Após a análise de A gangorra, temos mais uma vez o prazer e a oportunidade de comentar a literatura existencial de Denny Yang. Desta vez trata-se do romance New York, New York, que descreve o drama de um jovem ator de teatro que, após três anos de auto-exílio nas montanhas, decide se reintegrar à sociedade. O tema do artista que se relaciona de forma problemática com a sociedade burguesa é mais uma vez retomado pelo autor, adquirindo aqui, no entanto, dimensão mais dramática: se em A gangorra o tema central era o dilema vivido por um jovem músico entre de um lado seguir os seus ideais e preservar sua integridade artística e do outro se render aos valores materialistas dominantes e, com isso, se tornar bem sucedido social e economicamente, em New York, New York o protagonista (que é o narrador da história e cujo nome não é revelado ao longo da história) se encontra numa situação mais desesperadora, resultante de sua incapacidade em sua comunicar com a espécie humana.

Três aspectos nos chamaram particularmente a atenção na leitura desta obra. O primeiro é o caráter metafórico que possui o período passado nas montanhas, já que não encontramos no texto detalhes de como, e a custas de quem, o herói da história sobrevive durante estes três anos. Esta imagem do homem que se isola nas montanhas, imagem que nos faz lembrar a figura do eremita masoquista dos tempos do cristianismo primitivo, está para nós, portanto, mais próxima de uma linguagem simbólica que retrata o indivíduo que corta relações com a sociedade (mesmo que continuando a viver dentro dela) do que da descrição de uma situação concreta. O segundo aspecto é o meio que o protagonista encontra inicialmente para se reintegrar à sociedade: acompanhar, através da televisão, os acontecimentos de 11 de setembro em Nova York (a intriga se passa em 2001), para ele a melhor forma de retomar contato com a realidade e, com isso, encontrar assunto para poder se comunicar com as pessoas. No entanto, a escolha deste meio de reintegração logo se revela equivocada, já que o contexto político internacional marcado pelos atentados em Nova York e pela invasão norte-americana do Afeganistão é algo que está além do universo ideológico e da capacidade de compreensão do homem médio brasileiro, justamente com quem o antigo eremita quer se relacionar. Ou seja, quando o nosso herói procura conversar com as pessoas a respeito do conturbado contexto internacional do momento, elas respondem burocraticamente, mostrando claramente seu desinteresse por acontecimentos que não fazem parte de seu cotidiano. O acompanhamento da evolução dos acontecimentos internacionais não é, portanto, uma solução para o seu isolamento social. Este só será quebrado a partir do momento que o personagem reencontra Aline, uma velha amiga e, conforme verificamos ao avançarmos no texto, uma antiga paixão. Este é o terceiro aspecto que nos chamou a atenção na história, na medida em que a partir daí esta muda de direção, passando a se concentrar no relacionamento entre os dois. Isto não quer dizer, no entanto, que a partir de certo momento o livro deixa de ser uma prosa psicológica para se transformar numa prosa romântica. O problema da relação do personagem principal com a espécie humana continua, apesar das aparências, a ser o foco: é a complicada relação com a Aline que leva, mais por mal do que por bem, o antigo eremita a se reintegrar na sociedade. É depois da briga entre os dois, descrita no final do livro, briga na qual a até então arrogante Aline revela sua paixão, que o protagonista fica com a consciência tranqüila para voltar a ser uma pessoa normal, o que o leva a atuar novamente no teatro, e, posteriormente, a se mudar para Nova York, onde Aline irá procurá-lo.

Finalmente, achamos importante também ressaltar a importância do estilo com o qual esta prosa foi escrita. O fato do narrador da história ser o próprio protagonista é de suma importância, já que como se trata de um indivíduo emocionalmente desequilibrado, somos fatalmente obrigados a relativizar a descrição dos personagens e das situações que aparecem no texto. Assim, se formos pegar o caso da Aline, não sabemos se ela é tal qual o narrador a descreve, ou se a forma como ela aparece é fruto de uma visão idealizada. Até o momento em que ela revela sua paixão pelo protagonista, onde podemos ver afinal que não se trata de uma pessoa tão superficial, não temos a certeza absoluta de que ela não é apenas uma moça vulgar à qual o narrador se apega desesperadamente, pelo fato de seu isolamento ter-lhe tirado a capacidade de discernimento. De qualquer forma, o autor consegue fechar a história (o antigo eremita volta a atuar no teatro e a sair com amigos, para posteriormente ir para Nova York) dando um fim na enorme angústia no personagem. Curiosamente, o epílogo, no qual Aline aparece num bar de amigos do protagonista em busca deste e descobre que ele foi para Nova York, é o único momento do romance no qual o narrador não é o personagem principal, e sim uma figura neutra que acompanha a intriga, ou seja, o próprio autor. Este, portanto, dá a palavra final. Assim como em A gangorra, temos um encerramento feliz, o que revela, para nós, uma visão otimista que Denny Yang tem das relações entre os seres humanos, por mais que a trajetória dos personagens ao longo do enredo seja tortuosa.

 

 

 

 

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O livro: Denny Yang. New York, New York. São Paulo: Dennyiang.com, 2009, 124 págs.

À venda em http://www.dennyyang.com ou pelo e-mail denny.books@gmail.com

45,00 (frete incluso)

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junho, 2009

 

 

 

 

 

Guillaume Azevedo de Saes é formado em História pela Universidade de São Paulo (1997-2001), continuou na mesma instituição, fazendo Mestrado em História Social (2002-2006) e, desde 2007, Doutorado em História Econômica.