Rodrigo de Souza Leão - Paula Cajaty: por que esta opção de escrever poemas lirico-amorosos em Afrodite in verso?

 

Paula Cajaty - Num determinado momento, reuni e reli montes de vezes minhas poesias, me perguntando qual seria o liame, o fio condutor de tudo o que me faz escrever. E reparei que sempre escrevi com maior intensidade quando inspirada pelos arquétipos de Eros e Afrodite. Engraçado como, para mim, o nome do livro surge depois da obra finalizada...

 

A opção pela poética da sensibilidade, como dizem alguns que já identificaram e rotularam essa tendência na poesia atual, é uma fuga do excesso de estímulos sensoriais a que somos submetidos.

 

Isso não está só na literatura. Está em todo lado, na música, na arte, na moda, no resgate de trabalhos manuais, na valorização do que é simples e natural.

 

A poesia da sensibilidade não tem anseios megalômanos, não pretende chocar ou produzir manifestos políticos, mas apenas resgata a necessidade que temos de parar um pouco para ouvir o marulhar da vida.

 

 

 

 

RL - O que é invenção para você? Gosta da visão de Pound dividindo a poesia em categorias?

 

PC - Pound tem seu valor, na medida que experimenta, testa novas sonoridades e se desamarra do clássico. Mas sua obra não foi decisiva na minha evolução literária em particular. Há diversas obras, antes e depois dele, que considero muito mais consistentes e determinantes, não obstante Pound seja louvado em redutos de adoração poética.

 

Acontece que não acredito em dicotomias, especialmente num mundo globalizado,  que admite a concomitância de várias vozes, e é tolerante com diversas linhas de pensamento. 

 

 

RL - Quem são os escritores que fizeram e fazem a sua cabeça?

 

PC - Os escritores bons, que oferecem acréscimos à cultura, à literatura, às nossas próprias experiências, são os que sempre fizeram a minha cabeça.

 

Assim que, começando a ler as antigas histórias da Bibliotheca Infantil, nos livros de infância do meu avô, datados de 1894 (antes de todas as reformas ortográficas... risos), parti para conhecer a literatura clássica básica. Ainda tenho como leituras importantes St. Exupéry e Maurice Druon, além de Sheakspeare, Oscar Wilde, Voltaire, Hesse, e alguns outros que dividem minha companhia.

 

Na poesia, em particular, minha preferência declarada é Quintana, Manoel de Barros, Vinicius, Pessoa - para não citar os estrangeiros. Isso sem contar aqueles poetas que dialogam comigo de verdade, que são meus professores — para além da poesia — o Affonso Romano de Sant'Anna, o Antonio Carlos Secchin, o Márcio Vassalo, o Fabrício Carpinejar.

 

Atualmente, estou num namoro sério com Jorge Luis Borges, mas já querendo conhecer melhor o Frost, de quem o Fabrício falou maravilhas.

 

 

RL - O que é mais complexo pra você: prosa ou poesia?

 

PC - Tudo aquilo que a gente faz com prazer não é difícil. Mas é na poesia que transito mais à vontade, meu raciocínio é poético, forte e curto. Para outras coisas, a prosa é mais adequada. Talvez tenha algo a ver com a respiração, com o ritmo de cada um e com o assunto que essa pessoa tem a abordar.

 

Complexo mesmo, hoje em dia, é crônica. Em crônica há um nível maior de exposição e comprometimento. Os temas são mais espinhosos, enveredam pela política e pela ordem das coisas. Só que eu acredito que devemos firmar uma  opinião apenas quando possuímos (quase) todos os elementos de convicção postos na mesa, e somos autorizados a mudar de opinião quando tais elementos prévios (as premissas) se modificam.

 

Então, na crônica me sinto um pouco insegura.

 

Pois não posso dizer que acho uma coisa num dia, e achar outra completamente diferente no dia seguinte, só porque fui melhor informada, ou porque imotivadamente mudei de opinião. O escritor precisa ter responsabilidade com o que escreve e com o público que o lê. Por isso, dificilmente publico crônicas e artigos de opinião no meu site, especialmente, em assuntos políticos e sociais.

 

 

RL - Você escreve resenhas muito boas. Como encara a crítica brasileira?

 

PC - Você acha que são boas? Obrigada pelo elogio. Leandro Jardim é que soube defini-las como minirresenhas.

 

Quem faz um belo panorama da crítica recente é Claudia Nina. Às vezes abro o jornal e vejo um artigo de meia página que é uma resenha. Como nunca tive medo de ler coisas grandes, me ponho a ler a tal crítica.

 

Bem, se o crítico começar a optar por termos desconhecidos, reflexões incompreensíveis ou se quiser se esmerar para falar mal do autor gratuitamente, já perdeu no terceiro parágrafo uma leitora atenta.

 

Se o crítico então picotar o texto criticado e inserir no seu, usando os trechos do autor como fundamento para críticas ou elogios, também acho chato — é como se quisesse fazer um outdoor com os diálogos do cinema para anunciar o filme. Esse recurso até pode ser feito, mas com muito comedimento.

 

Por isso, prefiro as críticas de pessoas comuns, que não vão inventar no texto algo que ele não apresenta. À parte das resenhas do Castello, sempre ótimas, um exemplo de boas críticas são as do site Amazon.com. No Amazon, há um crítico que faz um breve panorama do produto — livro, cd, dvd, até equipamentos eletrônicos — e depois há textos ótimos, de apreço ou desapreço, redigidos por pessoas comuns e comprometidas com o interesse do leitor daquela crítica. Aqui, não há ainda essa cultura de auxiliar o outro, infelizmente.

 

Acredito que a finalidade essencial da crítica é informar e despertar interesse pelo produto, ou contar que ele não presta e porquê, e não um espaço de exibicionismo e auto-afirmação do próprio crítico. Essa doença também ataca entrevistadores, o que até foi tema da nossa primeira conversa, lembra? Felizmente, você não foi contaminado... (risos)

 

 

RL - Qual o futuro de sua poética? Quais caminhos quer seguir?

 

 

PC - Esse mesmo que já venho trilhando, o caminho da desaceleração, do retorno ao essencial e ao que nos torna mais íntimos. Outros dos meus temas preferidos, são o erotismo e a perda, com suas variantes, e dificilmente me afastaria desses temas-base. São os que mexem mais comigo.

 

Em 1995, participei de um concurso sobre Vinicius de Moraes que, para mim, à época, ganhava de lavada do Drummond. O Drummond falava de um cotidiano que não existia nos meus 19 anos, apesar das ênfase maior do colégio. Mas Drummond não me emocionava. E Vinicius falava incomparavelmente de amor, de paixão. Disso eu já entendia.

 

Vi o concurso no jornal, me inscrevi com o poema mais abusado, e acabei ganhando um prêmio.

 

Tudo bem, era só uma cota de livros, mas tinha o selo da Prefeitura, teve até coquetel com vinho, foi num Teatro poeira que nem existe mais, ao lado do Scala, onde hoje é o Shopping Leblon. Eu era a única adolescente no lugar, fiquei apavorada e totalmente sem graça. Além do mais, não conhecia ninguém além do meu pai e minha mãe, que me levaram.

 

Todo mundo achou que eu era filha de algum dos premiados. Fiquei ainda mais envergonhada quando tive que ler em voz alta o que tinha escrito. O pessoal ficou boquiaberto e eu, com o rosto pegando fogo. Não havia espaço para meninas falarem de amor e erotismo. Em 1995, incrivelmente, isso era tema para o pessoal com mais de 30.

 

 

RL - Você tem um site. Qual a importância da internet, para um escritor, hoje em dia?

 

 PC - A internet é essencial, é espetacular. Sou muito fã da internet como conceito, mais até do que na vida real, no cotidiano. Antes os canais tradicionais de divulgação filtravam quem entra e quem não entra na berlinda. Hoje eles precisam correr atrás, não são mais os senhores da informação, da realidade. A realidade está muito além do que chega no jornal.

 

Há um outro aspecto: a diluição das fronteiras. Com a internet, há como se fazer tudo de casa, de uma mesa de bar, de onde quer que se esteja. E você estará falando com Nova Iorque, Paris e Porto Alegre, num custo irrisório. O alcance da pessoa é multiplicado ad infinitum.

 

Claro, há os contratempos, mas eles são ínfimos comparados aos benefícios da descentralização da informação, da devolução do poder de escolha ao indivíduo, da redução de distâncias.

 

Há quem reclame dos emails indesejados, das newsletters não solicitadas, mas isso é o mínimo de incômodo para um máximo de benefícios. Acho graça quando alguém que se beneficia da internet fala mal dos seus efeitos colaterais... Ora, existe alguma coisa perfeita?

 

O meu site não recebe assim muitas visitas, mas na literatura é uma marca boa. Comecei com 30 visitantes/dia, em grande parte eu mesma, aflita, entrando seguidamente para ver se aparecia alguém. Quando tinham 2 visitantes online, eu ficava me mordendo: quem será? E descobria, logo depois, que era o meu marido, no outro andar da casa (afff).

 

Hoje em dia, há domingos que têm 230 visitantes, e eu só vejo isso no fim da noite, nem contribuo para esse número.

 

O site, aliás, nem foi o mais difícil. Complicadas foram as providências relativas à newsletter semanal que envio para a minha mala direta de quase 3.000 pessoas em todo o Brasil. Mas o Marcel me ajuda muito com idéias e soluções de internet. Sem ele, eu ainda estaria engatinhando, sem saber qual direção tomar e gastando muito mais do que o necessário, para um resultado bem pior e inadequado às minhas vontades e pretensões.

 

 

RL - Você considera a novíssima geração preparada para um e-book com características de livro em papel? (e-books com a espessura de folhas de livros impressos).

 

PC - Acredito que, no dia em que o ebook suprir tudo aquilo que esperamos de um livro, a preços mais convidativos, e ainda oferecer vantagens, ele se disseminará no mercado feito celular.

 

E o que esperamos de um livro: portabilidade, autonomia, contato físico, cansaço dos olhos em níveis inferiores aos proporcionados pelo computador, segurança no armazenamento das informações, possibilidade de registro de informações diretamente no corpo do livro.

 

Eu sublinho, marco, envolvo, anoto reflexões e, se for o caso, até telefones e providências pendentes. Levo livro até na bolsa da praia sem me preocupar com baterias, pilhas e carregadores. Seco flores nas páginas. Guardo os livros da infância como relíquias. E quando meus olhos ressecam, eu os descanso num livro.

 

Mas se um ipod substituiu, com vantagens, os walkmans e discmans que carregávamos na cintura, e um pendrive pode concentrar, perfeitamente, diversas coletâneas de bolachas de vinil, hoje acredito que tudo é substituível, desde que haja tecnologia à altura. Até os seios são substituíveis, o que você quer mais? (risos)

 

 

RL - Quem é o poeta brasileiro? Você acredita que temos mais escritores que leitores?

 

PC - A poesia é um pouco complicada, um público menor, mais restrito. Acaba que os poetas produzem para o meio poético, que é pequeno, e para o seu círculo de contatos.

 

Mas quanto à literatura, como um todo, isso de existirem mais escritores que leitores é balela, conversa fiada.

 

Pegue Veríssimo, Ubaldo, JK Rowling, Augusto Cury, Gabriel Chalita, o caçador de pipas (Khaled Hosseini), e pergunta pra eles se há mais escritores no mundo do que os tantos milhões de pessoas que lêem seus livros, que fazem fila para verem seus filmes. Pergunta para o pessoal das Bienais, das feiras importantes que temos no Brasil, para o povo da Flip, se há mais escritores que leitores.

 

Isso, de restrição à produção brasileira, é inadequação do produto. Se não há quem compre um produto, é porque ele não é bom.

 

Eu vivi bem a época do ufanismo americano. Era ridículo para um adolescente ouvir música brasileira. Simplesmente, porque não dispunha da mesma qualidade da música estrangeira. O que era melhor? Madonna, George Michael, A-ha, Simply Red, ou Chico e Gil ainda falando de um comunismo que já estava decaindo, com recursos sonoros antiquados? Tudo era melhor do que a música brasileira, com arranjos de 1970.

 

Mas se você viajasse pra Bahia, não se ouvia nada disso por lá. Em lugar nenhum, nem em rádio. Eles tinham a música deles, a cultura deles. E aquilo era incrivelmente sedutor.

 

Então, há a questão da adequação do produto aos anseios do público, da sua qualidade, da divulgação e da distribuição. A música conseguiu vencer essas barreiras, apesar de toda a pirataria e os downloads na internet. Agora é a vez da literatura acompanhar, e cabe ao mercado editorial trabalhar isso.

 

No dia em que os autores brasileiros escreverem melhor, falarem sobre coisas interessantes e acessíveis ao público em geral, receberem a devida divulgação e conseguirem entregar esse livro em todo o canto do país, e esse livro, eventualmente, ainda tiver condições de virar filme, como aconteceu com Meu nome não é Johnny, a choradeira deve acabar.

 

Ademais, com a globalização (e o barateamento dos instrumentos tecnológicos), engraçado como está voltando o conceito de bairro, a noção do que é ser carioca, o orgulho, o fortalecimento das marcas antigas, que sucumbiram aos anos 80 e 90.

 

É notar que o samba e o rock brasileiros, reformulados, estão na ordem do dia. Foi como se eles tivessem ido tomar um banho de loja e voltado com o mesmo conteúdo bom, mas com uma apresentação muito melhor.

 

Se as editoras repararem que, com a globalização, o alheio perdeu o glamour, perdeu a graça e o mistério, começarão a dar mais valor àquilo que têm nas mãos e se recusam a explorar.

 

Estão explorando agora o Afeganistão, a Índia, os lugares inóspitos que ainda oferecem curiosidades. E o escritor daqui só não prevalece ante a literatura internacional, até agora, por conta da mídia maciça, da publicidade astronômica que existe em torno desses autores diferentes e misteriosos que nunca tiveram voz.

 

Mas novidades dão e passam, e a gente continua no mesmo bairro, na mesma cidade partida. E precisamos entendê-la, corrigi-la, pois nossa vida não é no meio do deserto, entre saris e hijabs. É de biquíni, canga e short jeans.

 

A literatura é, sim, um instrumento de libertação e sua produção é uma resposta social. Acontece que não dá pra viver 24 horas nos livros e esquecer o que há lá fora. Há que se usar esse instrumento. Então, quando as pessoas lembrarem que não adianta fugir da realidade, talvez queiram entender melhor sua própria realidade, para que possam modificá-la.

 

Bem, eu tô fazendo a minha parte.

 

 

RL - Qual a pergunta você gostaria que um entrevistador lhe fizesse? Responda.

 

PC - "Quem eu levaria para uma ilha deserta". Mas isso é bem complicado para eu responder, sou uma moça comprometida. (risos)

 

Então, vejamos: "Qual livro eu levaria para uma ilha deserta?" — essa é de bom tom. A resposta: a obra completa de Oscar Wilde. É um dos maiores gênios literários, tem a ironia que eu também tenho, o humor negro que me ataca às vezes, os pensamentos sarcásticos e, ao mesmo tempo, uma lucidez impressionante, em diversos livros espetaculares. Ele fala, como ninguém, da natureza humana e consegue ser atemporal, universal. Toda vez que o autor se desprende de política, questões sociais, e se atém na natureza humana, nos conflitos internos, naquilo que nos é inerente, ele consegue esse resultado de escrever coisas que são para sempre. Pois a natureza humana não se modifica, ela tem uma estranha permanência.

 

 

RL - Qual frase você usaria como epígrafe num livro? Fale dela.

 

PC - Ai, Rodrigo, tenho montes de frases de que gosto demais... Podia citar o Borges, para dar uma de intelectual, mas aí soaria falso pra quem me conhece.

 

Sei que vai ser um clichê absoluto, mas foi a primeira frase que me marcou. Cito em francês, na voz original do autor: "Voici mon secret. Il est très simple: on ne voit bien qu'avec le coeur. L'essentiel est invisible pour les yeux. Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé", do Antoine de Saint-Exupéry, na sua obra espetacular, O Pequeno Príncipe, com as aquarelas e tudo.

 

E há também uma deliciosa do Shakespeare: "O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo, muito longo para os que lamentam, muito curto para os que festejam. Mas, para os que amam, o tempo é eternidade...".

 

Talvez eu ainda use essas frases em algum livro, quem sabe?

 

 

RL - Qual o papel do escritor na sociedade?

 

PC - Acho que o papel de todas as pessoas adultas que estão no mercado de trabalho é contribuir para a sociedade em que vivem. Para que a sociedade melhore, cresça e se perpetue.

 

Se eu puder fazer a vida de alguém melhor com o que eu escrevo, seja numa petição, seja num poema ou numa carta, declarando meu amor e admiração por uma pessoa, é isso o que sei fazer melhor, é esse o meu papel.

 

A vocação é justamente aquilo que você faz como parte indissociável de sua vida. Uma razão de ser. Uma curiosidade infinda por um assunto, e uma facilidade inexplicável para entendê-lo.

 

Onde quer que isso aconteça, aí estará sua vocação.

 

 

março, 2009
 
 
 
 
 
 
Paula Cajaty. Carioca, nascida em 1975, iniciou a carreira no Direito, mas encontrou na literatura o caminho para alcançar os próprios sonhos e prazeres. Em 2008, lançou o primeiro livro, Afrodite in verso, que tem como principais componentes a sensualidade, o romantismo e a poesia. O livro ganhou orelha do poeta Fabrício Carpinejar, e elogios de diversos escritores já consagrados por crítica e público. Outras informações em seu site (clique aqui).
 
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Rodrigo de Souza Leão (Rio de Janeiro, 1965), jornalista. É autor do livro de poemas Há flores na pele, e de Todos os cachorros são azuis (Rio de Janeiro: 7Letras, 2008) entre outros. Participou da antologia Na virada do século — poesia de invenção no Brasil (Landy, 2002). Co-editor da Zunái — Revista de Poesia & Debates. Edita o blogue Lowcura. Mais na Germina.