Hai-Kais Perfeitos

 

 

7

Mortos ancestrais

cinzelaram o rosto

que hoje mostrais

 

 

11

Taça de vinho

um amigo do peito

do ser sozinho

 

 

18

Impõe-se larga

vontade do destino

taça amarga

 

 

20

A cor dos dias

não colore mais flores

nas tuas vias

 

 

 

 

 

 

Trinta e Oito

 

Ó Rosa, Rosa,

dolorosa contradição

flor de amor e de ódio

em meu jardim d'ilusão

 

 

 

 

 

 

12

 

E de calmante em calmante

vou levando a vida adiante

 

 

 

 

 

 

Lagoinha

 

Esta luz do fim da linha é minha

a tristeza e a garrafa sobre o balcão

estou pronto pra ti, infiel Lagoinha

 

Já me despi de toda burguesa ilusão

e desfilo nu no palco de madrubagas

vendendo amor fácil, pecado, paixão

 

Mais uns tragos de jurubebas amargas

e a conversa com o cachorro com fome

que revira lixos de displicência e chagas

 

Tão perto e tão longe de certeiras facadas

que por hora me erraram, não tenho nome

na minha Lagoinha de fatais encruzilhadas

 

 

 

 

 

 

JK

 

A cada crepúsculo, uma nova dança

formidável ereção da nova era

um dogma da mineiridade moderna

sombreia todo o belo horizonte

como se a forma fosse uma esperança

 

Tão gloriosa pretende a sua fronte

homenagear a presidência do Brasil

de grandes propósitos e corrupção

seu cimento cosido com alma gentil

cria a arquitetura de nossa omissão

 

Não sei se haverá um outro assim

a desafiar o dia que chega ao fim

 

 

 

 

 

 

Ouro Preto

 

Não nunca ouvi um barulho insurreto

nas ladeiras do que chamam Ouro Preto?

transgressão! esse é seu legado e seu leme

 

Para se ouvir o banzo no retinir do bronze

que anuncia a hora eterna de villa rica

é preciso transcender dez gerações, onze

 

É preciso ir além do anjo e do diadema

que clama a redenção. Proclama Atayde:

"não pequeis mais... às trevas do coração ide

 

Pois a alma portuguesa não é feita de ouro

é da pedra que o burro carrega em seu couro

que erigiu tantas igrejas, pisos fragmentados

 

Que moldou a dor do alferes despedaçado"

Cidade eterna de clitóris pétreo, avantajado

teu itacolomincólume pertence aos desgraçados

 

 

 

 

 

 

Bestiário Mínimo

 

sutis, dípteros sentidos

para a falta de sentido

patas para correr o mundo

e asas além da imaginação

 

a voar pelas redondezas

 

contemplar um longo dia

e talvez uma noite efêmera

viver a estranha eternidade

num dia apenas... e sonhar

 

olhai as moscas nos cantos

elas não tecem e nem fabricam

e Deus houve por lhes prover

um paraíso de sujeira e lixo

 

a mosca não tem fé

circulando pela veia

e agoniza ao sopé

da aracnídea cadeia

 

a formiga não tem fé

presa aos seus ferrões

vai esmagada sob o pé

às centenas, multidões

 

a consciência

da mosca azul

não tem decência

nem complacência

de norte a sul

merda e demência

à conveniência da mosca azul...

 

 

 

 

 

 

Outras Poesofias

 

três deuses carrego em mim:

a mulher que quer frutificar

o guerreiro honrando seu fim

e um anjo torto a pendular

 

é preciso que Freud saia do divã

que os suspeitos saiam do armário

que o povo tome vergonha na cara

e, com ânsia, Adão deseje a maçã

 

é preciso amar o insosso ideário

das tarefas despejadas pela manhã

e depois fugir a léguas corridas

para o tenro dos paraísos artificiais

 

desbravar os árduos infernos astrais

e vencer... navegar é preciso, viver

também é necessário para se chegar

à lugar nenhum, ao início, ao sossegar

 

o sangue dos homens

tão fácil

a carne dos homens

tão farta

há quem inda sustente

que o ódio não alimente

 

Para se entender o tempo

desmonta-se o relógio que deixa de funcionar

Compreender é desassossegar

 

O céu é o limite

para o voo desta descrença

Nietzche...

 

 

 
(imagem ©soloduszkiewicz)

  

  

 

Fernando Righi (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, músico e especialista em marketing político. Autor de Estrelas nos olhos, vaga-lumes na cabeça (Belo Horizonte: Manuscritos Editora e Livraria, 2005), Cinco impressões de meu tempo (Belo Horizonte: Manuscritos Editora e Livraria, 2008) e Bestiário mínimo e outras poesofias (Belo Horizonte: Manuscritos Editora e Livraria, 2009).