Sem Título | Siron Franco | Óleo sobre Tela | 60x50 cm| Década de 1980 | Coleção Particular
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

            "E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior"

            Ascânio Lopes, "Serão do Menino Pobre".

 

 

ressurge ascânio estranho e triste

suspiro, sombras de um serão

antigo-atávico: de antanho

 

vinte e três verdes vôos vãos

o sol em volta, solidário

sobrado só, sol de subúrbio

 

pálido sol, quatorzevoltas

que em si assomam, sanatório

sereno — sol sombrio e seco

 

som que ressoa triste-estranho

escarro-toss-toss-escansão

ascaniascaniascaniascânio

 

Razão

 

 

O convite de José Aloise Bahia para participar da seção A Genética da Coisa levou-me a um poema escrito em 1996 para um Suplemento Literário de Minas Gerais, quando dos 90 anos do poeta Ascânio Lopes (morto em 1929), um dos ases do grupo modernista, que publicou em Cataguases/MG, a Revista Verde (1927). O poema "saiu" com um pé-de-página onde eu explicava sua gênese. E este texto "aderiu" de tal forma ao poema que dele passou a fazer parte. Tanto que em meu livro Minerar O Branco (2008) ele foi publicado dessa forma, ostentando seu imprescindível pé-de-página: 

 

ASCÂNIO LOPES QUATORZEVOLTAS voltou pela última vez a Cataguases aos 23 anos, para morrer no dia 10.01.1929. Vinha de uma temporada de tosse e sangue no inferno (Dante-Rimbaud) de um sanatório de subúrbio em Belo Horizonte, aonde fora estudar Direito e acabou tuberculoso. Rosário Fusco dizia que a maior virtude do poeta era a sinceridade: "Sinceridade, coitadinho, até no sofrimento". Também Oswaldo Abritta, outro de seus companheiros na aventura da Revista Verde, ressaltava a 'sinceridade de sua arte', acentuando ainda sua extrema serenidade. Em artigo para o Cataguases, de 03.02.29, arriscava um epitáfio perfeito: "Aqui jaz o Poeta Ascânio Lopes e a sua serenidade". Suspiro, sombras, serão, sanatório, sol-sombrio: mais que meras aliterações, essas palavras tão sintomáticas no universo de Ascânio, surgem aqui como a própria ossatura do meu poema — forma & fundo. Este "Ascânio em 4x3" surgiu/ressurgiu durante várias caminhadas pela areia de Copacabana após uma releitura de Ascânio Lopes — Vida e Obra (1967), ótima pesquisa de Delson Gonçalves Ferreira. Prática inaugurada pelo poeta Francisco Marcelo Cabral in Inexílio, este "poema-com-pé-de-página" vai assim para Ascânio Lopes, em homenagem aos 90 anos de seu nascimento (1906-1929). São quatro tercetos num clima mais para João Cabral que para Dante, mesmo porque octossílabos e sem a terza rima. Em Confissões de Minas, Carlos Drummond de Andrade registrava a perda de Ascânio e a amizade entre os dois poetas nos tempos de Belo Horizonte: "... Discreto até o fim, Ascânio Lopes foi morrer em Cataguases... distante, mas realmente bem perto de Ascânio, eu fui dos seus amigos mais certos... A Rua da Bahia não conheceu bem Ascânio Lopes, que passou por ela como um automóvel. Há os que sobem e há os que descem a outrora famosa via pública. Os que sobem gloriosos e aplaudidos e os que descem obscuros e silenciosos. O auto de Ascânio desceu com o farol apagado, sem buzinar, e desceu para sempre". [RW/Rio de Janeiro, 1996].

 

junho, 2010
 
 
 
 
Ronaldo Werneck (Cataguases/MG). Jornalista, pesquisador, tradutor, poeta e cronista. Atualmente, é editor de textos da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho e diretor de comunicação do Cineport-Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, Cataguases. Autor, entre outros, de Selva Selvaggia: um cine-poema de Ronaldo Werneck (Rio de Janeiro/Petrópolis: Poemação Produções/Gráfica Vespertino, 1976), Minas em Mim e o Mar esse Trem Azul (Cataguases-Leopoldina/Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho/Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais: Poemação Produções/Cia. Força e Luz, 1999), Ronaldo Werneck revisita Selvaggia (Cataguases-Leopoldina/Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho/Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais: Íbis Libris & Poemação Produções/Cia. Força e Luz, 2005), Minerar O Branco (São Paulo: Editora ArtePauBrasil/Energisa/Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho/Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais, 2008), HÁ Contro Vérsias1: 1987-2003 (São Paulo: Editora ArtePaubrasil,  2009) e Kiryri Rendáua Toribóca Opé — Humberto Mauro revisto por Ronaldo Werneck (São Paulo: Editora ArtePauBrasil/Filme em Minas/CEMIG/Ministério da Cultura, 2009).
 
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