrelas, essas magas solitárias do desejo.

         Outros homens adentraram nossa casa e levaram nosso domador, Juan Valente, de nós. Acusado de louco, foi amarrado e gritava, lúcido de paixão por Cassiopéia, aquela que só podia ser vista de noite.

         Os homens, inábeis no trato com a loucura, o amor e as feras, e assim temerosos, vieram para matar. Atacaram as serpentes, os centauros, os touros, os crocodilos. A salamandra, o esquilo e o coiote assistiam apavorados. Era uma devastação do nosso perímetro, uma violência. Escondi-me entre arbustos, no pânico da desintegração de tudo que conhecia. 

         Quando os homens foram embora, o silêncio das feras desabou sobre o jardim.         Não sabemos chorar.

         Nosso aprendizado duro é o da perda e do machucado, pele sobre pele, fechando sobre a alma, esta estranha matéria humana.

         Sabemos, no entanto, que outras feras nascerão e que outras renascerão aqui dentro do jardim, para ocupar o lugar das que se foram. Mulheres e homens virão de fora encontrar aqui seu pasto e sua descendência.

         Continuamos incatalogáveis, revolucionários, e já há alguns anos que homens como os que levaram Juan Valente não ousam entrar mais aqui, desde que os mitos da ala Norte botaram abaixo seu portão maciço e puseram-se a copular com outras espécies, incessantemente.

         Hoje temos aqui bestas de todas as nomenclaturas. Sem pai, sem lei, estamos livres. Fascínoras, hominídeos, metade divindade, metade animais, feras de luxo, orgânicas, misturando mentira e verdade, em nosso jardim podemos tudo.
 

 

 
 
 

Casa Novo Mundo

 

Dancineide considera insuportável a possibilidade de existirem pessoas que não acreditam que se morre por amor. Ela, que foi criada na raia firme das paixões, no mato, na louça, na janela e na farmácia, só acredita em usuras.

         Que o corpo há de ser aproveitado em sua maioridade, misto de animal e homem e mulher. "Arriba a saia, Delinha!", grita Dancineide do quintal, num sorriso aberto de sol, pra moça evangélica do açougue, que diz que sonha com bíblias douradas, fato que alimenta de forma estranha a imaginação das crianças.

         Dancineide compreende mais que ninguém no bairro as vontades de cada um e acha um desperdício não satisfazê-las, uma a uma, as dela e as de todo mundo.

         Por esse motivo, à medida que os anos foram passando, ela deixou de ser convidada para certas festas da vizinhança, porque tinham constrangimento de sua língua solta. Dancineide, no entanto, não perde um baile da acústica Casa Novo Mundo, no avarandado do bairro vizinho. Montada em plena ribanceira, o barraco do Novo Mundo sacode todo primeiro sábado do mês com uma banda diferente, sempre formada por músicos que tocam melhor quando lhe servem não as cachaças da moda, mas a fina flor das caninhas — a "Peralta".

         Nestas noites, a Casa Nova Mundo vira um armazém de variedades. Iluminada difusamente por um enredado de fios de lampadinhas coloridas, o barraco revive um Natal diferente a cada primeiro sábado do mês. Aquelas luzes coloridas piscando, o sanfoneiro, o arrasta-pés, e, quando em vez, um disco novo na vitrola. Que ali se dança de tudo, do "apertinho" ao "deus-nos-acuda", do "zepelim dourado" ao "rebel", da "moschetta" à "viúva cor-de-chuva".

         Dancineide vibra quando aprende um passo novo. Sempre achou dificílimo um certo contratempo do "rebel", mas as meninas filhas da Lucinda lhes fizeram o favor de ensinar o truque do pé virado, antes de torcer o tornozelo para mostrar a barra da saia, o que lhes valeu uma fornada de brevidades feitas pela própria Dancineide, no domingo seguinte.  

         Ela enlouquece com os novos passos, dá gritos aflitos e comemora o feito comendo um pastel de vento da Casa Novo Mundo, com um guaraná ou uma caninha "Pitibiriba", permitida apenas para moças solteiras, porque é feita com raiz de pimenteira.

         Mas o que Dancineide gosta mesmo é dos cumprimentos, não dos rebolados. Embora se divirta bastante com estes últimos, ela gosta mesmo é da hora de dizer "pois sim, pois não", dentro da "mochetta", dança que eles inventaram quando o marido de uma das moças do bairro morreu, para que ela risse um pouco e não ficasse tão infeliz. Como todo mundo respeita as crianças na Casa Novo Mundo, inventaram neste dia a "moschetta", o que fez a jovem viúva saltar para a roda e dar de comer balas de mel e flor de pessegueiro aos seus pequenos.

         Durante a moschetta tem então esta parte dos cumprimentos, quando cada moça caminha de lado e com olhares furtivos em direção ao homem da roda que mais lhe agrada, e quando chega perto dele lhe oferece um cravo dizendo: "a qualidade do meu espírito tem a cor da rosa em nascimento. Se tu queres ser meu par nesta folia, aceita com afeto este regalo", posto que em seguida cada moça estende o cravo ao varão escolhido, que tem a possibilidade de dizer "pois sim" ou "pois não", ou ambos, se estiver na dúvida.

         Claro que esta coreografia gerou inúmeras brigas de arrancar cabelo na Casa Novo Mundo, já que pode acontecer muitas vezes de duas ou mais moças elegerem o mesmo par.        Durante algum tempo foi tão intensa a freqüência destas brigas que o pároco Francisco das Neves, responsável pela boa condução da casa e principal sócio do estabelecimento, teve que fazer dois sermões seguidos sobre o tema, e pensou seriamente em acabar com a "moschetta", já que valia mais desaforos que caninhas no bar.

         Mas as moças que freqüentavam a casa acorreram ao pároco aflitas, que aquela dança era certeza de muitos futuros casamentos e que ele estava ameaçando a continuidade da comunidade. Posto este desafio, Francisco das Neves não quis se interpor mais entre as moças e o destino, e resolveu permitir novamente a mochetta na Novo Mundo.

         Além deste cumprimento, Dancineide gosta demais do momento de declamação que antecede os bailados na Casa Novo Mundo. Com a promessa de que ao final da noite cada um fará o que bem entender e que quem não estiver de acordo com esta cerimônia fale agora ou cale-se para sempre, o que provoca risadas gerais no povaréu, já alto das primeiras caninhas, começam então todos a serpentear seus versos em roda. De poeta conhecido ou de punho próprio, todo verso é igualmente respeitado.

         Tem o Zé das Ceroulas, coitado, que escrevinha tudo que lhe vem na cabeça sem discernimento ("e sem discernimento, comemos pão achando que é promessa", Lucinda sempre avisa). O resultado é que o Zé, que ganhou este apelido porque tem mania de lavar ele mesmo (e só ele) sua roupa de baixo, e não deixar que nem a mulher o faça, o Zé começa a desfilar versos sem rima sobre lágrimas e traições, e ninguém da Casa Novo Mundo gosto muito destes temas, acham chato. Mas respeitam o Zé, porque lá dentro toda criança e todo poeta é respeitado.

         Depois a romaria de declamações vai correndo em torno da roda, sempre no sentido anti-horário, e quem não quiser dizer um verso basta no lugar dizer uma cor ou um nome de fruta. Dancineide sempre espera a sua vez de dizer "rosa", que é a cor que mais lhe agrada. Fica aflita, sua, esbaforida diz "rosa" quando é a sua vez.

         Não que ela não saiba versos, ela sabe, e tem alguns de lavra própria. Mas tem medo de dizer em público, porque lembra sempre da vez em que a Joaninha deu de dizer os seus, muito bem acabados em rima e conteúdo, mas que falavam dos mistérios da alma com tal desenvoltura e habilidade que ninguém quis lhe dizer "pois sim" naquela noite, tiveram medo do oculto da alma da Joaninha.

         A Casa Novo Mundo é um lugar onde todos nós gostaríamos com toda certeza de ir, toda vez que nossos pudores perdessem centimetragem em nossos escudos para o bailado, o perfume e o amor.

         Polvilham naquele lugar pétalas, especiarias e álcoois, para que as cenas que cada um vive naquele lugar fiquem eternamente gravadas na memória junto com uma inscrição de cheiro, um registro que acenda as percepções toda vez que caímos adormecidos no cotidiano dos dias. Como deseja ser livre, a Casa Novo Mundo insiste para que todos os seus convidados também o sejam.

         Só vai lá quem quer. O caminho não tem mapa do tesouro. Não tem placa indicativa na porta, mas também não lhe dificultam a chegada. A Novo Mundo está sempre lá, na beira da ribanceira, no subúrbio, iluminada com pisca-piscas de Natal. Tem gente que volta para casa com o aroma do cravo amassado no terno de quem disse "pois sim" na hora de uma moschetta. Tem gente que volta impregnado das damas-da-noite do quintal que antecede a ribanceira, porque preferiu dizer seus versos lá fora, sobre as omoplatas alheias.

         Pelas mesmas razões Dancineide tem asco à mais singela das especiarias, pois não suporta o alecrim que polvilham no peixe. É que era este o cheiro do cavalheiro que lhe ofereceu um gole de "Peralta" e lhe contou versos anônimos de amor, mas não na roda de declamação, foi nos curumins do ouvido dela que ele cochichou as belezuras.

         E ela exaltou-se. Só que no mais tardar chegou outra moça de saia e ele fez cochichar os mesmos versos, que Dancineide pescou tudo no pedaço de espelho do banheiro feminino, onde as moças se acotovelam para passar batom.

         Ela jogou-o ribanceira abaixo, enquanto ele dançava um "deus-nos-acuda" para ela, já torto da Peralta. Ele dançava com um ramo de alecrim na mão e era mesmo um besta, tentando mostrar que sabia fazer o passa-quatro antes da rodada final da dança. E Dancineide também não admite que dancem errado.

          Mas o que acontece na Casa Novo Mundo fica lá dentro, todos sabem. A ribanceira que engoliu o desastrado é muda, não há de revelar-se. Por esta razão Dancineide aprende passos certos, não confia em homens que não declamam na roda e acha insuportável que não acreditem que seja possível matar ou morrer por amor.
 

 

 

[Contos do livro Casa das Feras. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007]

 

 

 

 

(imagens ©f. lemos)

 

 

 

  

 

Márcia Bechara (Belo Horizonte-MG). Escreve cartas de amor a pedido de colegas da escola desde os 9 anos de idade. Ainda aos 7, descobriu a caderneta de poemas que vinha com a extraordinária vantagem de figuras para colorir. Aos 19, publicou seu primeiro livro, uma edição rosa de impropérios amorosos, Alegoria para Dinorah (Mazza Edições, 1994). De ascendência libanesa e fã das veredas da latino-america, aos 25 anos adaptou e montou para o teatro "Rútilo Nada" (Sesc/SP/1998), de Hilda Hilst, axioma do anti-amor, texto liberado pela autora após uísque, novela, cachorro, lágrima e foto, não necessariamente nesta ordem. Como atriz, foi também "A Noiva", de Lorca, "Alice", de Carroll, "Manuela", de Rosa, "A Narradora", de Lispector. Em 2007, publicou Casa das Feras (7Letras), espécie de  jardim laico, pouco amigável e sem boas intenções, mas infestado de serpentes e produtos de larvas próprias. A autora, que também é jornalista, reconhece os intestinos como essenciais no acolhimento do luxo e o do lixo da espécie. É apaixonada pelo luxo e pelo lixo da espécie, principalmente se disfarçados em atitudes gentis. Alguns de seus textos como "A demora em cada um de nós", "Lastro" e "O ladeado" receberam menção honrosa em concursos nacionais de contos. Vive em São Paulo.