DESNECESSIDADES

REENTRÂNCIAS

& ALGUNS REINGRESSOS

 

 

 

Música

 

A oportunidade revela o gesto

da água ao escorrer o corpo: música.

 

                   Estar no lugar

                   da incerteza

                   e (se) perguntar

   sobre a vida trespassada

   em palavras.

 

       Oportuno desencontro no espaço

temporizado: música.

 

         Opor ao objeto a sua sombra

         e retirar o esboço do contorno.

 

 

 

 

 

 

Terras

 

Essa terra: longe alcanço

em vistas

            é minha remessa:

            desejo aventurado

            ao transtorno.

 

   Esta terra ao alcance

   das mãos se desfaz

   em gestos desmedidos: torpor

   do corpo negado ao abraço.

 

           Aterra reside intransitável:

 

   ódio

   amor

   indiferentes formas

   de ser revisitada.

 

 

 

 

 

 

Razões

 

Ao menos pudesse

esquecer. Fosse da imagem

a sombra. Relíquia:

                eco esmaecido

                da palavra soletrada

                em entrelinhas. Ao menos

fosse a desconfiança sobre o crime

sugerido ao carrasco: não o motivo

arbitrado em cena. A deslealdade

                fabricada ao extremo

                da fortuna: lançar o corpo

                ao espaço

                entre cordas: ouvir o tempo

                deslocar o significado

                da vida aos gritos

                inocentes.

 

 

 

 

 

 

Mapa

 

O mapa distribui o andarilho

ao espaço trespassado:

               tragédia e dor. O documento

         abriga dados desnecessários: a tarde

         retém o destino ofertado ao anoitecer.

 

Descansa seus passos:

                    desabriga.

 

    O sangue reflui limpezas

    e filtros: reafirmo o tempo

    desprezado ao sábado

    de inativos acertos. O mapa

                     contrai a possibilidade

                     do limite ao senso

                     desproporcionado: vozes

                     desdizem horários: minha

                     companhia dispersa

                     do andarilho a história

                     estratificada: alegres

                     dias de ausências.

 

 

 

 

 

 

Ao redor

 

Em algum lugar                   aterram necessidades

     palafitas dispensam estertores

     em águas trovejam animais:

 

             direções refluem mares

     navegados em essência: a turbulência

     desdiz verdades. Solicitudes avançam

     geleiras ao resfriamento:

 

                      desconheço-me

                      ao redor dos lugares.

 

Dentro da relação

resultam instantes: inconstantes.

 

 

 

 

 

 

Rufina Cambaceres

 

Seguras o trinco:

               palavra

               concedida

               em perdão: fechas a porta

               e sais. Amarguras.

 

Olhos buscam conhecer o obscurecido

na maciez do pano. Recobres

                             o pavor

                             de saberes

                             sobre a sina:

 

        rasgas tua carne na tentativa

        da felicidade. A mão pressiona

        o trinco: a porta

                      trancada

                      em ti.

 

 

 

 

 

 

Corpo

 

Enquanto lavo os olhos

                     vejo o corpo

     sobre a cama: extenuado

     amor: a hora repousa

  indelicados gestos de abandonar

  o antes à água.

 

        O rosto lavado do passado

        reingressa

        ao ambiente corporal: não dizer nada

                       ao objeto imobilizado.

 

Nomes sobrepostos ao corpo

indicam a finalização do quadro

em detalhes alongados

                  em deslembranças.

 

 

 

 

 

 

Morte

 

Feito vampiro: espio através do vidro.

Nos caixões, corpos ressecados.

                       Secas lembranças.

 

      Refeito vampiro: observo os gatos

      transitarem indiferenças.

 

Suave tarde: turistas desavisados

na contemplação da morte

                           em estátuas:

                  ultrapassadas formas.

 

Confesso: o vampiro destina

sua eternidade à clausura

do corpo.

 

 

 

 

 

 

Algo

 

Não ouso classificar confusões

instaladas em tempos: confessar

desatinos em músicas. Lacrimejar.

 

    Saio sob chuvas.

    Apavorado.

 

        Algo em mim sussurra tristezas

    não admitidas à senhora: objeto

    guardado sob a pele.

 

        Deixo o pavor resfriar ruindades:

        admito a luz

        escorreita da palavra: raiar

dias de prazeres. A dor submete

a senhora ao lídimo saber.

 

 

 

 

 

 

Ao rio

 

Nada vale o rio preso entre ruas

                        de prédios iguais:

            água em esperas inundam

            o caminho.

            Destroçar. Levar a água ao ínfimo

    recanto além de mim.

                           Relevar o rio em ruas.

                           Preso: fechar portas

                           e cerrar fileiras.

 

Valer ao rio ser água:

                 engessadas paredes

                 em comportas abertas.

 

 

 

 

 

 

Sobre o tempo

 

Não me amedronta o futuro

           inalcançável em dúvidas

 

           preocupa-me o passado

           carregado em dias

                   de incertezas.

 

Olho adiante e me defronto ao inusitado

de adivinhar a lógica inexistente

na (quase) perenidade do universo

observado ao redor do objeto:

               assusto-me em passagens

               resfriadas ao esquecimento.

 

 

 

 

 

 

Porto

 

O impressionado dizer-me

                         ausente: como

                         e quando haverão

                         deveres?:

 

(Persigo a indeterminação. Ao som

 e à luz dos abajures residem

 inconsistências. Assumo minha

 condicional: ser universalizado

 em demônios

      doenças

      desatenções).

 

      Esqueço a imprevidência

      e me faço ao largo: em nenhum

                                   porto

                                   me asseguro.

 

 

 

 (imagens ©chagall)

 

 

 

 

 

 

 
 
 
 
 
 

Pedro Du Bois (Passo Fundo/RS, 1947). Poeta e contista. Residente em Itapema, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Categoria Poesia, com o livro Os objetos e as coisas. Editor-autor, com diversos livros publicados de forma artesanal, em tiragens mínimas, não comercializáveis. Edita o blogue Pedro Dubois — Poemas.