Cartaz de estreia de Prélude à l'aprés-midi d'un faune no Teatro Chatelet, Paris, 1912
Música Claude Debussy | Coreografia Nijinsk | Pintura Leon Bakst
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

Passo por sua noite

como sombra

que nem se esconde

nem se dá a ver

 

seu olho negro-ébril

busca roubar a luz

de um desejo

sem nome ou data

 

transbordo-lhe esse amor que é meu...

 

(de tão meu que não lhe dou)

 

nem minha serenidade crestada

ao sol de cada grito,

nem meu frio verniz de donzela

enganam o seu faro —

fauno de l'après-minuit.

 

adorável noite

dobrada ao meio.

sem luas

sem véus ou sonhos

 

 

 

Razão

 

 

O processo de criação do poema "Sobre os véus das ninfas" (a genética da coisa) aconteceu da seguinte maneira: eu encontrei, meio por acaso, o vídeo de L'Après-midi d'un Faune no You Tube e me senti impactada, pois o ballet parecia tocar em uma questão que estava me preocupando muito naquele momento: Qual o ponto de ruptura entre a entrega amorosa e a estranheza inquietante do "outro"?

 

O meu poema surgiu, assim, de L'Après-midi d'un Faune. Essa peça foi composta por Nijinsky, em uma coreografia que dialoga com o conhecido poema de Mallarmé de mesmo nome e trata do encontro entre um fauno e uma ninfa. As figuras dos dois protagonistas são muito estilizadas, quase completamente destituídas de traços humanos. Em duas  pontas distintas, do diáfano ao animalesco, a ninfa e o fauno parecem representar elementos idealizados, presentes no imaginário erótico do Ocidente.

 

A coreografia evolui em um encontro que não se completa: a ninfa foge deixando um véu nas mãos do fauno. O interessante é que, enquanto a ninfa é esquecida, o fauno entrega-se a um jogo amoroso com o véu. Ficam as perguntas: Seria possível um encontro não mediado por véus, sombras e sonhos? Este também não seria o problema que toda representação poética nos impõe?

 

Eu tentei coincidir o meu poema com o fim da dança e buscar, com uma sequência de negações, um gesto afirmativo de ruptura: uma visão imediata da estranheza do "outro". Não sei se consegui o efeito que queria, mas esse meu poema também não teria o direito de buscar algo impossível para ele mesmo?

 

Em meu trabalho de leitura poética da coreografia de Nijinsky, ousei uma tradução pessoal do poema de Mallarmé, tentando sobrepor, nele, o sentido estrangeiro do meu próprio poema:

 

 

A TARDE DE UM FAUNO

 

Essas ninfas eu as quero perpetuar.

                                            É tão claro,

seu copo leve que volteia no ar

entorpecido em sono denso.

                                            Eu amo um sonho?

 

Minha dúvida, fardo da noite antiga, tem seu arremate

em múltiplos ramos sutis, que, delongando o próprio

bosque mesmo, prova, ai de mim! que sozinho eu me entrego

para o triunfo da falta ideal de rosas...

Reflitamos...

                                               ou reflita as mulheres que tu glosas

 

 

dezembro, 2010
 
 
 
 

Olga Valeska (São Paulo/SP). Poeta e ensaísta, possui mestrado em Teoria da Literatura pela UFMG, doutorado em Literatura Comparada pela UFMG e Estágio de Doutorado Sanduíche UFMG/El Colegio de México-COLMEX. Atualmente, trabalha com pesquisa no campo da poesia contemporânea, é professora de Língua Portuguesa e Literatura no CEFET-MG e coordena o Curso de Mestrado em Estudos de Linguagens, na mesma instituição. Publicou diversos artigos em revistas especializadas e tem poemas e traduções  no Jornal Dezfaces, Mulheres Emergentes e nas revistas Ato,  Zunái e várias outras. Em novembro de 2010, publicou seu primeiro livro de poesia, Mundos e Mutações, pela Anomelivros, de Belo Horizonte, onde vive desde 1969.

 

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