As mulheres com filhos são especiais, especialíssimas, mas o inesperado encontro com os seus rebentos, em um corredor estreito, minutos antes do dia clarear direito, podem nos deixar mais perdidos do que barata em salão de forró ou gafieira, uma loucura, uma batalha napoleônica, aquela coisa toda, pinel mesmo, sentindo-me  um boa-praça da Tamarineira azeitando o eixo do sol na quarta-feira de cinzas, um calouro no Mira y Lopez, um trelelé que acabou de dar entrada no Galba Veloso, para ficar apenas em alguns dos sanatórios gerais do Recife, Fortaleza e Belo Horizonte.

 

Foi assim que me vi, revi, quando, numa ressaca miserável, rumei do leito amoroso em busca de um copo de água gelada depois da primeira noite com uma ex-ex-ex.

 

Tem mercadoria mais preciosa, amigo, em um final de madruga, depois de uma farra monstra, do que um copo de água gelada? Vale por um açude de Orós, vale por uma barragem de Tapacurá, vale por toda a bacia hidrográfica do rio das Velhas, prosseguindo aqui a nossa conversa com o Ceará, Pernambuco e Minas, a santíssima trindade que publica em respeitosos jornais essa crônica.

 

Pois sim, mal este abestalhado que vos bafeja a prosa abriu a porta... Mal este mamador profissa chutou aquele taco solto do apartamento da nega... Mal este infame mirou uma luz mínima, uma réstia de nada...

 

Mal este carga-torta, com uma brasa em cada branco do olho, tomou consciência do universo, Nossa Senhora dos Paus d'Água, mal arrumou os óculos fundo-de-garrafa sobre a napa moura, e já veio  aquela criatura enfurecida com uma espada toda iluminada, incandescente, de modo a me deixar mais areado e perdido do que pitomba em boca de banguela.

 

As mulheres com filhos ainda em casa, repriso, são especiais, especialíssimas, mas confesso: foi a maior batalha da minha vida. Fiquei me sentindo assim um duelista de Joseph Conrad, um espadachim acuado, um cavaleiro sem armas, um homem morto.

 

Irrompi daquele quarto macio e escuro, amigo, com o único e banal objetivo de matar a minha sede, e eis que me deparo com o endiabrado menino, na saúde sem freio e sem controle dos seus cinco, seis anos, no máximo, disposto a tudo nesse mundo, inclusive disposto a se vingar das maldições gregas e freudianas, disposto a passar por cima do meu então magro cadáver, disposto a proteger sua Jocasta, o cão chupando manga, a febre do rato, um pirraia dos infernos, um cabinha destemido, um mutum em redemoinhos e t'esconjuros tantos.

 

O endiabrado menino, senhoras e senhores, portava uma daquelas armas iluminadas que me levou direto para um conto de ficção científica do Bráulio Tavares com Zé Ramalho, deus-mor da raça, como personagem, amo os dois à vera, por supuesto.

 

Uma tocha de fogo que aumentou ainda mais a minha sede e a minha ressaca...

 

E pensar que eu me contentaria, àquela altura da quase manhã, com um simples copo de água, desejo sagrado que não se pode negar a nem uma criatura da face da terra.

 

Sim, leitores de Jó, o diabo do menino, sorriso sádico, estava armado com uma daquelas miseráveis espadas de He-Man, ali no final dos anos 80, e me espetou como o demônio espeta uma alma vagabunda que chega ao inferno durante o cochilo da sua sesta, puro descuido.

 

O menino acabou comigo, à vera, antes uns bons cutucões das peixeiras do Beco da Facada... O filho da mãe, da amante, da amada, me tirou o couro e o osso, parecia um Delmiro Gouveia comprando pele de bodes e de cabras, sertões afora, saudade daquele menino que duelou de homem para homem ainda no estreito corredor escuro da sua infância. 

 

 

 

março, 2009