A dialética do anjo da morte

 

Minha porta já foi marcada

E o que há de vir profere a noite,           apenas à noite

 

No céu, a mão de um velho leva o salto de cavalos impossíveis 

  

    São centenas que se atiram no vórtice da escolha.

 

Será que eles rezam em suas casas? Tem o vinho, o pão... o breviário?

Eles compartilham o temor que aceito

ao pôr a marca vermelha em minha porta?

 

Estamos cheios de flagelos — todos dois

Cenários que serão da noite o massacre

E somos levados, qual nuvens e espólios

Para o vale —

                 de onde dispersam as aves noturnas

 

O temor é o corpo das Horas, corpo que incensa dentro das casas

E já não se sabe da quarta corneta

calada que foi por estranhos decretos

 

Povo eleito, prole etária,

Meu lábio negado ao partir um não...

 

...não nos julguem os que olharem ao céu                           esperando as hostes da providência 

Nós queimamos as sementes

e arrasamos a terra das promessas

 

As marcas foram feitas para que saibamos

que essa noite passará — 

                                         como as outras.

 

 

 

 

 

Malecón

 

Quando tudo converge...

 

A mulher-de-frisa a noite dos martelos os cálculos renais e o azul-inferno

A elegia da chuva a crise moral as nau-cadáveres e as águas retangulares

Toda a justiça de meu tempo...                   

...ao estrondo elíptico da queda do império.

 

A idéia terrível de que não temos sequer palavras. A idéia terrível de uma palavra para o amor. A noção de estar velho e não ter passado ainda pela primeira porta do mundo. A certeza de que podemos aceitar qualquer sofrimento – de que podemos, algum dia, simplesmente deixar de falar...

 

Trágico?

Nem mais nem menos trágico — suficientemente trágico.

A greve do fogo e todo o resto

 

Aquele gemido seco de engolir areia, de amar a humanidade com um canivete, de sangrar o céu com o sonho dos homens antigos.

 

Sol, carrega essa dor para um outro maio!

Quando não for tão difícil chorar

 

 

 

 

 

XXI

 

Os cavalos lançaram sua negra corrida

Como sombras sem peso fugindo da lua

Seu corpo ainda é feito de estranhos hoplitas

No fundo do céu, barcos de sal se demoram

 

— Um velho, sem que o desdenho rochoso le abrace —

 

E quando armavam seu frio argumento e as áspides

Na guerra do vento, nas manhãs entrincheiradas

Então se postava a frente dos seus

E acendia velhas maternidades

 

— Um ritmo, sem que os homens rabugentos dancem —

 

E quanto a aprender sua disciplina do fórceps

Fogo em pés, logo que inventa a entropia

 

Na ordem da chuva nós somos os éforos

E as cordas, amor,

                              reelaboram

— Eu amo, sem vida, sem fome, sem arte —

 

Arranca do mal essas pedras!

Os corvos não dizem amém à verdade

A rosa vermelha já teve seu preço

 

Não posso então misturá-la...  às cinzas, tão lícitas 

Seus versos sustinham um quê de lasciva

                           E cortava os próprios cabelos

 

 

 

Entropia

 

Você chorou na cama, enquanto fazíamos amor,

e disse que não agüentava mais aquela vida

e eu pus sua cabeça em meu colo e disse que estava tudo bem

e invejei os homens com filhos, esposa e com carteira assinada

e minha alma atrofiou no lado esquerdo do corpo

e seu sonho envelheceu ligeiro enquanto passava pela primeira porta

e você descobriu os segredos de uma ilha comunista

e eu caminhava por aquelas quadras com planos de adulto e tão humildes esperanças

e aprendíamos novas matemáticas para pagar as contas

e você falava no meio do sono e dormir em seus cabelos era a melhor parte do dia

e gostávamos de fazer comida e ficar o dia inteiro juntos

e de beber às vezes e ler um para o outro na cama

e decidimos morar juntos depois de uma viagem distante

e ficávamos cada vez mais próximos e conhecíamos o corpo um do outro acidentalmente

e marcamos para nos encontrar um dia em minha casa e assistirmos juntos a grandes esperanças

e nos conhecermos numa noite de inverno no meio de um ano sonolento.

 

 

 

 

 

 

O Vallium e a Mais-valia

 

Faz tanto tempo desde que amanhecia

E com um desejo estranho você escrevia...                      de Marte e de martelos

 

e das luzes em bemol

 

Então veio a inércia, gorda e gravitacional, e por um ano os pássaros cantaram ao contrário. 

               

        Aberto por delicadas tenazes você pariu,

                    e as injustiças romperam de seu peito com um sorriso sádico

 

Hoje as noites consomem seu pathos, para que vencesse aquilo que o levava a escrever,  apenas pelo impulso da sobrevivência.

E pensa agora (e isso é sobretudo a invocação de um eco) em contestar as substâncias

 

Quando eles vierem estará sempre vivo, e se manterá vivo enquanto correr o verbo-sol e a mais-valia.

 

Assim diziam todas as bulas com olhar condescendente.

 

E você pôde então recolher o homem da rua e ensinar a voz passiva das coisas. E viver mais uns quantos meses e ouvir a flauta do mendigo Mamón aos domingos de plástico. Pôde comprar uma garrafa de vinho de vez em quando e pagar o aluguel quase que em dia. Pôde porque seu coração estava anestesiado, e suas mãos estavam grogues, e falava com a língua presa. E se tivesse vontade de gritar apenas plantava as sementes debaixo da língua

para que se arvorassem os silêncios 

O comoveu a previsibilidade, como eram homens e coisas previsíveis...

a lógica da hecatombe

a disciplina da espera

 

a metástase

que lentamente aflora

no calor confortável do plasma

 

 

 

 

80s

 

E eu que sou cria dos anos 80     o aborto sem sangue da história

O que você espera de alguém que passou 10 anos em frente à TV?           Caçula dos ditadores                                    tratado a cátodo e merda dos estados unidos?

O que você espera de um homem que teve Regan e Tatcher como padrinhos de primeira comunhão?          Que em inocência vassala recebeu mais de dois sacramentos?

 

Mas eu agora me levanto                                 e grito                      ainda que tarde

pelos que morreram para que eu fosse um livre filho-da-puta

Que se escondam os outros, concretados em sua leveza metafísica

                                                                    às portas dos meus trinta anos eu grito

e já não sou eu       é uma multidão      ainda que não saibam        que não tenham interesse

 

Agora é a hora do grande preá

de meu pai tratador de porcos

é hora da prostituta da André de Barros e da Nilo Cairo                  

                                                                                       e que tem tantos nomes quanto a rua

hora batizada de Moisés      fumador de crack

do caixa do Wal-mart        dos operadores de telemarketing

hora do Ruivo    catador de papelão    e da negra Sora das costuras

hora dos que ficam entregando panfletos na rua e das negrinhas com pirceing no umbigo

hora dos serventes              do homem que vem do campo e que almoça na cidade a dois e cinqüenta

do cantor cego da XV que tem só um dente e só uma nota

 

Nossa vida foi roubada para que fôssemos gado de mais-valia

E agora eu grito pela cidade      

                    para as meninas grávidas que tem que esconder a droga dentro da vagina               e ao mano bravo que bate nos outros até ver saltar os ossos

                                aos que desesperam porque foram mandados embora e que nem ao menos puderam mandar o patrão ir tomar no cu

aos que fazem equações quânticas para pagar a prestação das pernambucanas

às que apanham do marido e correm pra casa da mãe com o filho pequeno nos braços

é hora da grande novela das oito                                   da catarse solitária e funda da revolta

 

 

 

 

 

 

 

Sentado no parque, lendo Bai Juyi*

 

 

O senhor me contou sobre o nascimento de sua filha, de como havia adiado sua subida ao monte. E eu pude até ouvir os sininhos antes que eles, tão cedo, silenciassem. O senhor chorou, mesmo não sendo ela um menino, mas quando a morte levou também um varão, 

o encontrou resignado.

 

O senhor me convidou para beber, falou de seu jardim, do pensamento do grou e dos homens-caracóis. E eu chorei porque meu coração rebentado não é uma corda de alaúde.

 

Então me falou sobre a paz e perguntou porque eu não sentia a mesma coisa

 

E eu então silenciei por dois minutos

 

Como, senhor Bai, ser imperturbável fase às coisas de fora? E poder dizer simplesmente: Sinto-me feliz porque meu coração conhece a paz

quando em nossa revolução ateamos fogo nos palácios das ilhas de Pelglain, e o nosso coração pesado afundou todos os barcos que nos levariam ao Nirvana?

 

Eu o invejo, senhor Bai, sobretudo a leveza grisalha de seu futuro

Quem dera eu pudesse também deixar meus dias assim, aos setenta e cinco, eu,

um velho de trinta anos.

 

Ter paz para terminar todas as minhas pequenas tarefas

E adormecer de rosto voltado para o sol.

 

 

 

*Poeta chinês da Dinastia Tang (775 – 815 d.C)

 

 

 

 

 

 

 

O Muro

 

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Átimo

 

Quem sabe alguém, algum dia, leia esses poemas. E pense no que pensava esse pobre néscio. Quiçá haja quem diga que viveram do inchaço do ocidente ou que eram de um homem confuso de uma cidade pequena. Haverá quem pergunte: Por que esse cara era tão trágico? E quem sabe alguém, comparando a data de suas primeiras produções à de seu nascimento, se sentirá então feliz por ter ainda tempo. Talvez até algum gramático fale da incongruência dos modos verbais desse último verso, ou algum crítico literário cite as rimas imperfeitas entre verso, tempo e nascimento. Quem sabe alguém os encontre no meio de esquecidos apócrifos e para antropólogos do futuro sirvam como documento da barbárie. Oxalá não sirvam para limpar o rabo dos ricos, como vi numa notícia sobre uma empresa espanhola e seu ramo de papel higiênico literário. Seria preferível que fossem queimados por decretos de algum governo fascista ou por membros de algum grupo religioso. Talvez alguém escreva um outro sobre eles, algo como: Lendo um átimo no parque ou Resposta a um perdido átimo. Quem sabe um dia sirvam de tese para algum acadêmico de esquerda ou para um simpósio de psiquiatria. Talvez, talvez, talvez. Acho que sei do que gostaria quem tão pretenciosamente os escreve: Que alguém os leia um dia, numa tarde de sol e nuvens preguiçosas, num banco de praça com o coração pequenino entre as mãos. Que levante os olhos da página e olhe em volta, respire fundo e ria melancolicamente.

 

(imagem ©tmusiol)

 

Emerson Pereti é natural da pequena cidade de Iomerê, no interior de Santa Catarina. Vive atualmente em Curitiba. É professor de língua e literatura brasileira e mestrando em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná.