©mamzel*d
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

noturna

 

ave maria

cheia de graça

é a cind menina

que vem e que passa

num doce balanço

caminho do bar

 

 

 

 

 

cor de cadáver

 

a fumaça do cigarro

não esconde a sua beleza

sua tristeza não se afoga

no copo de cerveja

seu olhar é um fantasma

que, num drible, oscila

entre a trave e o gol

no seu sorriso

vejo que você possui

apenas o que te falta

 

 

 

 

 

 

cind

 

amo a deus

apesar das dores

 

amo o diabo

apesar dos amores

 

amo você

sem apesar

 

 

 

 

 

naquele espelho

 

você fica feia

quando não ama

 

você fica feia

quando não fala

 

você fica feia

quando não pensa

 

você fica linda naquele espelho

 

 

 

 

 

distância

 

não quero te ver

do ponto de vista

que o marcos vê o rogério ceni

numa partida de futebol

entre palmeiras e são paulo

 

 

 

 

 

o seu olhar

 

o seu olhar é meu credo

e tem o peso de uma oração

 

...é um coral de vozes dispersas

 

o seu olhar é uma tortura

e tem o peso de um aborto

 

...é um deserto sem deus

 

o seu olhar é uma tocaia

e tem o peso de um crime

 

...é uma flor esmigalhada

 

o seu olhar é uma facada

e tem o peso de um suicídio

 

...é um aquário de peixes mortos

 

o seu olhar arranhou a noite

e tem o peso de um abismo

 

 

 

 

falecida manhã

 

de manhã cedinho

perdi meu amorzinho

e fiquei com meu lutinho

 

 

 

 

 

andrógina

 

seu perfume confunde a brisa

desesperando os loucos sem olfato

sísifo escala seu vestido infantil

caindo nas pedras de luminosa vila rica

 

minhas digitais conhecem suas entranhas

a lua ilumina levemente as suas costas

depois da chuva as luzes pintam a pista

seu sangue no lençol é quadro modernista

 

a minha poesia não esconde os hematomas

e os nossos corpos são jardins em chamas

onde os desejos são selvagens jardineiros

sucumbindo à aceleração artificial dos dias

 

 

 

 

 

transplante

 

se o meu coração não bastar

te dou o meu riso e o meu rim

 

se o meu coração não bastar

te dou o meu fígado e o meu fim

 

se o meu coração não bastar

te dou o meu olho e o meu olhar

 

é pegar ou largar

 

 

 

 

 

serenata

 

seu suor é suave sereno

sacrário saliva seresta

 

seus seios são sementes

setas e sem-vergonhices

 

suas sardas são sonatas

segredos saraus sabores

 

seus meios são secretos

sangue e selva satânica

 

seu sorriso é semeadura

safadeza sol sacramento

 

seu saiote é saracoteio

sereia sadismo silêncio

 

seu suor é suave sereno

 

 

 

 

 

desejo

 

antes de dormir

peço à deus

um milagre

um presente

 

sonhar com thereza

 

seus olhos de feiticeira

seus pés de ninfa-brejeira

seu cheiro de rameira

 

 

 

 

 

filme de amor

 

devolva as manhãs de abril

que você me levou

 

devolva as tardes de maio

que você me levou

 

devolva as noites de junho

que você me levou

 

não precisa devolver o vento

 

 

 

 

 

a divina comédia

 

não vou te mandar para o céu

cai neve, depois da chuva azul

e você sente muito frio nos pés

não há jazz depois das estrelas

sei que você não gosta de sambar

 

não vou te mandar para o inferno

cai luz, depois do arco-íris

e o seu tédio não vai iluminar

as saias curtas das belas pecadoras

 

não vou te mandar para o inferno

cai fogo, depois das tempestades

e o seu desejo não é boa lenha

para as monstruosas fogueiras

 

não vou te mandar para o inferno

porque tenho pena do capeta

 

o seu destino é o purgatório

 

 

 

 

 

revanche

 

quarenta e quatro anos

segundo tempo de minha vida

último jogo do campeonato

 

quarenta e quatro minutos

a torcida viva,vaia

a prorrogação é anunciada

 

quarenta e cinco minutos

o diabo esconde o apito

deus olha para o relógio

 

quarenta e cinco anos

começa a cobrança de pênaltis

em caso de derrota

desejo esta palavra linda

que dá título a este poema

 

 

 

 

 

poesia

 

a minha poesia é lírica

 

tem a beleza bucólica

do voo de uma andorinha

 

tem o latido melancólico

de um cachorro campestre

 

tem a solidão jururu

de uma galinha ciscando

 

mas o que ela queria mesmo

era ter...

 

a força do tigre

a astúcia do coiote

a agilidade do jaguar

e o mistério do morcego

 

 

 

junho, 2009

 

 
 
 
 
 

Jovino Machado (Formiga-MG, 1963). Poeta. Graduado em Letras (UFMG). Publicou, entre outros, Trint'anos proust'anos (Mazza edições, 1995), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002), Fratura Exposta (Anome Livros, 2005), Meu bar, meu lar (Editora Couber Artístico, 2009) e Cor de cadáver (Anome Livros, 2009).

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