©walter craveiros | agência o globo
 
 
 
 
 

 

 

 

Jovino Machado –  Você é livre como um táxi?

 

Xico Sá – Prefiro o tesão do galo e a liberdade do cachorro (vira-lata, claro). Eis o meu mantra animal.

 

 

JM –  Beber é mais importante do que escrever?

 

XS – Pratico as duas atividades pelas mesmas razões: por gosto e por necessidade.

 

 

JM – Os melhores amigos são os dos chopes íntimos?

 

 

XS – Sim, com cachaças mineiras intervaladas, pra quebrar o gelo, aumentar a coragem e a cara-de-pau.

 

 

JM – Só os bêbados suportam os bêbados? Só os sóbrios suportam os sóbrios?

 

XS – Os bêbados são anjos que vagam lindamente, é tanto que as crianças adoram os seus passos trôpegos e outras vadiagens. Dos sóbrios, não entendo patavinas, faz muito tempo que não sei o que seja essa forma chata de encarar o inferno terreno.

 

 

JM – Deus inventou o lar e o diabo, o bar?

 

XS – Concordo, mas o filho de Deus, o cabeludo que aprontou em Cafarnaum e região, não era nada besta: tudo que era pote de água virava vinho dos bons nas suas mãos. Tô com ele e não abro. 

 

 

JM – O vício é um luxo da natureza?

 

XS – Além de uma bela vingança contra a chatice do mundo. Eu pelo menos não aguento sóbrio e quem aguenta é só por vaidade: querendo se mostrar superior, o que se torna mais babaca ainda.

 

 

JM – Sartre (que você chama de baixinho enfezado) via o excesso como virtude. E você?

 

XS – Sim, como já dizia William Blake, cem anos antes do baixim com cara de quem tá segurando um peido existencialista, "só o excesso leva ao Palácio da Sabedoria".

 

 

JM – Cu de bêbado não tem dono?

 

XS – Eu sigo um slogan de uma cachaça cearense chamada Chave de Ouro: "Com essa, você já cai de cu trancado". Mas para quem ainda não descobriu essa pinga, realmente o ditado está certo. Culus bebedorum dominus non habet, como rezaria o padre das antigas no seu bom latim.

 

 

JM – Como é a sua teoria da fase anal? Dr. Sigmund estava errado?

 

XS – Freud veio com essa conversinha de que a fase anal acaba na infância, aquela repulsa com a merda, etc. Eu acho que continuamos tomando até a morte, mesmo que seja cu de sóbrio, de católico, de evangélico. No mínimo, já que estamos viajando pelo mundo da sabedoria popular e dos ditados, quem tem cu tem medo. Aliás, no meu tempo pré-reformas ortográficas, cú era assim, com acento.

 

 

JM – Um cara que comeu mais de mil mulheres não pode ganhar a Libertadores?

 

XS – Claro que pode, mas o pecado do Renato Gaúcho não foi este, o de se meter a Casanova dos Pampas. O seu pecado capital foi a soberba de se achar campeão na véspera, não o da luxúria. Para continuar no clima bíblico, vos diria: o mal é o que sai da boca do homem mesmo, como o vômito, por exemplo, pois tudo o que entra é sagrado — falo apenas, no meu caso, da cachaça, claro.

 

 

JM – O Tarso de Castro disse certa vez: "Prefiro viver pela metade, por uma garrafa de uísque inteira, a viver a vida inteira bebendo pela metade. O que você acha?

 

XS – Esse é um dos que eu admiro profundamente, sem trocadilho, velho e amado gaúcho. Estava certíssimo. A vida tem que ser mesmo no esquema JK: 50 anos em 5. Mas sem politiquices idiotas, claro.

 

 

JM –  Antônio Maria disse certa vez: "Mulher é meu espetáculo predileto". Qual e o seu?

 

XS – Fico com a mesma fruta e revoguem-se as disposições em contrário. Taí outro cabra que amo, esse sim tinha devoção às moças. Além da mulher, claro, adoro ver uma chuva bonita, daquelas tempestuosas, coisa de menino sertanejo. Um gol bonito também me comove, sou um brasileiro pra lá de óbvio.

 

 

JM – Conte para os leitores como foi a putaria com o PC Farias.

 

XS – Rapaz, eu fui escalado, pela Folha de S.Paulo, pra grudar no homem, à época, o dito inimigo público número 1 do país, o capo das Alagoas. Uma dificuldade da porra pra chegar nele. Até que, na manhã e na vadiagem, dou de cara com o homem. Disse a que vinha: queria ouvir a versão de quem estava debaixo do cacete da mídia. Ele já foi abrindo um uiscão mais velho do que todos nós juntos. Ao terceiro uísque, havia conquistado definitivamente a minha fonte. Mas beber em puteiro foram apenas umas três, quatro vezes, tudo pela notícia, claro. O que me comovia era como o cara amava uma puta feia — se é que esse conceito existe. Mas deixasse isso pra mim, que não tinha dinheiro — e mesmo convivendo com PC também não aprendi como ganhá-lo.

 

 

JM – O jogador de futebol George Best disse certa vez: "Gastei 90% do meu dinheiro com mulheres, bebidas e carros velozes. O resto eu desperdicei". Como você gasta o seu dinheirinho?

 

XS – Sorte é que eu não dirijo. Até tentei, mas desisti, sou incapaz e não aprecio essas máquinas de doido mesmo. Mas além das coisas que o Best cita, dei também uma casa para minha mãe, lá em Juazeiro do Norte. Cabra bom do interior não pode esquecer sua santa mãezinha quando ganha uns trocados.

 

 

JM –  Apresente o Ascenso Ferreira para o Sudeste.

 

XS – Nas palavras de Oswald de Andrade, um gênio. Nas minhas mais ainda. Era tão bom, que os seus poemas curtos e de uma oralidade extremada viraram lugar comum no Brasil todo. É dele, por exemplo, aquele poema que diz assim: Hora de comer — comer! / Hora de dormir — dormir! / Hora de vadiar — vadiar! / Hora de trabalhar? / — Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

 

 

JM – Lendo Paris não tem fim, do espanhol Enrique Vila-Matas (tradução do nosso amigo Joca Terron), fiquei pensando no escritor que vive e escreve e naquele que vive dentro da torre de marfim. Você acha que tem muito escritor no Brasil que chupa buceta de canudinho?

 

XS – Sim, a maioria não teve a pedagogia da manga, quando ainda na infância. Nos lambuzamos com a fruta e nos iniciamos no maravilhoso reino da buceta e os seus belíssimos arredores, como o períneo (é assim que escreve?), por exemplo. Pior é que além de não saber chupar buceta, o que tornaria tudo o mais perdoável, também não são lá essas coisas no ramo a que se dedicam.

 

 

JM –  Um amigo meu gosta de dizer que puta não beija na boca. Você acha que ele não conhece puta ou não tem as manhas de descolar umas bicotinhas das moças?

 

XS – Ele tem razão. Normalmente, não. Mas agora algumas começaram a oferecer o beijo na boca como marketing, devido à tal dificuldade histórica. O mais louco é que na Idade Média era o contrário: só as putas beijavam de língua. As moças direitas não, pois havia o temor de pegar doenças brabas.

 

 

JM – Meu avô dizia que só existem 3 tipos de mulheres: a puta, a filha da puta e a chata. A puta dá pra todo mundo, a filha da puta dá pra todo mundo, menos pra você, e a chata só dá pra você. Comente esse tratado sobre o belo sexo.

 

XS – Um sábio avó, sem dúvidas. A regra continua valendo, claro.

 

 

JM – Grana de poesia se gasta na orgia?

 

XS – Quando acontece esse milagre, claro que sim. É como grana de jogo, tem que gastar com os belos prazeres da vida, sob pena de nunca mais ganhar de novo. Por isso que não quero a Mega-Sena, senão morro disso...

 

 

JM – Você já teve namoradinha na zona?

 

XS – Namoradinha, não. Tive sim amor de verdade, Aldenora, do puteiro Secos & Molhados, de Juazeiro do Norte. No Recife, outro ensaio amoroso do gênero: Claudia, do Aritana, na Avenida Conde da Boa Vista com José de Alencar, na frente da Mesbla, onde trabalhei como datilógrafo do Crediário.

 

 

JM – "Todo homem é um gênio de madrugada". Será que isso também serve para uma mulher?

 

XS – A mulher é uma gênia até nas madrugas dos raros 29 de fevereiro. A gente demora muito pra saber duas ou três coisinhas sobre a vida; as danadas ligeirinhas sabem muito mais sobre esse circo todo da existência.

 

 

JM – Existe uma crença ideológica por trás das suas histórias sobre cáctus e bananeiras? Qual?

 

XS – Nada, era falta de mulher mesmo, além de um costume que a antropologia rural não me deixa por mentiroso. Mas não vou cuspir nos vegetais que comi: uma bananeira ou um cáctus (não era masoquismo, a gente tirava os espinhos com uma afiada peixeira) soltavam um visgozinho tal e qual uma buceta. Uma maravilha divina. Sim, acredito na beleza de Deus criando o mundo.

 

 

JM –  O Nordeste pode ser negligenciado, mas no cinema a história é ao contrário. Na sua opinião, por que no cinema brasileiro tantos filmes escolhem o Nordeste como tema?

 

XS – Tem escolha e tem também oportunismo, ainda com aquela visão escrota da gente como "coitadinhos". No cinema mais recente tem muita coisa de "cosmética da fome", como cravou a Ivana Bentes, quando o Nordeste aparece maquiadinho, cheio de direção de arte, casinhas pintadas, tudo bonitinho. 

 

 

JM – Fale sobre Amarelo Manga e Baixio das Bestas.

 

XS – Dois filmes que tratam o Nordeste como aldeia universal, histórias que poderiam ser filmadas também por Kusturica (vê ai a grafia correta desse corno!) nos Balcãs ou em qualquer outro mundo. São histórias fortes, consistentes, com olho e sustança.

 

 

JM – Fale sobre Nome Próprio e sobre o livro de Clara Averbuck.

 

XS – Nome próprio é uma livre — e bota livre nisso, o que é bom — visão do Murillo Sales sobre livros da Clarah e, por extensão óbvia, de toda essa geração de mulheres de blogue. Mas não é só isso. É um olhar de hoje sobre as dores do mundo, com o corte na loucura, sim, com TPM e melancolias noturnas, da alma feminina. A gente, macho, fica até agoniado com aquela força toda da personagem feita pela Leandra Leal, que botou pra fuder, uma interpretação incrível, linda mesmo.

 

 

JM – Há salvação para quem caiu num abismo de mulher?

 

XS – Só a lama cura, a lama demorada, o tal caminho do excesso que falamos ali acima. Quando a vida dói / drinque caubói.

 

 

JM – Quais são seus poetas prediletos?

 

XS – Murilo Mendes, Drummond, Ascenso Ferreira, Mário Faustino, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Patativa do Assaré, Oliveira de Panelas, Zé Limeira, Rimbaud, Baudeulaire, Walt Whitman, Fred Zero Quatro, Cartola, Leminski, Joca Reiners Terron, Francisco Alvim, Miró, Alberto da Cunha Melo, Augusto dos Anjos, Zizo (personagem do novo filme de Claudio Assis, Febre do Rato), Bráulio Tavares (principalmente pelo belíssimo Poema da buceta cabeluda, entre tantos e tantos que amo e que passaria aqui a noite toda a dizê-los.

 

 

JM – Quais são seus compositores/cantores preferidos?

 

XS – Danislau (Porcas Borboletas, de Uberlândia), Lou Reed + Velvet Underground, Johnny Cash,  Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Chico Science, Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Serge Gainsbourg, Wander Wildner, Cartola, Milionário & José Rico, Roberto & Erasmo, Elvis Presley, Waldick Soriano, Bartô Galeno, Mundo Livre S/A, Cidadão Instigado, Belchior, Beatles e Rolling Stones bem alto (jogando sinuca e tomando um uiscão) como autoajuda imediata. 

 

 

JM – Cite 10 livros fundamentais.

 

XS – Antes, amigos, só quero deixar claro que são os fundamentais de hoje, porque muda a cada semestre, motivo pelo qual não entrarão coisas essenciais como Sallinger, Rimbaud, Baudelaire, etc., etc.:

 

Uma flor na solapa da miséria/Rocio, Douglas Diegues

Infância, Graciliano Ramos

Angústia, Graciliano Ramos

O azul do céu, George Bataille

Quando Teresa brigou com Deus, Alejandro Jodorowsky

Será por ti, sertão, Luis Manoel Siqueira

Count Zero, William Gibson

Notas de Manfredo Rangel, repórter, Sérgio Sant'Anna

Putas assassinas, Roberto Bolaños

Junta-Cadáveres, Juan Carlos Onetti

A lenda do santo bebedor, Joseph Roth

 

 

JM – Cite alguns filmes que você gosta.

 

XS – Garganta profunda; Touro indomável; Táxi driver; Crônica de um amor louco; Anjo exterminador; O cinema, urubus e aspirinas; Os brutos também amam; Johnny Guitar; O homem elefante; Dias de ira (com Giulliano Gemma); O tesouro da Sierra Madre; Terra em transe; Saló ou os 120 dias de Sodoma; Los olvidados (Buñel); Esse obscuro objeto de desejo; A dama do lotação; Coisas eróticas; Laranja mecânica; O último tango em Paris; Bonitinha mas ordinária; Rio Babilônia; Noite vazia; Árido movie; Amarelo manga; etc., etc.

 

 

JM – Charles Bukowski foi chamado de pedófilo por ter escrito um conto da perspectiva de um violentador de uma menininha. Até que ponto os Modos de macho dizem da sua personalidade e quando é ficção?

 

XS – Hoje em dia é tudo muito politicamente correto, uma merda. Esquecem que nossos desejos nascem muito mais cedo do que a maioridade ou o certificado de reservista. Toda a literatura de Bukowski é de uma ternura e de uma melancolia sem fim, além de ele ser um dos maiores poetas da América. É que, para o bem e para o mal, só veem o lado mais folclórico, o tipo velho escroto, forma de diminui-lo enquanto gênio da raça e da existência. Vê-se, pela sua poesia, que era um grande homem, que fazia os melhores poemas na junção incrível de corpo e alma, arte para poucos. Eu sou seu advogado até no inferno, mas ele não carece de quem o defenda. Deixou tudo pronto. 

 

 

JM – A página da FLIP te apresentou como o Jaime Ovalle da atualidade. O que você achou disso? Te incomoda? Você já leu O santo sujo?

 

XS – Adoro o livro do Humberto Werneck, sensacional mesmo, já li duas vezes. O Werneck, que conheço não muito de convivência, é um grande cara, admirado pelos nossos. Não conheço quem tivesse passado um café com ele para não o admirá-lo. Grande investigador afetivo, vai a fundo, faz bonito. Sem se falar no texto foda, um dos melhores do jornalismo brasileiro de todas as eras. Mas o Ovalle era de outra grandeza, além de convivência em meio mais nobre e criação de outra forma. Temos uma poesia parecida de existir, mas sou mais da lama — e isso não é uma vantagem, please! Salvei-me das estatísticas de mortalidade infantil por essas bonitezas da vida e graças a uma mãe, bela camponesa nordestina, que buscou o último fôlego para mim. Talvez haja uma diferença muito significativa de classe, de formação etc., além da minha falta de educação de dizer palavrões em público, de não ter o mesmo polimento social clube. Também não sei quem bebeu ou amou mais... De qualquer forma foi um belo encontro na FLIP, noves fora os preconceitos da família classe média, que vai lá apenas para ver os recomendados por "Veja".

 

 

JM – Ovalle me lembra Bandeira. Pasárgada é o bordel?

 

XS – Ovalle amou uma pomba, quer coisa mais linda? Grande vida.

 

 

JM – Por que você corou o público da FLIF?

 

XS – Porque parece que ali ninguém tem pau nem buceta. Todo mundo deixa essas coisas de verdade em casa e vai lá fazer cara de inteligente e louco para ver autor gringo. Mas como levam os filhos, a gente suspeita que tenham membros sexuais e que até reproduzam.

 

 

JM – Quais são as 3 coisas mais importantes da vida?

 

XS – Para começar com o ABC, vos digo:

A de amor

B de buceta

C de coragem.

 

 

 

 

junho, 2009
 
 
 
 
 
 

Xico Sá, 1963, jornalista e escritor, nasceu no Cariri, foi criado no Recife e vive atualmente em São Paulo. Escreve para a revista da Folha, Trip, Tpm, entre outras publicações. Seus livros: Modos de macho & Modinhas de fêmea (Ed. Record), Divina comédia da fama, nova geografia da fome (livro de reportagem de estrada, Editora Tempo d'Imagem), Paixão Roxa (haikais, Ed. Pirata), Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo (idílio, Editora Fina Flor) e Do Catecismo de devoções, intimidades & pornografias (Editora do Bispo). Publicado nas coletâneas: Boa Companhia-Crônicas (Cia. das Letras), Os cem menores contos do século (Ateliê Editorial) e Dentro de um livro (contos, editora Casa da Palavra). Na música, foi baterista do grupo Anjos de Klee (Recife) e tem várias parcerias com o Mundo Livre S/A, banda do mangue beat pernambucano. Escreve O Carapuceiro.

 

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Jovino Machado (Formiga-MG, 1963). Poeta. Graduado em Letras (UFMG). Publicou, entre outros, Trint'anos proust'anos (Mazza edições, 1995), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002), Fratura Exposta (Anome Livros, 2005), Meu bar, meu lar (Editora Couber Artístico, 2009) e Cor de cadáver (Anome Livros, 2009).

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