©guy bourdin
 
 
 
 
 
 

 

O comércio volta-se para o dia dos pombinhos. Antes, porém, temos o Dia Internacional da Prostituta, neste 02 de junho. Nesta mesma data, no ano da graça de 1975, em Paris, as damas do trottoir fizeram uma grande manifestação contra a violência da civilizadíssima polícia francesa. Daí o marco no calendário para celebrar e renovar os protestos em nome da dignidade da mais antiga das profissões. A todas estas honestíssimas garotas que ainda não têm no Brasil a função regulamentada pelo Congresso — a Casa da Mãe Joana teima em desconhecer o ofício — meus sinceros parabéns pela batalha. Deixo aí uma velha crônica, ainda do livro Modos de macho & modinhas de fêmea (Editora Record, 3ª edição) para todas vocês. [Xico Sá, 02 de junho de 2009]

 

 

 

 

 

Por que os homens, mesmo os que têm mulheres incríveis, mulheres maravilhosas, procuram as putas?

 

É uma pergunta tão antiga quanto a humanidade. Uma indagação tão respeitável quanto a clássica "o que querem as mulheres?''.

 

Segundo o meu pequeno repertório sobre o caso, uma das melhores respostas sobre o assunto foi a do monstro sagrado Jack Nicholson.

 

Quiseram saber do velho lobo da celulóide o motivo pelo qual pagava para que prostitutas o servissem, sempre em domicílio. Por que, afinal, um cara charmoso, fueda e interessante como ele, capaz de ficar com as melhores mulheres desse mundo, ainda apelava para tal expediente?

 

Nicholson não titubeou um segundo sequer.

 

"Ora'', disse, "não pago somente para que essas respeitáveis mulheres se desloquem até a minha casa. Pago caro, sim, pela possibilidade de poder mandá-las embora na hora em que eu bem entender, nisso elas são lindas, generosas e imbatíveis''.

 

Essa liberdade, na versão do ator, é a grande vantagem do comércio do sexo sobre as ditas "mulheres normais''.

 

Assim como essa, existem várias respostas possíveis. Todas com o chamado fundo de verdade, todas deliciosamente furadas. Aí é que entra em cena Nickie Roberts, uma ex-stripper de Londres, autora do mais vasto ensaio sobre as ditas mulheres de vida nada fácil: "As Prostitutas na História''.

 

O livro é um show de experiência própria e compilação de dados históricos, com finas citações de Hobsbawm, sobre as chamadas "trabalhadoras do sexo'' — como são politicamente tratadas.

 

O calhamaço, com 430 páginas, pode até não responder a nossa dúvida, mas certamente nos ajudará a entender melhor essas moças e o poder que exercem e sempre irão exercer sobre nós, aquele segredo, o mistério, o amor ao primeiro cheque, mesmo depois de tantas vistas.

 

Seja sob a luz do poste da rua Augusta, nos inferninhos pulverizados de eucalipto ou nas alcovas de luxo das impagáveis Belas da Tarde, Catherines, Severines...

 

Como são lindas!

 

Mas falo das putas de verdade, luz vermelha n'alma, olhos que não enganam, tenham qualquer corpo ou idade, as damas que nos acolhem além do amor possível, além da própria psicanálise, um colo além-mãe, além do calor dos amigos, outra linguagem, linguagem própria que vai além do sexo, além do colo, além de dizer coisas, um dengo parado no tempo, suspenso, cafunés nos cinco sentidos.

 

Falo das putas de verdade. Não essas garotas neoliberais ao extremo que praticam um sexo-chuchu para pagar faculdade, para comprar roupa de grife... Parecem mulheres com taxímetros, sexo do tipo flat-cemitério-apartamento... Essas não entram na minha casa nem no lar doce lar do velho amigo Nicholson.

 

 

 

junho, 2009