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Esta
ficção, com certeza, não é deste mundo. Com elogios de Luis
Fernando Verissimo, Antonio Cicero, Moacir Scliar, críticos e
outros escritores, Como deixei de ser
Deus (Pedro Maciel. Rio de Janeiro: Topbooks
Editora, 2009) representa a imaginação fértil de uma linguagem
original até o reino da sublimação. Mudanças de estados
físicos e Desvio para o
vermelho. Um livro necessário, com capa de Cildo Meireles.
O exercício de sua reflexão é seduzido por metáforas —
que dissolvem uma cultura marcadamente saturada —, aforismos,
epigramas, polissemias, intertextualidades, fragmentos
concisos e aleatórios, numerados de forma descontínua.
Metamorfoses. E o mais importante: nutre o desejo do leitor
para ir além. Pois pode ser lido num estalar de dedos do
início ao fim. Ou uma leitura que reinventa o romance, obra
aberta: podemos escolher qualquer página e perceber calmamente
uma narrativa que desagrega os mitos e os cânones; dar um stop
para sentir os prolongamentos líricos e perturbadores. Que
leva o espectador a pensar e indagar que personagem é esse (o
do livro e o próprio leitor) que desconstrói o tempo e o
espaço em meio às alusões literárias, bíblicas, psicológicas e
filosóficas. Não conclui nada e nem deve. Conceitual. Por
isso, uma obra aberta em expansão aos olhos dos mais atentos.
É intencional a atitude do escritor ao alinhavar os
fragmentos, no qual a intercomunicação se completa. Essa
atitude instala a multiplicidade de interpretações e a
ampliação dos significados. "Meu Deus, por que me
abandonastes? (...) no fundo do lago, um náufrago", perfazendo
o diálogo sibilante com o romance anterior (A hora dos
náufragos), mais comportado em sua proposta inicial
da tetralogia. O que nos resta além da emoção é uma instigante
cosmologia irônica, não existindo até o momento algo similar
na língua
portuguesa. | |
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Na
era da incerteza, a arte contemporânea multiplica-se em
autênticas controvérsias. Revela, em seus
deslocamentos/desdobramentos, uma falsa consciência do vazio e
a primazia da inefabilidade. Sobre o império do discurso e do
não discurso acerca da percepção, o tom sombrio da linguagem e
seus impasses, descortinam-se numa crise profunda. Todavia,
plena em vinculações do artista com o complexo mercantil
tutelado por várias instituições do mercado. A grande
feira: uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea
(Luciano Trigo. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 2009) define-se como uma reação ao declínio e
vertigens em que se transformou a arte do nosso tempo.
Reconhece e compreende as banalidades da diluição e os efeitos
de uma estética equivocada de determinados setores artísticos
(a maioria) e suas produções de baixa qualidade. Com
argumentações diferenciadas pelo olhar crítico — Duchamp
deve estar vendo tudo lá de cima de camarote, fumando um
charuto e jogando xadrez (com uma mulher, é claro!) —, o autor
reúne um conjunto de ensaios, artigos e comentários publicados
na imprensa e na internet em defesa da verdadeira arte
contemporânea. A arte não conformista, criativa, não
corrompida na sua totalidade, que desafia os sofismas e rompe
as fronteiras da imaginação. Vale observar, refletir em estado
de um pequeno choque elétrico, ou tonteira de passagem, o
trecho do livro: "Até o projeto moderno, uma obra de arte era
autônoma em relação à sua exposição, isto é, uma pintura de
Matisse ou Picasso, mesmo que jamais fosse exposta,
continuaria sendo uma obra de arte. Ou seja, o local onde a
obra era exposta não interferia diretamente no seu
significado. Ora, o mesmo não se dá com a arte contemporânea,
na qual o objeto artístico não pode mais existir sem sua
exposição. Uma estante de vidro e aço com pílulas coloridas de
Damien Hirst só se torna obra de arte quando é designada como
tal pelo sistema da arte, exposta e comercializada por um
preço exorbitante; antes disso, será apenas uma estante com
pílulas coloridas".
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Uma
mostra plural, reunindo distintos estilos e linguagens. Treze
escritores, treze multiplicidades presentes em Traçados diversos:
uma antologia de
poesia contemporânea (Org. Adilson Miguel. São Paulo:
Editora Scipione, 2009), uma obra diferente também no belo
projeto gráfico e edição de arte. O interessante é a
inexistência da intencionalidade de se fazer um recorte
geracional. Outro detalhe que merece ser citado sobre o livro
é o fato de que não houve uma temática específica e a
ordenação dos textos partiu de criações poéticas mais
recentes. Autores mais velhos e mais novos lado a lado.
Diversidades. Annita Costa Malufe, Antonio Cícero (o mais
velho da turma), Arnaldo Antunes, Bruna Beber (a mais nova),
Chacal, Donizete Galvão, Fabiano Calixto, Fabio Weintraub,
Fabrício Corsaletti, Fernando Paixão, Heitor Ferraz Mello,
Ricardo Aleixo e Ruy Proença sustentam a vitalidade,
singularidades e a qualidade de uma determinada parcela da
cena poética contemporânea. Alberto Pucheu chama a atenção
também para um fato que não pode passar batido: de todos os
nomes presentes, o único que aparece em quase todas as
antologias de 1990 para cá é Arnaldo Antunes, abrindo espaço
para outros menos conhecidos e lidos no circuito. Contudo,
observados os fatos, fica claro que o principal personagem
deste livro não é nem o poeta, muito menos os seus críticos. A
protagonista é a poesia, que mobiliza os diversos traçados,
exigindo percepção, aplicação e produção constante, mais
sensibilidade nas escolhas e aberturas que atualizam
influências, diálogos, inflexões diversas e até um certo
desenraizamento presente entre alguns escritores da antologia.
No posfácio, Ivan Marques aponta as principais características
das distintas vozes, comprovando a riqueza poética brasileira,
sempre se renovando de maneira ousada e brilhante. Que vai se
consolidando a cada dia que passa com a internet (portais,
sites, blogues, etc.), sem o controle de determinada parcela
das grandes editoras e posturas sensatas por parte de alguns
escritores mais esclarecidos aos tentáculos venenosos,
facilitadores e às regras daninhas do establishment, acomodado
aos critérios duvidosos de qualidade, estilo e linguagens
poéticas falaciosas com pouca ou nenhuma experimentação em
meio a Lei da Oferta e da Procura. | |
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Segunda
edição revista, atualizada e ampliada de um livro importante.
A primeira é de 1981. Mulher de papel: a
representação da
mulher pela imprensa feminina brasileira
(Dulcília Schroeder Buitoni. São Paulo: Summus
Editorial, São Paulo, 2ª Edição, 2009) realiza uma análise
histórica do mais alto calibre, uma obra clássica ricamente
ilustrada, sobre a trajetória da imprensa e suas influências,
tendências, imperativos, padrões e modas difundidas, baseado
no contexto sociocultural de cada época, no universo feminino
do país; tornando-se referência fundamental para as pesquisas
e relações entre gênero e comunicação social. Sejam elas da
graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. São mais de
150 anos de páginas (o livro tem mais de 200) dedicado às
filhas de Eva. Para cada década, a autora identifica as formas
de representação da mulher, sua simbologia e aspectos
essenciais dos costumes introjetados. Como, por exemplo, a
"mulher-celulóide", a feição de Hollywood, durante a Segunda
Guerra Mundial, entre outras, até chegar à "Segura e Sexy" (da
década de 1990 até os dias atuais), consumista, leitora de
Marie Claire e Caras, preocupada com o corpo, atiçada
pelo slogan "Camisinha, tem que usar!" de outra revista, a
Capricho; em suma uma mulher-imagem, influenciada de modo
hiperbólico pelo culto às celebridades da televisão,
retroalimentadas por outras mídias de massa. Com vasta
experiência por distintas redações da mídia brasileira, e um
conhecimento teórico que vai de Roland Barthes até Evelyne
Sullerot, uma das maiores estudiosas do fenômeno feminino na
imprensa francesa, Dulcília Schroeder Buitoni —
reiterando que a imprensa feminina informa pouco, mas forma
demais — observa que existe uma grande "armadilha
linguística" pela qual o espírito das leitoras é aliciado para
afinal, consumir os objetos que são meras embalagens de
valores do Neocapitalismo.
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Parceria
da pesada! Ou melhor, um trio peso-pesado: Augusto de Campos,
Marcel Duchamp e Julio Plaza. Reduchamp (Augusto de
Campos e Julio Plaza. São Paulo: Editora Demônio Negro,
2009), com certeza, um dos melhores (re)lançamentos do ano,
haja vista que a primeira edição, de 1976, esgotada há tempos,
não está disponível nem mesmo nos melhores sebos da praça.
Muito menos on-line. Duchamp numa reação em cadeia.
Atualíssimo! Deslocamentos/desdobramentos e
profanações sagradas (um oxímoro, a figura de linguagem
predileta do Affonso. Sim, Affonso Romano de Sant'Anna!) nesse
encontro que produziu Poemóbiles (1974,
reeditada em 1985) e Caixa preta (1975).
Augusto na poesia & Julio nas imagens. Trabalho primoroso,
poema ensaio, prosa porosa, iconogramas em preto em branco,
tendo no centro do exemplar uma boca escancarada cheia de
dentes: ENIGMA. E ao final um furo na página em branco.
Do outro lado... Cabe ao leitor produzir os
sentidos na sua imaginação fértil e correlacionar o que ainda
não cessou: "o poeta é um designer da linguagem". Não poderia
terminar este breve texto sem uma pequena passagem,
acompanhada de reticências: "dados os dados/ duchamp nos dá/
uma opção estratégica/ aparente viável/ ante o bloqueio
massacrante/ do dilúvio informativo/ a ação na raiz das
coisas/ sem suportes apriorísticos:/ um livro ou um vidro/ uma
capa ou um corpo/ um postal ou um disco/um dado ou um vaso/ um
xeque ou um cheque/ ou o silêncio...".
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Determinados
livros possuem características imaginativas e singulares, são
dinâmicos. Refazem ou confirmam, de modo criativo, os
acontecimentos históricos dos seus personagens principais. Ou
ainda, de maneira aguda, podem "ser o machado para o mar
enregelado que temos dentro de nós". É o caso de Kafka e a marca do
corvo (Jeanette Rozsas. São Paulo: Geração Editorial,
2009). Detalhe que não pode passar batido: a palavra "kafka"
em tcheco quer dizer "corvo". A autora levou três anos em
pesquisas e viagens ao exterior, para escrever a primeira
biografia romanceada de Franz Kafka (1883-1924). Um romance
cativante! O interessante são os diálogos metamorfoseados na
construção dos trechos, extraídos dos próprios livros, diários
e cartas do gênio de Praga, histórica e muito antiga, a cidade
das torres, capital da atual República Tcheca, banhada pelo
rio Vltava. Observa-se também, pelos agradecimentos da
escritora, a presença iluminada do paulista Modesto Carone,
ganhador do Jabuti 1999 com o romance Resumo de
Ana (São Paulo: Cia. das Letras, 1998), ex-professor
de literatura da Universidade de Viena (Áustria), Unicamp e
USP, um dos maiores estudiosos, conhecedores da vida e grande
tradutor da obra de Kafka. No mesmo nível, não podemos
esquecer, uma raridade nos melhores sebos, o sempre útil
Kafka: vida e obra (Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 1979, 5ª edição) do pensador, pesquisador,
filósofo e escritor fluminense Leandro Konder. O exemplar é
uma narrativa simples, cronológica, não se limitando a
descrever o conhecido, mas incorpora à história a chama da
obsessão irreal da liberdade, moderna, na qual autor e obra se
confundem, pontuada pela "intensa e meticulosa pesquisa que
alicerça toda a construção", como bem observa Nelson de
Oliveira, numa das orelhas. Maior que a morte, o mito de Kafka
continua vivo no discurso onisciente e triunfante, magistral
no exemplar da escritora, diretora da União Brasileira de
Escritores (UBE), ricamente ilustrado com imagens da época e
obras consultadas, no final da publicação. Clique aqui e saiba
mais. | |
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