primeiros gorjeios de um pássaro desplumado

 

Pintar o 7 não é ação cabalística. Cabalístico é o numeral: os 7 chakras principais, os 7 corpos, os 7 raios, os 7 céus, os 7 dias da criação, os 7 selos do apocalipse, e por último (mas não menos importante) os 7 anões.  O polígono de 7 lados recebe o nome de heptágono regular, o primeiro polígono regular que não pode ser construído com régua e compasso. E, aqui, serão 7 trinos, ou 7 provocações, ou 7 inquirições a serem desmascaradas. A literatura e o caos, duas entidades paradoxalmente análogas, irão percorrer esses 7 gorjeios.

 

E o que pretendemos com isto? Apenas lançar alguns (des)aforismos sobre as várias possibilidades de percurso e navegação sobre a esfera do Twitter, enfocando, principalmente, a ideia de que nela todos somos falsários de nós mesmos e construímos farsas e que, ao restringir uma maneira ou ao expandir várias faces, revelamos apenas alegorias, ou talvez, réstias da realidade que somos e em que vivemos. Isto, ao considerar que o que se posta são apenas fragmentos, legítimos, em 140 caracteres; porém, mesmo que se reunidos, serão ainda partes de uma trama maior. E a essência de todos os seres que praticamos palavras no Twitter cada vez menos se revela em totalidade nunca atingida. E assim bem mais podemos, uns aos outros, ficar à deriva desse encontro virtual, (des)conhecendo-nos pelas frestas.

 

Afinal, quando somos, verdadeiramente?

 

o que sou, quando não sou? e, se sou, quando não estou?  e se não sou, porque estou?

 

O poeta Fernando Pessoa foi um grande fingidor, pois chegou a fingir que era dor a dor que deveras sentia. O escritor Marcel Schwob, em Vidas imaginárias, teceu uma ficção que partiu de relatos já existentes. Foi a partir deles que inventou detalhes concretos e recombinou circunstâncias e referências. No prefácio da obra, Jorge Luis Borges afirmou que sua História universal da infâmia procedeu dessas falsas verdades.

 

Retomando o trino, indago será que o espelho dos cosmopolitas da twittosfera não passaria de um reflexo de fragmentos apócrifos ou a porta que se fecha para um silogismo (a uma conclusão, a partir de duas premissas), permitindo em vez daquele um sofisma (a um raciocínio capcioso e inconclusivo)?  Vejamos: Toda verdade é ética / Quem posta no Twitter é verdadeiro/ Logo, os posts são éticos.

 

No entanto...

 

há muitos anônimos na esfera dos trinados. e o que esconde esse anonimato? a covardia? a timidez? a privacidade?

 

E a que modos esses anônimos invadem as redes sociais e os blogs! Experimentar o anonimato talvez seja a melhor maneira de perda da autoestima ou da própria identidade. Ralhar, espernear, xingar são motivos para um exercício de escuridão ao contrário: tatear as paredes do desafeto sem mostrar mãos e cara. O anônimo é tantas vezes vil e enfadonho, pois, em vez de conquistar, desacredita-se, descredencia-se e, portanto, não merece nenhuma atenção. Apesar de que, tantas vezes, pode provocar desastres reais, físicos ou espirituais.

 

@lucioalc, postando a @gloriadioge disse (em 20 fev.): "O twitter tem autoria. O q interfere no texto é o humor, a solidão diante da tela, a melancolia dos domingos, a euforia dos êxitos" 3 minutes ago from web in reply to gloriadioge.

 

Quando essa autoria se explicita, as idiossincrasias danificam a mensagem. A mensagem solidifica-se no meio, parafraseando McLuhan, mas o enfraquece, e, em consequência, seu emissor se empresta ao descrédito.

 

De qualquer maneira,

 

ler ainda é o melhor e maior dos segredos. alguém pensa ao contrário?

 

Almanaques, enciclopédias, livros de referência; gibis e tirinhas; bulas de remédio, receitas, relatórios, manuais; e, primordialmente, poesia e ficção! E, como não poderia deixar de ser, neste contexto, ler as postagens apócrifas ou não; as informações sensacionalistas ou não; o rancor deslavado ou o desespero.

 

Carpinejar, numa cartada oportunista, publicou pela Bertrand Brasil o "primeiro livro feito no Twitter no mundo, respeitando o espaço de 140 caracteres. Até que se prove em contrário.

 

Ou ao menos em língua portuguesa". São frases diárias, espontâneas e passionais enfeixadas em www.twitter.com/carpinejar.

 

Na obra, um trino reforça nossa ideia: "O que é autêntico acaba em sátira. O que é falso não sobrevive à paródia." Se no Twitter somos autênticos ou falsos, pelo menos construímos uma nova ordem textual, que pode ser transtornada em literatura.

 

E, para isto, é preciso entender que em

 

literatura: farsa é realidade; a verdade será pura ficção. tudo se traveste em verossimilhança: a mentira deve parecer verdadeira e real.

 

O personagem Baudolino, o grande mentiroso da obra homônima de Umberto Eco, ouve do historiador Nicetas Coniates, homem sábio e letrado, o seguinte: "Se queres transformar-te num homem de letras, e quem sabe um dia escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois senão a tua História ficaria monótona. Mas terás que fazê-lo com moderação. O mundo condena os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre coisas mínimas, e premia os poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas."

 

Assim, podemos reconhecer que, mesmo no Twitter, construímos uma história social, uma vez que a amostragem permite identificar o mesmo caos em menores proporções. E, deste modo, inventar uma nova forma de memória, em mosaicos fragmentários de 140 caracteres. Que imagens cada um constrói a partir de seus (per)seguidores ou (per)seguintes?

 

Sem remorsos, é possível decidir que

 

este trinado em 140 é uma fábrica de lucubrações, de sintomas e de desavisos. estamos numa nave à deriva. no caos. isto é bom? é!

 

Nós todos lucubramos, tornamo-nos paródias de filósofos, psicanalistas, terapeutas, interlocutores de vazios e nadas na twittosfera. Revelamos sintomas por detrás das portas, das frestas, do inconsciente. E muitas vezes encrencamos a ordem dos encantos. Vestimos a nossa roupa de twittonautas e partimos para um não lugar que pode se identificar com o caos. Mas, mesmo assim, não encontramos, metaforicamente, as dálias vermelhas do jardim, pois ficamos órfãos no jardim dos sentidos. Quando dialogamos com o outro, vezes saímos da twittosfera, partimos à confidência em DM e, neste caso, retornamos aos seres normais que tentamos inventar.

 

E, ora somos todos, ora somos um a um, até que voltamos ao Eu.

 

Afinal,

 

se somos verdadeiramente apócrifos ou sutilmente alegóricos, alguma verdade há de se revelar, e assim estamos sendo quase verdadeiros?

 

E voltamos ao problema da Verdade. Se retomarmos a ideia de farsas e falsários, escondemos a Verdade. Mas assim, a Verdade passa a ser uma questão de Fé. Se Deus é a Verdade, para que se complete a sentença será necessária a crença do receptor. De maneira profana e terrena, se o Twitter caminha com a verdade, caberá ao tirocínio do leitor vivenciar essa fé.

 

Em diálogo com @gloriadioge, dela recebi:  @jorgepieiro A verdade desconfia dela própria. Língua afiada anda atada a imaginação. O risco é de ser consumido pela imaginação. 6 minutes ago from Seesmic in reply to jorgepieiro.

 

Respondi: @gloriadioge, a imaginação sempre leva culpa, quando supera a verdade, que não cabe em si e sempre se vela... 2 minutes ago from web in reply to gloriadioge

 

Assim, aonde queremos chegar? Talvez ao último (des)aforismo:

 

o falso é premeditado; a farsa é ontológica, é humana. e assim caminhamos pela humanidade?

 

Nesses 7 (des)aforismos, é possível que tudo seja falso, tanto quanto a literatura que rege a vida dos leitores. Tanto quanto seja verdadeiro ou falso, não importa, o que se distrai no âmbito da twittosfera.

 

 

 

 

 

 

 

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Texto lido no 2º encontro dos twitteiros culturais, no Armazém da Cultura, em Fortaleza.

27/02/2010.

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setembro, 2010