Aldo Palazzeschi, pseudônimo de Aldo Giurlani, nasceu em 2 de fevereiro de 1885, em Florença, e morreu em 17 de agosto de 1974, em Roma. Considerado um dos principais escritores italianos do século XX, participou, no início da década de 1910, da revista "Poesia", dirigida pelo fundador do Futurismo, Filippo Tommaso Marinetti. Na década de 1930, viajou a Paris onde conheceu Guillaime Apollinaire, Pablo Picasso, Henri Matisse, entre outros grandes artistas da época. Entre suas obras, podemos destacar: I cavalli bianchi (poesia, 1905), Il re bello (contos, 1921), Il palio dei buffi (novelas, 1937), I fratelli Cuccoli (romance, 1948), Difetti 1905 (poesia, 1947) e Cuor mio (poesia, 1968). A qualidade da literatura de Palazzeschi foi reconhecida por seus contemporâneos, sendo ele homenageado com importantes prêmios literários, como o Viareggio e o Feltrinelli.

Publicado em 1909, no livro Poemi, o poema "La fontana malata", ora traduzido, com seu metro curto e seu tom jocoso, faz-nos lembrar a poesia dos nossos modernistas, especialmente a de Oswald de Andrade. E, para ilustrar essa semelhança entre o poeta italiano e os poetas vanguardistas do início do Séc. XX, citamos um elucidativo excerto do ótimo livro Vanguarda e Cosmopolitismo na Década de 20 (São Paulo: Ed. Perspectiva, 1983), de Jorge Schwartz, em que este traça relações entre o autor de Serafim Ponte Grande e o grande poeta argentino Oliverio Girondo: 

(...) Afirma Apollinaire:

 

Vimos também a partir de Alfred Jarry o riso elevar-se das baixas regiões onde ele se torcia e fornecer ao poeta um lirismo completamente novo. Onde está o tempo em que o lenço de Desdêmona parecia de um ridículo inadmissível? Hoje o próprio ridículo é perseguido, procura-se apoderar-se dele e ele tem seu lugar na poesia, porque faz parte da vida tal como o heroísmo e tudo que outrora nutria o entusiasmo dos poetas (L'Esprit, p. 390).

 

Vemos como o humor se transforma em condição sine qua non da "nova sensibilidade". A subversão dos modelos anteriores vai conduzir as vanguardas a uma visão carnavalizada da literatura. Do ponto de vista temático, os temas "solenes" são contaminados por elementos do cotidiano, o que leva a uma fusão do tipo "vida-arte". O spleen baudelairiano é substituído pela farsa e pelo burlesco. Nessa subversão de gêneros o coloquial desentroniza a noção tradicional do "poético", a prosa poética sobrepõe-se à discursiva e o verso livre vence o rígido alexandrino.

E a declaração de Palazzeschi, que transcrevemos a seguir, resume perfeitamente o "espírito" do poema em tela, demonstrando como sua poética está em perfeita sintonia com as tendências estéticas das vanguardas: "O homem só pode ser levado a sério quando ri... Devemos reeducar nossos filhos para o riso, para o riso descomedido, insolente, reeducá-los para a coragem de rir rumorosamente...".

 

 

La fontana malata

 

Clof, clop, cloch,
cloffete,
cloppete,
clocchette,
chchch...
È giù,
nel cortile, 
la povera
fontana
malata;
che spasimo!
Sentirla
tossire.
Tossisce,
tossisce,
un poco
si tace...
di nuovo.
Tossisce.
Mia povera
fontana,
il male
che hai
il cuore
mi preme.
Si tace,
non getta
più nulla.
Si tace,
non s'ode
rumore
di sorta
che forse...
che forse
sia morta?
Orrore
Ah! No.
Rieccola,
ancora
tossisce,
Clof, clop, cloch,
cloffete,
cloppete,
chchch...
La tisi
l'uccide.
Dio santo,
quel suo
eterno
tossire
mi fa
morire,
un poco
va bene,
ma tanto...
Che lagno!
Ma Habel!
Vittoria!
Andate,
correte,
chiudete
la fonte,
mi uccide
quel suo
eterno tossire!
Andate,
mettete
qualcosa
per farla
finire,
magari...
magari
morire.
Madonna!
Gesù!
Non più!
Non più.
Mia povera
fontana,
col male
che hai,
finisci
vedrai,
che uccidi
me pure.
Clof, clop, cloch,
cloffete,
cloppete,
clocchete,
chchch...

 

 

 

 

A Fonte Doente


Clof, clop, clotch,
clofinho,
clopinho,
clotchinho,
tchtchtch...
Lá embaixo,
no quintal,
a pobre
fonte
doente;
que espasmo!
Senti-la
tossir.
Tosse,
tosse,
um pouco,
cala-se...
de novo.
Tosse.
Minha pobre
fonte,
o mal
que tens
meu peito
aperta.
Cala-se,
não jorra
mais nada.
Cala-se,
não se ouve
rumor
de modo

que talvez...
que talvez
esteja morta?
Horror
Ah! Não.
De novo,
ainda
tossindo,
Clof, clop, clotch,
clofinho,
clopinho,
tchtchtch...
A tísica

assassina.
Meu Deus,
este seu
eterno
tossir
me faz
morrer,
um pouco
tudo bem,
mas tanto...
Que lástima!
Mas Habel!
Vittoria!
Andem,
corram,
fechem
a fonte,
me mata
este seu
eterno tossir!
Andem,
façam
algo
pra que isso
termine,
quem dera...
quem dera
morrer.
Virgem Santa!
Jesus!
Não mais!
Não mais.
Minha pobre
fonte,
com o mal
que tens,
verás

que acabas

me matando

também.
Clof, clop, clotch,
clofinho,
clopinho,
clotchinho,
tchtchtch...

  

 

dezembro, 2009
 
 
 
 

Denise Durante (Santos/SP). Professora universitária e tradutora, é Mestre em Língua Italiana e Doutora em Língua Portuguesa pela USP. Traduziu, em parceria com Paulo de Toledo, poemas italianos de Murilo Mendes para a revista Babel (Santos-SP). É colaboradora da Revista Critério, para a qual traduziu (também em parceria com Toledo) textos poéticos da artista italiana Maria Luisa Grimani, além de entrevistar e traduzir textos do poeta italiano Lello Voce.

 

 

 

 

 

Paulo de Toledo (Santos/SP). Poeta, pesquisador e ensaísta. Autor de 51 Mendicantos (Editora Éblis, 2007) e da plaquete de poesia visual, Desequilivro (2008), em parceria com Rodrigo de Souza Leão. Escreve o blogue Poesia e Outras Bobagens.
 
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