*

 

fôssemos pensar

das laranjas o gosto

comeríamos pouco doutras coisas

e por fim

diríamos palavras que não se comem

e que nada sabem do que nos toca a língua.

 

 

 

 

 

 

tendo em mente uma cena de nostalghia

 

como se pinta uma intenção?

ele  tinha um resto de vela

e estava aqui numa das margens das termas

na outra

nada que se possa ver de incomum

era só ele

a vela

o vento a dar de tentar apagar a pequena chama

e uma vontade grande de cuidar de tudo

de estar com todos

por uns minutos

sem qualquer estardalhaço

singra-se uma vida

num silêncio de todo puro

e depõe-se a [cada vez mais resto de] vela

que resta ainda acesa

na outra margem.

 

 

 

 

 

 

poema de sábado

 

pai

por favor

só um pouquinho de silêncio

por que tantas palavras

pra que tanto falar

pra que eu —

que estou de viagem pra casa

ainda sobre a faixa de segurança

e faltando só uns poucos passos

pra chegar lá —

não esqueça

que apesar de tudo

ainda não sei amar

 

 

 

 

 

 

abandono

 

quando pequeno

pintei em carvão uma pequena casa

esquecida e inabitada

senti toda a tristeza de quem se obrigou a deixá-la

e em meio ao corpo presente da pequena casa

[re-tratada

senti que toda a ausência que há no mundo

ali estava

 

 

 

 

 

 

 

no decorrer do tempo

 

e no caminhão

rumo ao muro [wEiss waND]

mudanças

a caminho estão

e de resto meu amigo

só crianças

ainda riem do que somos

sombras

contra a luz presente

 

 

 

 

 

 

*

 

e o aparente sem-saber-pra-onde-ir da

pequena mosca sobre a clara mesa de

 

se fazer lanches lembra a incerteza dos

caminhos pimenta e coca-cola light

lemon sobre o tampo e o se acordar da

 

pequena solidão de quem vê esse "não

muito mais" desse outro dia a se findar

 

 

 

 

 

 

tão longe tão perto

 

repleto

dos homens e de suas armas

o barco combina-se à distância com que se recobre o olhar

 

não não

não sei ser

homem

 

e contudo

pequena criança

agora sei da arte do tempo

agora sei da morte

e por duas vezes já morri

por te amar

 

 

 

 

 

 

a linha tensa da intenção

 

num

período breve

provas

antecedem

o circo posto

em que

solução cretina

atino

atraio o raio

me atrapalho

e sigo

em desalinho

comigo

o caroço da oração

proposta

cora-me

de calor ancestre

rever-

bero-me

beiro-te

e reconsidero

o alinhavo

entre nós

humílimos

de ternura

inconstante

que

não sei dizer

e onde

me prendo

 

 

te amo

 

 

 

 

 

 

*

 

ali no sopé do pio monte

estava a pequena rosa

imaginosa e confusa

que agora dorme e sonha

ser uma menina muito

engraçada  por demais

atrapalhada  e toda

desconjuntada e só

 

por todos chamada cecília

sem nome de família

e que bem no dia em que

foi sonhada pela rosa

do sopé daquele monte

se autodenominara

numa clareza demente

cecília rosa de lima

 

ao certo  nada sabia

dos seus mas podia ver

em si um pouco de rosa

que havia de ser sua mãe

e algo doce amarando-se

no final de tudo sempre

sobrava e isto por certo

tinha de ser o seu pai

 

a rosa acordou contente

declarou a toda gente

a partir daquele dia

não se chamava rosa tão

somente mas pra sempre

algo esquisitamente

rosa cecília menina

seria dali pra frente

 

 

 

 

 

 

*

 

começo a viagem

com eles chegando ao caminho das pedras

interdito

ele  afável

ela em seu jeito

natural

eles sabem onde vão

eu sei

e por isto

mesmo alhures

testifico

faço um primeiro pesponto

espargindo

um pouco da solução

volátil sobre a pele dela

um pouco fica, algo se libera do extrato

que opera

suave

sobre as superfícies despertas

faço o segundo pesponto

e vejo a tela de nuvens negras

abrir-se em franja ao poente de depois da chuva

feita de um amarelo brancacento

que pensa o branco em mim

assim como quem diz

é só isto

em tudo e por fim

faço então o último pesponto

apanho estas três coisas

e ponho-as em tuas mãos

te beijo

arrumo a cama

e como bem pouco sei de tudo

 e pouco resta

durmo

 

 

 

 

 

   [imagem ©lokosch]

 

 

 

Jaime Medeiros Jr. Poeta porto-alegrense, nascido em novembro de 1964. Teve o seu primeiro livro publicado em 2008 (na ante-sala). Participou do blogue Filhos de Orfeu até outubro de 2010. Hoje escreve prosa ligeira para o blogue Tênues Considerações, poemas e correlatos no blogue o Arco da Lira. A cada duas semanas colabora com as crônicas do blogue da Palavraria.