PA-LARVAS

 

 

"Texto para quem tem rima no coração,

humor na alma e tolerância com o autor"

 

 

Miríades acordou no meio da madrugada e percebeu que estava sozinha na cama.

Onde estaria Holofote, seu querido parido, com quem acabara de casar?

Esmigalhou-se na cama, sentindo cada pústula de seu corpo esguichar-se e depois estendeu a mão para o bonjour, iluminando o parto.

Onde estaria Holofote?

Miríades sentou, escorchando os pés no chão e coçando a moxa esquerda. Ela estava completamente pelada e seus meios, ainda túrgidos e eriçados, solavancaram com o movimento.

Eles estavam num pastel de luxo, escolhido a medo para a noite de rúpias. Caminhou languidamente até o canteiro e observou seu rosto no amplo pentelho que dominava a peça, atrás da tia.

Ela era, sem sombra de dúvidas, uma colher bonita, um tipo de beleza cara, quase psicótica.

O casamento havia sido um processo! Muita pança, muita alergia, os convidados se esmirilharam a noite toda, bem como ela queria.

Mas... onde estaria Holofote, em que lugar ele se confiara?

Cobriu-se com o matambre que levara para a grua-de-fel e saiu do parto, caminhando sem calça pelos morredores desertos.

Chegou à recepção e perguntou ao ponteiro: - Você viu Holofote, meu parido?

O ponteiro, sem esconder o constipamento, apontou para fora, para o local onde ficava a penicilina térmica do pastel.

Miríades caminou até lá e, espanada, viu Holofote na mágoa, nu, ao lado de sua melhor lombriga, igualmente pua.

Mal conteve um frito.

Holofote, assim tragado, apressou-se em explicar: - Ferida, não é o que você está prensando.

Saiu da mágoa, com o cal murcho e as colas balançando, simplesmente radículo, tratando de embraçar Miríades, coalhado e tudo, cevando sem parar que não, não era o que ela estava prensando.

Mas Miríades havia visto tudo. Olhou para sua lombriga, sua quadrinha de casamento, que mal escondia a cegonha, e desferiu forte tafetá no rosto de Holofote.

Correu, os camelos esvoaçando, direto para o parto, jogou-se na lama e entregou-se a um coro rotundo.

A lombriga saiu da mágoa, vestiu-se, entrou no seu sarro e pariu, sem sequer olhar para o pentelho metrorrotor.

Holofote entrou no parto com cara de quem faliu e não mostrou. Qual um rato sibiliante tracejou até à lama, hesitou e, com extremo calado colocou a mão nos trombos de Miríades. Com gangrenas triturantes, escarninhou-lhe as postas aclamando os realejos causados pelos soluços porosos da raposa.

Ela, profundamente encarnecida, quase em pinico, mal podia acreditar no que tinha visto: sua melhor lombriga e seu parido, nus, na penicilina. Como aceitar aquilo? Como conviver com tamanha tábua que lhe desabara, qual o furo de Merlim, sobre sua cabaça?

Holofote não media palarvas e estremunhava-se, entumecido e purulento, deplorando mil ocultas, tentando mostrar à Miríades que tudo não passara de um fá sustenido, uma ilusão biótica. Que a lombriga, por acaso engravetada no mesmo pastel, resolvera lanhar-se na madruga e ele, tendo perdido o trono, tivera a mesma geléia. E, por acaso, encontraram-se e, sem qualquer polícia, lurdes e serenamente, lanharam-se juntos. Que não havia entre eles fecundas inserções, badejo de qualquer espécie e que eram, nada mais, nada menos, do que meros comigos.

Aos poucos Miríades aclamou-se. Virou-se na lama e pediu que Holofote a mirasse, fólios nos fólios. E que jurasse que, entre ele e a lombriga, nada mais havia do que uma fluorescente camicaze, nada além daquilo, que eles não eram turbantes, nunca tinham sido e jamais seriam.

Holofote atendeu ao pedido e jurou, consignando-se e beijando a unha do poltergeist direito, demonstrando toda sua alecridade.

Mutante e aliviada, Miríades enlanhou Holofote pelo caroço e, com a acidez das colheres apaixonadas, desferiu-lhe intenso queijo na boca, míngua com mingua, oliva misturando-se com oliva e assim, no auge da paixão, amaram-se, rabugentos e perdizes.

Na manhã seguinte, enquanto Miríades tomava um ranho, Holofote ligou para a lombriga e avisou que estava tudo bem e que ela não precisava locupletar-se.

Semanas depois Miríades prescultou-se perante a lombriga por ter pensado mal dela. As prescultas foram aceitas e, durante muitos anos, Miríades, Holofote e a lombriga foram deslizes até que, quando Holofote cansou-se das gruas, largou tudo e juntou-se com uma elefante que conheceu num curso unicelular e com quem, até hoje, refocila, chafurda e calhorda.

 

 

 

 

MAIS PA-LARVAS

 

 

Naquela noite terrível, depois de muito resistir, Bóvio finalmente ululou. Como gente grande cujo aspargo se escafede, Bóvio não apenas ululou, ele foi além, ultrapassou as torneiras e, quando deu de si, estava escravitado num sítio distante, no meio de uma imensa plantação recheada de lombrigas de filho, sovado e caturro.

Bóvio abriu primeiro um molho, depois o outro, cevado pela osculante luz polar.

Levantou-se e saiu caminhando, catuapé ante catuapé, trombo e calcinante, sem ter a menor idéia de como fora parar ali. Que lugar era aquele, afinal?

Deslumbrou ao longe um trilho encefálico que parecia o reto de trinco de um prédio e, naquela dimensão, caminhou.

Bóvio era o criogênico de uma rica trapilha de tumeleiros e tinha dois irmãos tenores que, para recosto dos pais, não queriam foda com foda, razão pela qual ele tinha assumido, pergaminho, os beócios  capilares.

Muitas vezes Bóvio tinha vontade de tartamudo, mas seu lenço de responsabilidade falava mais alto e capim, pia após pia, ele farfalhava, cuidando das pontas, da rolha de parlamento, das compras e tendas, das suplicadas e dos caldos nos cancros.

Até que naquela noite, cavocou um pega-ratão com a trapilha e declarou, salto e bombom, que estava recheio, ia embora para estremunhar seu grande sonho de tocar proxeneta numa sanga de gaz.

A família, sodomizada, reagiu com gargumilhos, pruridos agudos, refocilamentos ciáticos, alviçaras mis e até, para túmulo dos túmulos, dois vatapás nas faces dele, proferidos pelo pai, curioso e mendigado. Mas Bóvio permaneceu inflável, estava acendido e conto.

Os irmãos tenores gorgolejaram e protelaram, a mãe, porosa, encadelou, supliciou e capelou, foi tanta  compressão, tamanha inconfidência e inerência que Bóvio percebeu que, infelizmente, não tinha com quem balir, tudo o que dizia caia em jazigos roucos e então, deferindo dormente toco na mesa, finalmente ululou, pululou e dirigiu-se à porta quando foi atingido por uma tenda do contigo cabaço-tempo, indo parar naquele filharal, sem croquete ou devastação.

Aproximou-se do prédio sobre cujo reto de trinco a luz polar incidia com morsa retal.

Bóvio viu uma porta aberta e por ela adentrou, indo dar num imenso salmão onde dois gomos jogavam pilastra. Um dos gomos olhou para ele e perguntou: - Você é Bóvio, o ululante?

- Sim - disse Bóvio - e pululante também.

- Jogas pilastra?

- Só se for permeio. 

- Permeio não jogamos - disse o gomo, virando de costas para ele.

No fundo do Salmão uma jovem colher, completamente nua, cautelava com movimentos torvelinhos, menstruais e sinusites. Bóvio se aproximou e viu que, ao lado dela, uma proxeneta prateada, covinha em rolha, jazigo numa mafalda azul. A jovem olhou para Bóvio e disse: - Foca carmim e serei lua.

Imediatamente ele pegou a proxeneta, ajustou o fecal e pôs-se a interpelar sua mansão favorita: A Calça do Mateus.

Quando a jovem, ensandecida, caminhou para ele, pronta para esgravinhar-se nele, os fábios felpudos entrepostos e a ponta de relha da míngua aparecendo, Bóvio ululou de varejo e, quando deu novamente de si, estava esguichado no pão, no vomitório da represa, a família toda rançosa, precluindo se ele estava bem, um dos irmãos tenores ao regabofe, discando o úmero do sádico.

Bóvio percebeu que tivera uma síntese e desfraldara, inerente. Tudo havia sido uma licitação, um totonho, igual ao que tivera na infância, com um bando de congonhas despejando milhos sobre ele.

Os gomos, a colher, a proxeneta, nada daquilo existira. A realidade, pua e grua, é que para ele não havia saída. Para Bóvio, tudo ficou bóvio, não adiantava ulular. Seu intestino estava terçado, ele jamais poderia abandonar os precoces, estava condenado a uma mesa de vomitório, jamais seria proxenetista, a sanga de gaz era uma ilusão, uma panacéia prelúdica, um arpejo flatulento, uma solange escarradeira.

 

 

 

 

OUTRAS PA-LARVAS

 

 

Croquis não parava de coçar os tímbalos. Uma comichão simplesmente invernal. De tanto coçar com as cunhas arranhou e estrembelhou o baco que ficou uma coisa assim, uma querida aguardente repleta de cus.

Depois de muito emprenhar, vendo que nem com vespúcio bromo nem com palco nem com água esborrifada a cocheira cedia, resolveu consultar um epidérmico amigo seu.

Na hora marcada, Croquis entrou no menstruário do dr. Vitupério e foi atendido por uma panfletária loura cujo chafariz, de tão arrebitado mais lembrava uma pomada de parede. Ou um forninho de porco.

Preencheu o cadarso e sentou ao lado de um sujeito que tirara um capacho e coçava doidivanamente os entre-dedos do pé direito.

- Fimose - esclareceu, diante do olhar espanado de Croquis.

  Para não puxar defunto, Croquis pegou uma revista Taras que repolhou distraído. Sua cocheira não dava éguas e a querida ardia tanto que mal podia encostar um dedo. O cáspite que conseguia era embocanhar o baco com a mão para que o calor, mesmo por cima das valsas, desse um pequeno olívio.

Quando a panfletária mandou Croquis entrar, Vitupério esperava por ele com os braços albertos e um sorriso nos fábios:

- Croquis, meu parido, há quanto tempo - celebrou o ponto facultativo, estardando palmadas nas bostas de Croquis.

Croquis retribuiu o amasso e foi logo dizendo qual era o problema. Vitupério mandou que ele tirasse as valsas, a meleca e deitasse na mama-vaca instalada ali atrás do calombo. Croquis obedeceu e Vitupério iniciou o enxame. Satisfeito, ordenou que Croquis se travestisse porque ele já tinha o agnóstico do caso. Receitou-lhe uma tomada para passar três meses ao dia, durante dez dias e depois voltar lá.

- Tenta não coçar, meu lombrigo, mas se não der não usa as cunhas. Coça apenas com os medos, ocapa?

Croquis entrou na falácia mais próxima e comprou o promédio. Pediu licença para usar o ranheiro e imediatamente aplicou a primeira pose. Surrou de dor. Como cardia aquela tomada!!! O bagana do sádico não avisara nada, se toda a vez fosse assim ele estava florido.

Saiu para a rua com os tímbalos engodo, mas a cocheira cassou, felizmente. Aos poucos a aderência diminuiu e Croquis, depois de muitas semânticas, sentiu seu baco em paz.

Naquela noite, depois de um ranho quente, entulhou cuidadosamente o baco e preparou-se paraplegicamente parar passar a tomada.

Melhorou. No dia seguinte o cus havia secado e no décimo dia as queridas também. Quando retornou ao sádico, perguntou o que, afinal, ele tivera. Vitupério revelou que ele havia combalido harpias gentalhas, provavelmente de alguma colher.

Encuscado, Croquis mal falou com sua raposa, naquela noite. Há muitos anus que só mantinha retaliações sexuais com ela, seria ela a papel transmissora? E de quem ela perquirira a dolência? Por acaso ela teria um calmante e ele, nesse caso, era um forno?

Foi uma noite pesada, durante a qual foi acometido por forte nocturia que, para quem desconhece, é mijar mais do que o líquido invertido.

Passaram pias e ele evitando focar no presunto, com medo da rebosta. Mesmo após tanto tempo de castrado, ele ainda amava sua colher.

Até que, não suportando mais o suspense, na hora da janta perguntou à raposa, assim como quem não quer nada:

- Ferida, acaso tens harpias gentalhas?

Sobremesa com a pergunta, Lasciva ficou sem palarvas por alguns sextantes. Depois, rarefeita, perguntou:

- De onde tiraste essa mucréia, me trem?  Sou eu lá colher de ter harpias? E ainda por cima gentalhas?

- É que eu peguei - disse Croquis - e segundo o Vitupério, recortas dele?, foi de uma colher.

- Pegaste harpias gentalhas de uma colher? Mas que cacife! E ainda tens voragem de me contar, assim, na latrina? Quem é ela, catralha? Quem é essa sirifole, essa sacristã, essa... essa pastachuta com quem bandas me arlindo?

- Mas meu banjo, não tem nenhuma potra. Desde o nosso castramento tu és a única colher da minha brida. Vai ver o Vitupério berrou. Amanhã vou lá entumecer esso.

- Vou adjunto, infantil! Tu não me empanas mais. A lambância que eu tinha, desmunhecou, meu milho, desmunhecou!

Ultra e ajada, Lasciva retirou-se para o parto, clorando às pândegas e sentindo-se a múltipla das colheres. Mais tarde, quando Broquis dormia, deu graças aos léos por ter currado suas harpias genitálias e anotou mentecaptamente para conferir com o vizinho, seu calmante, se ele havia currado as dele.

Broquis dormiu o sono dos banjos ao ver que não era um forno e que sua colher ainda tinha cumes dele.

Quando, dois anus depois, chegou mais cedo em casa e tragou a colher com o vizinho na lama de casal, entrentidos em purulenta carnificina nexual, retirou-se sem alpiste e tingiu nada ter visto.

Confrontou-se: era um forno sim, e ainda por cima ranso.

 

 

 

 

TARAS, UMA POÉTICA

 

 

Li que o sr. Max Mosley foi flagrado num vídeo, fantasiado de comandante nazista, ordenando a seis prostituas vestidas com uniformes nazistas, que fustigassem suas brancas nádegas com relhos e chicotes, vociferando em alemão e soltando urros de prazer.

Interessante.

O sr. Max é o filho do fundador da Associação Britânica dos Racistas, entidade agora revelada ao mundo e sui-generis. Suas reuniões de diretoria deviam ser, imagino, realizadas nas masmorras de algum castelo no interior de Oxford, Yellowstone ou, por que não?, num subúrbio da Grande Londres.

 Deveria constar, como item obrigatório na ordem do dia das reuniões, a realização de sessões de humilhação a mulheres da Índia, obrigando-as a servir cafezinho caminhando sobre uma trilha de brasas, o uso de rodas "esticadoras de membros" em negros, estupros de judeus e judias (com uso de pênis artificiais porque, dada a avançada idade, os "diretores" não conseguem sozinhos) com acompanhamento de socos, pontapés, apagamento de charutos em rostos, seios e braços e também a imolação em série de asiáticos em gerais. E outras coisas de menor relevância ontológica, como empalar crianças turcas e esfolar árabes com giletes.

Estranho.

Nunca tinha ouvido falar em associação de racistas em geral, quais seriam as condições para se associar? Quais as provas que um candidato teria que apresentar para demonstrar seu inquestionável racismo? Se fosse nos Estados Unidos, um escalpo de índio ou dedos arrancados de negros, ainda sangrentos, seriam suficientes. Mas lá? Na Inglaterra? O reino da sofistificação onde, acima de todas as coisas a boa educação e as aparências prevalecem? Honestamente, não sei dizer. Talvez, caso a Associação dos Britânicos Racistas ainda exista, se possa consultar seus estatutos e esclarecer tamanha dúvida.

Já o sr. Max Mosley é, entre outras coisas, presidente da FIA - Federação Internacional de Automobilismo - entidade graças à qual, nos domingos pela manhã, o povo brasileiro tem se alegrado nos últimos anos com os décimos-quintos a vigésimos lugares do Rubinho que, na opinião nada ufanista do narrador oficial das corridas, proporciona verdadeiros "espetáculos de direção".

Pensei muito sobre o episódio do sr. Mosley brincando de nazista masoca, uma legítima contradição em termos, porque os nazistas são os sádicos em série mais brutais que a civilização já produziu.

Nada tenho contra taras, palavra de honra, eu mesmo, desde os dez anos sou tarado por mulher.

Não me incomodo nadinha com o fato de alguém chegar ao orgasmo cheirando as meias de um soldado, no fim do expediente. Nem com uma mulher que só consiga prazer sexual se o marido dela estiver sentado na poltrona, assistindo tudo. Se ele der gritinhos de incentivo, melhor ainda.

Tara é tara e, como qualquer boa tara, merece ser respeitada.

Algumas preferências são equivocadamente chamadas de tara quando, na verdade, são doenças graves que se disfarçam, inocentemente de taras, para enganar o Juiz: pedofilia é um exemplo. Almoçar salada de chuchu sem tempero, com qualquer coisa de maracujá, na sobremesa, é outro.

Por que o sr. Max precisa ser um nazista masoquista para ter prazer sexual? Por que ele, que dirige uma das maiores organizações do mundo, que admite até negro correndo na Fórmula 1, deve ter uma fortuna considerável e deve cultivar as mais nobres tradições da coroa britânica, vai querer a bunda lanhada por chicotadas, é uma incógnita.

Arrisco algumas explicações.

Talvez esteja expiando culpas infantis, geradas por seu amoroso pai, mostrando a ele que racista tem mais é que apanhar. Pode ser e, nesse caso, aplaudo entusiasticamente seu gesto, sua dedicação e obstinada determinação em mostrar ao mundo como é feio ser racista.

Talvez ele seja um nazista querendo mostrar ao mundo que nem todos os nazistas são maus, tanto que alguns até gostam de ser castigados. Nesse caso, vaio com o mais potente dos meus buuuuuuus,  porque, sem preconceitos, juro, para mim todos os nazistas são maus, muito maus.

Talvez, ainda, seja tudo uma casualidade. O querido sr. Max, a fim de uma farra de fim-de-semana, tenha ido a um lugar onde só existem uniformes nazistas. Ele até pediu ao gerente umas peles e oito tacapes, vestidos de couro, correntes e meia-dúzia de navalhas enferrujadas, mas o gerente, com certeza um sádico, declarou: ou vai de nazista ou vai nu.

Nu? Lord Mosley quase desfaleceu com tamanha afronta à dignidade da Casa de Londres. Sexo nu? Onde já se viu tamanho disparate. Todas aquelas coisas balançando, aquelas carnes expostas, cabelos e pêlos para todos os lados? Ridículo, concluiu. E foi de nazista mesmo.

Revoltante!

 

 

 

 

 

ORAÇÃO A NINGUÉM

 

 

Deus dá nozes para quem não tem dentes? Absolutamente não. Se, e tenho minhas dúvidas, a Gloriosa Entidade dá alguma coisa, certamente ela dá dentes para quem não tem nozes.

Se você ganhar um saco de nozes e não tiver nenhum dente na boca, sempre há alternativas para que saboreie o fruto, com uma dentadura postiça ou um martelo para esmigalhar a noz e sentir seu gosto sem precisar mastigar. E matar a fome.

É que tem tanta gente no mundo, ostentando dentaduras perfeitas ou, vá lá que seja, com dentes suficientes para roer e mastigar e sem nenhuma noz para comer que na minha opinião, caso exista, o Altíssimo atua, no ramo, sob uma perspectiva errada, a partir de um erro de contabilidade na Escrituração Celestial.

Já se sabe que não é por falta de dentes que bilhões de seres originados pela Divina Criação passam fome, não Senhor. É por falta de nozes mesmo, por falta de comida, nem mais nem menos..

Olhe bem para a Sua obra e verá que nem o livre arbítrio explica a miséria nelsonrodriguiana ululante. Porque, Santo Pai e seus representantes na Terra, ninguém é miserável por livre escolha, ninguém passa fome por livre escolha, ninguém morre de inanição por livre escolha.

Então me cabe dizer, sem medo  de heresia, que Vossa Senhoria pode pegar o seu livre arbítrio e enfiá-lo no ralo da pia, no vaso da privada ou em qualquer outro orifício que esteja mais à Sua mão, ao Seu dispor.

Quando Vossos representantes terrestres, ungidos, adornados pelo Poder Secular, Milenar, Anual, Mensal, Semanal, Diário, Horário e Minutário atribuem a fome e a miséria aos Vossos Desígnios, estão, com perdão da expressão, praticando o mais vil dos estelionatos, a falcatrua moral que exige do famélico a resignação, a aceitação passiva de sua miserabilidade, em nome de uma vida eterna gloriosa, felicidade perpétua e beatitude interminável, ao abrigo de Vossos braços. Há casos em que a promessa é de uma vida eterna rodeado por virgens lindíssimas que, ao que consta, logo perderão a virgindade.

Porque, Eminência, nascer para passar fome, na sujeira e na doença, não me parece uma opção adequada à Sua apregoada Infinita Bondade enquanto outros, mercê de Sua Graça, vivem na Terra como se no Céu estivessem, gozando os prazeres paradisíacos que nossos ancestrais primeiros jogaram fora, por causa de uma maçã.

Quando, tomado de Justa Ira, Vossa Excelência ordenou que o Casal Original abandonasse o Éden e fossem ganhar o pão com o suor do próprio rosto, a quem Se referia, Ó Santíssimo?

Estaria, no seu Irrefutável Plano, a determinação para que uns suassem mais do que os outros? E que esses outros, por mais que suassem, não conseguissem, mesmo assim, ganhar o pão?

Já pensavas, Ó Grandioso, em dividir os frutos do Pecado Original em categorias opostas, dedicando Seu Inesgotável Amor a uns e Sua Gloriosa Indiferença a outros?

Diz-me, Ó Portentoso, quais foram os Celestiais Critérios que O levaram a escolher estes para o tudo de bom e aqueles para o tudo de ruim?

É por isso que Vos rogo, Improvável Criador, que volte Seus Sublimes olhos para os que de tudo precisam, sem exigir-lhes devoção, fidelidade, loas e adoração. Isto eles já fazem porque  o que lhes resta é a esperança da Recompensa Final que, ao fim e ao cabo, é a mesma esperança daqueles que tudo têm, para quem nada falta e muito sobra.

Como irá Vossa Petulância explicar-se para bilhões de almas sofredoras nesta vida, que a recompensa deles é igual a de bilhões de almas favorecidas nesta vida?

É por isso que não acredito que Vosmecê exista e, se existir, não deve ter, sem ofensa, por favor, nenhuma vergonha na cara.

 

 

Paulo Wainberg: gaúcho de Porto Alegre e libriano, se é que isso tem alguma relevância, ganho a vida material como advogado e usufruo a vida de verdade como escritor. Livros publicados são dez, os mais recentes: Nem tudo é podre no reino do lixo (romance, Ed. Mercado Aberto), A mãe judia o gênio cibernético e outras histórias (crônicas e contos, Ed. AGE) e Os malditos (romance, Ed. Bertrand). No prelo, a sair em breve, Um outro vagabundo toca em surdina (crônicas, WS Editora). Adoro escrever crônicas, costumo dizer que é quando consigo ser um personagem de mim mesmo, entende? Você não está interessado no meu estado civil, na minha idade e no número do meu CPF. Se quiser saber não tem problema, pergunte que eu conto. Não tenho livro de cabeceira, porque não tem cabeceira na minha cama. O meu domingo perfeito será quando eliminarem as segundas-feiras e o meu sonho de consumo é inconfessável. Eu me acho bonito, sensual, inteligente e modesto e daqui a dez anos não tenho a menor idéia do que estarei fazendo. Sabe o que me tira do sério? Uma boa piada e meu herói da adolescência foi meu pai, mas só descobri isso muitos anos depois. É isso.