O poema

 

 

                                   o sol

surgia sob o negro monolito

e os

ossos contra o azul

anunciavam o valsar de espaço

                                        -

                                  naves

 

o cérebro-eletrônico e seu olho

                         insoneeúnico 

como cibernético deus

a todos mantinha e velava

 

sós os homens    pobreshomens

  quaseanjosquasepássaros

                              flutuavam

ao som de strauss

com vestes brancas e sapatos

imantados

em um danúbio extemporâneo e

                              imaginário

 

dois mil e um se foi 

nenhuma odisséia aconteceu   (

                         como já se

dera antes com milnovecentos

eoitentaequatro

                                          )

 

os homens descrentes de asas

imergem na vida

entre

ávidoseexaustos

                  e os filhos de hal

        compactoseescravizados

germinam por toda parte

naïfemente esquecidos que um

                                      dia

 

valsaram

na imensidão do sideral espaço

 

 

 

(Recife, 29 de março de 2008)

 

 

 

 

Razão

 

 

Era março de 2008 e eu soube da morte de Arthur Clarke. Imediatamente, lembrei-me de Stanley Kubrick e de 2001, Uma Odisséia no Espaço. Adoro esse filme. Vi pela primeira vez com 16 anos, e fiquei absolutamente encantada. Aquela cena dos ossos que sobem ao azul e, depois, a nave ao som de Danúbio Azul, me deslumbrou. Até hoje eu posso vê-la e ouvi-la só de lembrar. 

 

E me dei conta então, como em pouco mais de 30 anos, de quando o filme foi lançado pra cá, as coisas mudaram, em termos de tecnologia. Do imenso Hal aos PCs, notebooks e celulares do nosso dia-a-dia. O que seria, na mitologia, ficção científica de então grandioso e quase inenfrentável, rapidamente se banalizara e passara à rotina pura e simples, em todos os níveis da vida moderna. De uma visibilidade quase invisível enquanto glamour, mistério, surpresa. E  em meio à parafernália eletrônica, ainda os homens — O Homem do século 21.

 

Era 29 de março de 2008, quando escrevi o poema, que — para minha surpresa e alegria — ficou em segundo lugar no Prêmio OFF-Flip 2008, de poesia. E me levou a Paraty.

 

 

março, 2009
 
 
 
 
Márcia Maia (Recife-PE) é médica e poeta. Participa de várias antologias de poesia, nacionais e estrangeiras. Publicou Espelhos (2003), Um tolo desejo de azul (2003), Olhares/Miradas (2004) e Em queda livre (2005). Escreve em revistas e sites da internet. Edita os blogues Mudança de Ventos e Tábua de Marés. É uma das Escritoras Suicidas.
 
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