colagem digital sobre courbet, com fragmentos de ernst
 
 
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

ela quer andar de mãos dadas

com a lolita que lhe deu sorvete

tem os peitinhos cor-de-pitanga

e mora no vale do loire

 

ela quer pegar na cintura

da mestra esbelta e ruiva

que fuma debaixo da chuva

nas escadarias da notre dame

 

ela quer beijar a vulva

da dançarina do moulin rouge

que morreu afogada no rio sena

e reaparece nas noites de lua cheia

 

ela quer chupar os seios

da vampira que saiu do filme

e acariciou suas coxas brancas

entre os túmulos do père lachaise

 

ela quer passar a mão na bunda

da dama de roupas negras

que vaga sem cabeça pelas ruas de paris

foi guilhotinada na revolução francesa

 

ela quer entrar na tela do italiano

masturbar a mona lisa

e sair limpando os dedos

nas saias das bailarinas do degas

 

ela quer cheirar a calcinha de frida kahlo

e depois se deitar com ela

no quarto amarelo de van gogh

o seu desejo não tem juízo

 

ela quer morder o pescoço

das prostitutas de lautrec

gozar na boca da vênus de milo

e enfiar a língua na origem do mundo 

 

 

 

Razão

 

 

Não existe um roteiro definido para a composição do poema. Ele pode surgir na mesa do bar, debaixo do chuveiro ou dentro do táxi. Petit mort foi o último poema feito especialmente para entrar no meu mais novo livro, que se chama Cor de Cadáver. Surgiu numa noite de lua cheia em Ouro Preto, quando olhei pela janela e avistei levitando no ar a bela Igreja de São Francisco. Eu estava com a musa bebendo o mesmo vinho que Baudelaire bebia, e fiquei pensando nas obras de arte que tive o prazer de ver nos museus de Paris nos anos 1990. Os pintores franceses são os meus preferidos e eu aproveitei a oportunidade para celebrar a Mona Lisa que está no Louvre e O Quarto de Van Gogh que está no Museu d'Orsay. Dançando no quarto número 11 (número da camisa do Romário) lembrei-me das bailarinas do Degas. Na mesma época eu estava lendo a biografia de Balzac e não me lembro se ele está enterrado no Père Lachaise, mas na hora de compor o verso, optei pela sonoridade do nome do triste, belo e famoso cemitério onde estão enterrados vários poetas, pintores e escritores. Com tantas referências na mão, resolvi também homenagear a pintora mexicana Frida Kahlo, que tem os olhos de aquário de peixes mortos como a musa cor de cadáver. Para finalizar, devo dizer que na verdade eu detesto dar colher-de-chá para o leitor, por isso não vou falar aqui o que significa "a origem do mundo", que está no último verso do poema. Posso dar apenas uma pequena dica. É uma obra de arte que pertenceu a Lacan.

 

 

junho, 2009
 
 
 
 

Jovino Machado (Formiga-MG, 1963). Poeta. Graduado em Letras (UFMG). Publicou, entre outros, Trint'anos proust'anos (Mazza edições, 1995), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002), Fratura Exposta (Anome Livros, 2005), Meu bar, meu lar (Editora Couber Artístico, 2009) e Cor de cadáver (Anome Livros, 2009).

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