A moça era noiva. Uma pesquisa de cientistas italianos revelou que as mulheres rejuvenescem quando traem, ao passo que os homens enrugam e se acreditam mais barrigudos após saírem com uma outra. Não era o meu caso. Eu não tinha nenhum caso na época e, livre feito um pássaro, não tinha nenhum remorso ao me encontrar com a noiva lindíssima. Vai ver até que estava mais bonita em razão de estar traindo.

Encontrei-a num bar. A loirinha de olhos azuis sorria e bebia como ninguém. Uísque puro. Pedi um igual e, quando novamente ela pôs os olhos sapecas em mim, ergui o brinde. Respondeu-me erguendo ainda mais alto o seu copo. Ria maravilhosamente. A amizade iniciou-se e prosseguiu noite adentro, de maneira fácil e divertida. Mas, como essas camaradagens feitas em bar não costumam durar muito, ao despedir-me, apesar da visão um tanto prejudicada pela bebida, cuidei de fixar o melhor possível em minha memória aquele rosto e aquela presença agradável. Talvez nunca mais a visse.

Para a minha surpresa, no dia seguinte descobri que a dona daqueles olhos azuis morava no mesmo condomínio em que me encontrava hospedado, na minha mui formosa e querida Belo Horizonte. Encontrei-a no clube. Agiu de modo estranho ao me ver. Deu um aceno receoso, como a dizer que eu permanecesse afastado. Obedeci. Mais tarde, ao regressar e comentar sobre o acontecimento com o pessoal que me hospedava, soube a razão da razão que motivara aquela recepção tão fria, no reencontro. Ela era noiva.

Dia seguinte, ao voltar de um passeio pelo condomínio localizado em cima de uma serra, admirando a paisagem, curtindo o friozinho mineiro, entrei em casa, bati os pés no capacho da entrada da sala e divisei Dr. José Maria, que me hospedava, me esperando com uma garrafa de vinho e canapés dispostos numa mesinha de centro. Além disso, aguardava-me com mais uma deliciosa novidade: a noiva havia ligado e pedido que eu retornasse o telefonema. Tinha deixado o número. Liguei imediatamente e fiquei sabendo que o noivo tinha viajado a serviço, que demoraria semanas fora, que ela havia adorado o encontro no bar e que desejava me ver naquela mesma noite.

Muitos meses depois, nossa amizade persistia. E ela ficava cada vez mais bonita. E nossa aventura foi sempre marcada por momentos engraçados e verdadeiramente prazerosos. Entre eles, impossível esquecer do dia em que matamos um carro envenenado.

Chovia. Era noite e chovia. Voltávamos, o Dr. José Maria, ela e eu, da churrascaria do Zé Antônio, situada junto à saída do condomínio, já à beira da rodovia. Como chovia naquela noite escura! Fazia também um frio de rachar que, unido à umidade, atravessava os agasalhos e, inclemente, enregelava os ossos. Foi nesse cenário, em que qualquer ser ao desabrigo poderia considerar-se um sujeito pra lá de infeliz, que o velho Passat do meu hospedeiro encrencou, a dois quilômetros de casa.

Imediatamente, detectamos que a pane era por falta de combustível. Os olhos azuis cravaram-se no tímido Zé Maria enquanto a voz da noiva rugia, com um mau humor que há tempos não presenciávamos: "Combustível? Mas como é que pode?!". Podia. Desligado o motor, ficamos os três observando as luzes amareladas dos postes enfileirados que demarcavam a beira do caminho que levava à portaria. Somente a montanha, o frio, a chuva, e aqueles três bêbados estavam à vista. Ninguém acreditava ainda que teríamos de sair do refúgio singelo, porém precioso, do interior do carro, para enfrentar a intempérie. O carro era a álcool, e nosso anfitrião lembrou-se de que havia estocado bastante combustível em casa, naquele mesmo dia pela manhã.

Prontifiquei-me a buscar alguns litros. Logo os outros dois decidiram que deveriam ir todos. Não havia a menor necessidade de padecermos os três no frio e na chuva, visto que apenas um litro nos levaria de volta ao lar. No entanto, com bêbado não se discute. A ladeira de meio quilômetro fazia a noiva resfolegar ao meu lado, ao passo que o lépido José, o mais velho, porém o mais leve também, avançava estrada afora, cambaleante, mas decidido.

Finda a caminhada, entramos casa adentro, agradecidos por estar novamente num lugar seco e aconchegante. Enquanto partíamos para a garagem a fim de recolher os litros de álcool, a noiva procurava álcool de outro tipo, sorvido sofregamente, no bar. Da mesma forma, aceitamos uma dose e logo partíamos, cada um levando dois litros, para igualmente abastecer o carro. E foi o que fizemos assim que abrimos a garganta, digo, a entrada de combustível do automóvel. O que não sabíamos é que, na pressa (e na miopia etílica) havíamos trazido ácido bórico. E empanturramos o carro com aquilo.

O engraçado é que ele rodou até a porta de casa. As explicações para o fenômeno, o mecânico nos daria no dia seguinte. Achava que o ácido bórico havia empurrado para o carburador a sobra de álcool que ainda existia, e que, aquela pequena quantidade fora o bastante para nos levar de volta. O carro morreu mesmo, pois diversas partes foram literalmente derretidas pelo ácido. O caso com a noiva morreria também, dias depois, completando a tragédia. Os olhos azuis casaram-se e foram morar em outra paisagem.

Meses depois, eu a vi novamente. Não estava mais tão bela quanto no tempo em que traía. Acho que ali estava a prova absoluta de que a pesquisa italiana é digna de reconhecimento. Fico pensando se o marido não notara a transformação. E penso ainda sobre como essa pesquisa é cruel. Pois a melhor maneira de ele, que tanto ama a mulher, vê-la prontamente linda, seria se reatássemos o namoro. Então, ele a veria reviver, rejuvenescer. Sem saber, porém — e aí reside toda a crueldade que a pesquisa expõe — que, ao contrário do que havia ocorrido ao velho Passat, aqueles lindos olhos azuis estariam sendo ressuscitados à base do mais puro e inebriante veneno.

 

 

 
dezembro, 2010