©marcos oliveira
 
 
 

 

 

 

 

Beatriz Amaral - Lucia, Sundial é seu primeiro álbum e já nasce como a expressão de plena maturidade artística. É um disco autoral, com projeto estético bem definido e um perfeito entrosamento entre os membros da banda. A que conjunto de fatores você credita este belo resultado? Já havia uma experiência anterior de parceria entre os instrumentistas?

 

Lucia Viola – Basicamente, dois fatores foram importantes na execução deste projeto. O primeiro foi a qualidade e a coerência musical das composições do Chris (Wells). No início, pensávamos em inserir composições de outros autores, coisas minhas ou músicas que já fazem parte de um repertório conhecido; mas, por fim, resolvemos nos concentrar em suas composições e isso favoreceu a unidade estética. Outro aspecto importante foi a parceria com músicos que já se conheciam (a maior parte). Eu já havia trabalhado com Chris, Ife (Tolentino) e Valdo (Silva) em vários outros projetos, ao longo dos anos. Já sabíamos de que modo cada um poderia contribuir. Os dois músicos que entraram mais tarde no grupo — Gustavo (Roriz) e Mike (Eaves) — por serem muito versáteis e experientes, aderiram totalmente ao trabalho e a ele acrescentaram muito musicalmente.

 

 

BA - André Francis afirma que o jazz é transe e êxtase e que devolve à vibração do homem uma "deslumbrante dose de entusiasmo", convidando-o ao equilíbrio entre conhecimento e expressividade.  A faixa "East to West" parece sintetizar a fusão entre a tradição da música ocidental e a experiência cósmico-taoísta que perpassa delicadamente todo o CD Sundial. Quais suas relações com a música oriental e as fronteiras do jazz?

 

LV – Acho que, por ser uma composição do Chris, ele estaria mais apto a responder a esta pergunta. Do ponto de vista da interpretação e da improvisação, posso dizer que tentei improvisar de um modo que expressasse este sabor oriental, um modo não muito jazzístico, algumas vezes, pois o modo como encarei seu improviso foi parodiando a melodia e de alguma forma tentando estendê-la, quase como continuando sua composição, o que difere um pouco de algumas técnicas de improvisação de jazz.

 

 

BA -  Você teve formação musical clássica, ainda no Brasil, na adolescência e, depois, graduou-se e pós-graduou-se na London University, tendo estudado flauta com Antonio Carlos Carrasqueira, Grace Henderson e, posteriormente, harmonia e composição com Peter Driver e David Owen. Em que momento descobriu sua própria expressão na linguagem do jazz?

 

LV – Para ser franca, ainda me sinto buscando esta linguagem. Aprendi muito escutando e trabalhando com músicos que não eram flautistas, curiosamente. Eu me lembro da primeira vez em que ouvi Miles Davis e pensei: é este som que quero na flauta! Meio louco, não? Também gostava muito do estilo "easiness" do som do flautista Herbie Mann. Depois, fui tocando com alguns pianistas de jazz no Brasil e em Londres e sempre escutando como improvisavam. Uma pessoa que me ajudou muito no início, ainda no Brasil, foi a pianista Ziara Brant de Carvalho; com ela comecei a me soltar e tentar improvisar.

 

 

BA - Você também compõe e há tempos vem atuando no vasto oceano da improvisação. Que boas surpresas fonográficas prepara agora para os ouvintes?

 

LV – Gostaria de completar ainda este ano um projeto acústico de peças para flauta solo e flauta e violão. O violão é um instrumento simplesmente maravilhoso e me agrada muito sua combinação com a flauta.

 

 

BA - O músico Joe Thompson, com quem você já se apresentou, também é artista plástico e retratou nomes como Duke Ellington, Miles Davis, Michel Legrand e os clássicos Bach, Beethoven Brahms e Schubert, entre outros. Joe se disse fascinado com o seu trabalho e também com a sua expressão cênica e criou a tela Lucia Viola, em que optou por omitir a imagem da flauta, para acentuar o túnel de ar do qual nasce o som. Lucia, de onde vem a força deste sopro? De onde vem o seu som?

 

LV - O  som, para mim, é uma questão primordial; se não está ali presente, inteiro, fica difícil tocar ou exprimir sentimento. Encaro o som como a matéria-prima do músico, como a argila ou o bronze da escultura.

 

 

BA - Fale um pouco sobre os seus outros instrumentos — a clarineta e o sax — e sobre sua experiência didática.

 

LV – Eu tinha um pouco de resistência quanto a aprender outros instrumentos de sopro, mas, hoje em dia, acho que é importante, pois enriquece a experiência musical. Ensinar sempre fez parte do meu trabalho e acho que, nas devidas doses, complementa o trabalho do músico. É uma forma de devolver à sociedade, digamos assim, o que me foi apresentado e por mim desenvolvido. Tento ser criativa e aberta aos interesses dos meus alunos. É uma grande felicidade ver alguém que você ensinou tocando bem e tendo prazer com a música.

 

 

BA - Depois de tantos anos residindo na Inglaterra, como você vê a cena musical londrina contemporânea e a valorização do instrumentista brasileiro na Europa?

 

LV – Numa cidade grande como Londres, existem várias cenas musicais e bastante variedade e pluralidade. Ao mesmo tempo, sempre existe uma necessidade de mais espaços para música ao vivo nos tempos atuais. Há bons músicos brasileiros em Londres e na Europa, como também de outras nacionalidades.

 

 

 

 

outubro, 2009
 
 
 
 
 

 

Beatriz Amaral. Mestre em Literatura e Crítica Literária, musicista e escritora, publicou nove livros, entre os quais Planagem (1998), Alquimia dos Círculos (2003), Luas de Júpiter (2007).
 
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