Um signo estranho, um eco do passado...

Estrondeou truculentamente,
um nevoeiro erguia-se e espichava,
a noite calamitosa que acalantava:
era o frio pedindo abrigo.
— muito que se quis, se disse perdido...
e fora tão imaginário que despencou.

Nulidou-se a si mesmo — diante do espelho
escolheu um pente (duro), e descabelou-se.
Quando a amada chegou: suicidou-se.
A raiva paria um filho (pródigo),
um amante que se desesperou.

Pernóstica, seu depoimento (vão)
relativisou para oprimir o objetivo
— uma saída em fins de justificar-se
e fugir como sempre o fizera.
Na catarse praiana, validou-se tenebrosa.

Debateu-se para dizer que não tinha culpa,
gritou à plenos pulmões que era inocente
— mas o vazio de sua fala, tornou-a confusa,
agora, ninguém mais se interessava...

 

 

 

 Questão difícil.

— Porque seu noivado acabou?
— Não entendi o enunciado...

 

 

 

Poema sincero.

Que coisa,
as putas são mais carinhosas que tu.

 

 

 

Uivos noturnos.

Bateu, chegou a estralar
Abriu a porta e desconcertou-se.
Ela berrava (a porta)
Quem se desconcertou (o amor)
Dirigiu-se ao mundo.
Da impureza, nasceu a escuridão
Amou como um cão
(o cão era um alguém).
Que não sabendo quem era,
Rolou as escadas
e se espatifou no chão.

 

 

 

 

 

 

A curva do medo.

Ah, o cheiro da manhã
Os raios de sol
que me ultrapassam,
e o bom dia dos Curitibanos
com olhos dorminhocos...

Amando fico tão tolerante,
que num passo
errante esqueço,
dos males da província e
do meu coração.

Vou esquentando e
alimentando um dragão
que logo agora,
tende a acordar novamente,
e abalará envergadamente
toda a mutilação.

Mas sabendo dos riscos,
eu me lanço
porque o medo de amar é
dos idiotas
que não sabendo
quem são,
se entopem de máscaras
e adiantam o carnaval.

Festejam como loucos,
porque não têm o que comemorar
quem amar,
quem esperar,
quem buscar
e então pulam. E só.

Mas eu estou tão tolerante,
que poderia até permitir que pulem
em cima de mim,
aos lados.
Deixe que pulem
deixe comemorar o novo,
ainda que não seja nada,
pois o que é a paixão se não
um nada-tudo-novo?

Sim, essas são
as armadilhas do amor,
amar o desconhecido,
porque se tem amor.
você não se pergunta das conseqüências,
quer amar.

Me acontece um porejar de ternura,
uma vontade
descabida de gritar seu nome
que eu fico bobo,
pensando que os sentimentos
são brinquedos.

Desalforriado eu me entrego,
para ser escravo de novo
para tatuar um número no braço,
que me identifique como teu.
Exilado na cercania da gótica capital,
construo sentimentos:
para sobreviver,
e sonhar com o retorno.

 

 


 

Débora.

O vento lhe zunia...
Naquela praia (cálida)
Sob aquele crepúsculo
Em cima daquela pedra,
pensou: "mundinho de merda"

Do tudo, muito pouco
uma vida que lhe cabe nas mãos
por isso: vida chata.

Se não há outro caminho
Viver então...
Mas de tão birrenta,
Lançou-se à criação.

Passou um dia, dois, três
Nisto já haviam as estações
viu que o frio era bom
Ajustou a temperatura,
para que ninguém morre-se.
E diminui o verão
Só para andar bonitinha de cachecol...

O bonitinha é claro, por conta de quem vê
Para ela pouco caso faz, não lhe interessam:
Tais bestialidades
E muito menos se alguém desfaz.

Contudo, percebeu, e ainda em hora
Que seria um erro:
este pobre mundo, desta mesma forma
Foi aí que decidiu acabar com o calendário
desenhou um círculo no chão
e foi fazendo uma linha em aspiral
foi aí que seu mundo
se tornou sem fim, cíclico
inigual

Era um mundo sem horas
Sem começo ou término
Bastava um impulso
E ele girava, e girava
E foi assim, que ficou girando

E enquanto esse mundinho de merda,
Em que todos nós vivemos,
Permanece dessa forma
O mundo da pequena gira e gira.

 

 

 

O pulo do gato.

Uma arapuca bem armada
Singela palidez que me trouxe
Nudez, da minha mamada
Gozei é verdade
No arranha céu das suas costas
Encontrei morada.
Pisava de fianco, buscando rigidez
Calculava, friamente, pulei na sua cama
No caminho, errei a pisada
Cai num fundo sem vez
Você que era sarrista
Se partiu em dar risada
Pobre de mim palhaço oco
Continuo num sufoco
Correndo atrás da meninez

Que pra você não vale nada.

 

 

 
 

 

 

 
 

Anti-anemia.

Vai, me come
Me lambe até os cantos
Me escorra nas suas dobras

Me lance na parede
Desforra a insalubridade
De tantas coisas sinóginas

Puxe-me fios à força
Grude-me, esfolie-me
Monte e fuja

Vai, confessa-me
Não tiras da cabeça
Não tremes com outro

Me atire ao mar
Mergulhe, deságüe-me
Goze partículas vergonhosas

Supra-me com seu gemido
Tenro, sutil vezes, ora contido
Balbucie-se no estrondo

E pelos dedos, confira a obra
Que pupilarmente, é quente e engorda
Anti-anemia.

 

 

 

O Cristo esquecido.

Do meio da sarjeta
Ele vem
Tropeça e se esparrama

Na calçada vê a lua

A puta que passa
Num desdém
Chuta-lhe a testa

Outro, porém lhe acessa:
Levanta daí cara, me dá um abraço
E feliz ano novo pra você também...

 

 

 

 

(imagens ©débora dell'agnelo)

 

 


 

  

Raul Koliev. (Porto Alegre-RS, 1980). Com influência do clássico ao marginal prepara seu primeiro livro chamado Sedución, que reunirá contos, crônicas e poesias.  Seu site: www.raulkoliev.wordpress.com.