Não é uma surpresa que se tornar famoso seja uma das coisas mais desejadas na sociedade atual. Ser reconhecido é a mania nacional. Não é difícil notar isso, pois temos programas como Big Brother Brasil e talk shows, onde as pessoas buscam seus quinze minutos de fama. Às vezes até mais que quinze, mas nunca por um tempo muito longo.

Pensando nessa questão, poderíamos buscar como a arte tenta representar essa necessidade social da fama. Um romance seria fácil de criar, pois o enredo é o mesmo de sempre e talvez a poesia pudesse enfatizar como essa busca seria poética. Entretanto, propomos aqui uma comparação entre duas canções que trabalham essa temática, a saber "Map Of The Stars", de Melissa Etheridge e "Estrela de Um Céu Nublado", de Jay Vaquer.

As canções foram produzidas em um momento parecido, ambas foram escritas nos anos 2000 e são evidências de como a busca pela fama se tornou um lugar-comum quando as características da sociedade atual são analisadas.

Melissa Etheridge é uma cantora lésbica de rock/pop. Suas canções são em sua maioria autobiográficas e abordam temas de sua vida, como podemos perceber no álbum Skin, onde ela relata o fim de seu casamento após mais de dez anos. Etheridge se tornou um expoente da cultura norte-americana com o passar dos anos, sendo uma artista de hits e ícone do movimento gay, tamanha a sua influência. Apesar disso ainda é muito desconhecida em outras partes do mundo. Iniciou sua carreira nos anos 80 e como todo cantor teve sua época de banquinho e barzinho. Logo, não seria complicado imaginar que ela também desejava que sua carreira decolasse, assim como tantos outros cantores.

Ao pensarmos que esse desejo de que sua carreira decolasse estava presente em Etheridge, sua canção "Map Of The Stars" representaria como através dos anos o mesmo anseio tomou conta não só da nação, mas do mundo. Em "Map Of The Stars" Etheridge conta a estória de uma menina em busca de sua fama e como após conseguir alcançar o sucesso, declina pouco a pouco.

A canção inicia com a menina em sua adolescência e com as pessoas da cidade chamando-a de bela. Crendo ser linda como as meninas da revista, ela parte em busca de seu sucesso

 

And so you left your home town

To try out for the part

Of everybody's pretty little angel

With a pretty little heart

 

Ela seria um lindo anjinho com um lindo coraçãozinho. Enquanto acreditava ser bela e um sucesso em potencial, ela estudava cuidadosamente as estrelas, desejando que tudo acontecesse logo.

 

You studied hard

The map of the stars

Oh because you wanted

Yeah, you really wanted

Every night you wanted to be

One of the little angels

That fly between the stars

One of the little angels

In a pretty little car

 

Atualmente, a palavra sucesso adquiriu não só o sentido de ser bem-sucedido, mas sim possuir valores materiais. Ter sucesso seria ser famoso, ser reconhecido pelo que faz. Quando pensamos sobre ser famoso nos EUA, os valores tornam-se ainda mais complicados, devido ao grande poder de influência da mídia americana. Basta observamos os valores estéticos estabelecidos por Hollywood e seus atores.

A menina pensa que pode se tornar "um dos anjinhos em seu belo carrinho", demonstrando a ideia de que ser bem-sucedido também significa bens materiais. Não bastaria ela ser talentosa, cantar ou atuar bem, o importante é ela demonstrar o quanto ela poderia gastar, o quanto ela poderia ostentar.

As consequências desse desejo são a decadência moral e pessoal, na qual ela começar a experimentar na sua busca

 

So you eat a little less

And you smoke a little more

Waiting in the lines

For them to open up the doors

For all the little angels

 

Para ser famosa ela começa a comer menos e beber mais, demonstrando que a aparência dela não era o suficiente para o cargo de celebridade. Além disso, ainda teria que esperar em filas e pelas portas se abrirem, mas sendo um anjo, não demoraria muito. Talvez por ter cansado de esperar, ela contrata um agente

 

So you got yourself an agent

You made a little deal

They got you on the TV

Everyone agreed

You had the charm and the appeal


So you bought yourself a house in the Hollywood Hills

You bought yourself a tan

You fixed your nose and hair

Learned how not to care

Got a pretty little man

 

Após a contratação do agente, finalmente, surge a grande chance com o pequeno contrato que a leva para a TV. Lá ela demonstra seu charme e seu appeal, que todos notam e concordam que ela realmente tem tudo para ser um sucesso.

Dinheiro e fama tornam-se amigos e ela consegue até comprar uma casa nas montanhas de Hollywood, símbolo americano. Entretanto, com o sucesso, ela inicia o processo de transição. Antes menina, agora já é uma mulher e perde a sua identidade. Com a maturidade e os benefícios de sua fama compra uma cor de pele, conserta o seu nariz e o cabelo. As pequenas mudanças são impostas pela sociedade e até mesmo ter um homem é fundamental para ela, pois não seria socialmente correto uma mulher bem-sucedida solteira.

Apesar do sucesso e das mudanças, algo começa a dar errado e novamente o declínio moral e pessoal se inicia.

 

Now you drink a little more

Your family's talking to the press

And the movie didn't score

So you eat a little less

Just a little bit less


The people on the street now

Are getting kind of mean

They read about your break up

In the magazine

 

Ela bebe mais para evitar pensar no fracasso de seu filme, enquanto a família conversa com a imprensa. Agora ela come menos e parece estar em depressão. As pessoas já não a acham tão bela e parecem bem diferentes. Todos lêem sobre o fim do relacionamento nas revistas de fofocas. Todos os acontecimentos são os clichês, formando um retrato típico de celebridades em momentos difíceis.

Enquanto ela experimenta o declínio, outra menina em sua cidade segue seus passos

 

And somewhere in your hometown

A girl tries out her best

Maybe she'll go far

She wants to be a star

So she eats a little less

 

Ela também quer ser uma estrela. Talvez ela vá mais longe.

 

Jay Vaquer segue a mesma linha de Etheridge: cantor e autor das próprias canções. Utilizando também um teor pessoal, Vaquer criou canções que transitam entre o rock e o pop. Apesar da veia pessoal, seu trabalho Formidável Mundo Cão apresenta canções de crítica social como "Longe Aqui" e "Estrela de Um Céu Nublado", canção a ser analisada aqui.

Assim como a menina de "Map Of The Stars", a personagem principal da canção é anônima, só sabemos que se trata de um homem. A canção inicia com o pensamento dele de não querer ser "apenas" mais um no mundo. Para isso ele resolve sair de sua terra natal e seguir para o mais badalado mundo das celebridades, o Rio de Janeiro.

 

Decidiu que precisava ser alguém no mundo e não "mais um na multidão"...

Resolveu investir fundo nas aulas de interpretação...

Foi morar no Rio de Janeiro, tiro certeiro pra tentar a sorte em Projacland...

Alugou um conjugado no Catete...

Arrumou uma vaga de barman num bar descolado pra cacete...

Atores, modeletes, formadores de opinião

...wannabes de plantão...

        

Ao decidir ir para o Rio ele não buscava qualquer lugar, mas sim a cidade cenográfica da Rede Globo, o conhecido Projac. Assim como temos Hollywood em "Map Of The Stars", temos o Projac em "Estrela de Um Céu Nublado". Para matar o tempo e conseguir seu sustento, ele começar a trabalhar de garçom em um bar frequentado pelo mesmo tipo de pessoas ele: wannabes, ou seja, pessoas em busca de seus minutos de fama.

 

Foi lá no balcão, que um assistente de direção da novela das 6 (6,6) lhe prometeu uma figuração talvez...

Aí ele se animou, se empolgou, nem dormia mais! Pobre rapaz...

Logo descobriu que o sujeito não era quem dizia ser...

Mas na verdade um ator desempregado, frustrado que tinha um blog pouco frequentado...

E se sentia "só e mal acompanhado"...

 

Sabendo que o bar era frequentado pelos chamados wannabes, a proposta do tal assistente de direção com certeza era uma mentira. Logo, notamos a inocência do rapaz e como o mundo ainda pode enganá-lo, assim como a ilusão criada pela menina da canção anterior. É importante também ressaltar a sensação de solidão presente na sociedade atual. O falso assistente de direção apenas queria ter alguém para conversar, pois seu sucesso ainda não tinha chegado também. Sua estrela ainda não tinha brilhado. O refrão da canção não só resume a sua estória de vida, mas também a da personagem principal.

 

Nasceu pra ser uma estrela, era tudo que ele mais queria

Mas o céu tava sempre nublado...

Estrela que ninguém via e quando o dia amanhecia,

Seu tempo já tinha passado...

 

O sucesso ainda não havia chegado, mas uma oportunidade de tê-lo finalmente apareceu com a chegada da personagem Dora, que ele descreve como uma "perua desquitada", que soltava "fumaças no ar" e vivia da pensão do ex-marido. Dora é outro retrato típico da sociedade. Porém, ao descobrir que ela tinha contatos na sua tão desejada "Projacland", ele percebe que ela pode ser o seu passaporte de entrada no mundo televisivo.


Encarar a "vovó" podia ser a solução,

Resolveu segurar o rojão

Investiu naquela estranha relação

Na tentação de ser famoso.

 

Ele resolve "encarar" Dora e aceita investir naquela relação. Mais tarde Dora liga para um amigo e, apesar de não conseguir encaixá-lo em um teste, consegue apresentá-lo ao "famoso diretor". O diretor diz que o faro de Dora é muito bom e que "se for com a cara dele", o colocará no teste.

 

Na festa badalada, foi cantado pelo poderoso diretor...

Que lhe ofereceu trabalho e amor...

Lhe deu dicas de comportamento e recomendou :

"SAIA LOGO DO ARMÁRIO!"

Ele respondeu que não estava em nenhum "armário", muito pelo contrário!

Não tinha nada contra gays, só não era um...

O coitado perdeu a vez.

Depois de tal afirmação, foi excluído, rejeitado, difamado...

 

O que o pobre e inocente rapaz não esperava era ser cantado pelo diretor. Ele poderia aguentar Dora em sua busca, mas não seria capaz de enfrentar um homem. Confirmando sua inocência, ele enfatiza não ser gay e não ter nada contra eles, o que provavelmente deixou o diretor furioso, resultando em sua rejeição. O ideal seria seguir a ordem e continuar a sua busca pela fama.

Assim como a menina de "Map Of The Stars", seu declínio moral e pessoal inicia, mesmo não tendo atingido a fama. Ao ser "excluído, rejeitado [e] difamado", ele começa a beber até cair, desiste de seu sonho e

 

Sacou que não teria uma chance...

Seu desejo distante de seu alcance

Na deprê engordou mais de 20kg em um ano

Seu maior erro foi nunca perceber o engano...

Jogou a toalha na vida

Entregou os pontos e aos prantos/chorando pelos cantos

 

A depressão o faz engordar, perder o sonho e sofrer de remorso. Ele desiste da vida como vemos na metáfora de "jogar a toalha". Seu último pedido, no entanto, é muito mais curioso. Ao perceber que nunca conseguiria entrar em "Projacland", ele escreve em sua carta de despedida para Dora: "(...) querida. Quero meu corpo cremado, para que ele seja espalhado por toda cidade cenográfica em Projacland". Assim terminando a crônica de sua busca pela fama.

        

Conforme notamos em ambas as canções, a busca pela fama tornou-se uma característica do ideal pós-moderno. Os anos 2000 trouxeram invenções, inovações e ideias, porém também enfatizaram como a mídia é peça fundamental na construção das identidades. Enquanto os meios de comunicação continuarem a criar ilusões da fama como remédio para todos os problemas, mais e mais pessoas estarão fadadas ao declínio, assim como as personagens das canções. As pessoas acreditarão que devem ser estrelas ou seguir o mapa delas, como ambas as canções sugerem.

 

 

Bibliografia

 

VAQUER, Jay. Estrela de um Céu Nublado. Intérprete: Jay Vaquer Meg Stock. In: JAY VAQUER. Formidável Mundo Cão. [s.l.]: EMI, 2007. 1 CD. Faixa 6.

ETHERIDGE, Melissa. Map of The Stars. Intérprete: Melissa Etheridge. In: MELISSA ETHERIDGE. The Awakening. [s.l.]: Isalnd Records, 2007. 1 CD. Faixa 6.

 

 

 

outubro, 2009

 

 
 
 
 
Ruan Nunes. Carioca. Graduando em Letras (Português-Inglês) pela Faculdade CCAA e Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em sua monografia, trabalhou com a análise do confessionalismo na poesia de Sylvia Plath.