A GERINGONÇA

 

Deu entrevero de gente. Todos queriam ver o resultado de mais de trinta dias de trabalho. Foi um tal de cavouca daqui, cavouca dali... Homens, mulheres e crianças, de olhos arregalados, formavam um imenso círculo. No centro, um dos engenheiros desatarraxava a cabecinha da geringonça. Eu era guri e fiquei impressionado: como podia caber tanta água dentro daquilo que os doutores chamavam de torneira...

 

 

 

 

 

 

A DEGOLA

 

Eu gostava de ver. Sentia uma espécie de gozo, que só experimentava quando via o sangue escorrendo pelo pescoço rasgado. O capim ficava salpicado de um vinho forte. As folhas dos eucaliptos, que secas, eram trazidas pelo vento, se borravam de sangue. O brilho que sumia, aos poucos, dos olhos amendoados, arrepiava-me. Eu gostava daquele espetáculo. Não era por mal. Eu não sabia que era um menino mau. Ficava ali, acocorado, bem perto, vendo a ovelha dependurada pela perna. Eu não sabia muito bem o que acontecia, não imaginava que era ela, a vida, que se esvaía. Hoje em dia é bem melhor: além de ver o sangue que escorre, posso, às vezes, sentir a alma saindo dos corpos. Não via isso nas ovelhas: bicho não tem alma...

 

 

 

 

 

 

O HOMEM INVISÍVEL

 

Meu pai é um super-herói: Homem Invisível. Eu sei o que você está pensando. Se você me dissesse que seu pai é um super-herói, não acreditaria. Mas eu juro! Quando ele põe o uniforme lá dele, fica invisível: as pessoas esbarram nele e não se desculpam, porque não o vêem, não lhe dão bom-dia nem boa-tarde, pois não o vêem. É incrível! Quando ele põe o uniforme, só eu o vejo — deve ser porque ele permite, sei lá. É uma espécie de segredo, só nosso. Ontem o acompanhei ao trabalho. Fiquei o dia inteirinho com ele. Ele lá, varrendo as ruas, com seu uniforme laranja, totalmente invisível! E eu cheio de orgulho do pai...

 

 

 

 

(imagem ©optymistka)

 

 

  

 

 

Cláudio B. Carlos (CC) é poeta e prosador, nascido em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, RS. Escreve o Balaio das Letras.