ALBA

 

 

1

 

Em que me

esvaio?

 

Nada em

mim afirma

 

o plano

deste sono

 

 

 

2

 

O alvor

me vence

 

e o espaço

teima em

 

definir-me —

modelar-me

 

espalhar-me

como um

 

álcool

 

 

 

3

 

Mas o que

se dá se o

 

corpo luta

desse jeito?

 

 

 

4

 

Devo

deixar

 

que o

tempo

 

faça

o que

 

quiser de

mim?

 

 

 

5

 

Talvez

isso já

 

nem

valha

 

tanto

 

 

 

6

 

O que me

espanta é

 

que me

sinta bem

 

fazendo

isso —

 

embora o

que me

 

cansa é

o que não

 

penso e

continua a

 

percutir-me

as têmporas

 

 

 

7

 

Que nenhum

salto rompa

 

o que me

explica e

 

torna um

pele vermelha

 

 

 

EPIFANIA

 

                    a Carl Andre

 

1

 

A polpa

que se dá

 

na pele

breverrante

 

vai e vem

no escuro

 

rítmico do

quarto

 

 

 

2

 

Em boa parte

uma pegada

 

fugaz a

vida que

 

se arrasta

e vira de

 

cabeça para

baixo —

 

o que desejo

tanto assim?

 

 

 

3

 

O que me

torna assim

 

tão louco

na pureza

 

do que

falo —

 

luz que

afirma

 

ser e coisa —

olhos que

 

saltitam

 

 

 

4

 

Bem mais

que um

 

dia que

amarela

 

não importa

o que se diga —

 

sempre

encho-me

 

de negro

 

 

 

5

 

Letargia

é o que

 

não falta —

de um

 

gesto de

magenta

 

nasce a

obra, um

 

universo

enfim

 

que gera

coisas

 

sem largura

 

 

 

6

 

Daí que

se abram

 

estrelas

clássicas —

 

linhas em

trompe l'oeil

 

porque

sempre

 

os seus

limites

 

são ocos

de porvir

 

 

 

7

 

Ocorre, às

vezes, um

 

galope de

inverno

 

um rasgo

de dia

 

na noite —

num tema

livre de

 

ser salvo

 

 

 

8

 

Uma ausência —

outr ocelo d

 

expressar-se 

 

 

 

 

BIBLIOTECA VERMELHA Nº 2

 

                        a Laurie Simmons

 

Nem cabe mudá-lo de lugar. Na cela monacal em que, à noite, a biblioteca se transforma, ele não reclama, embora sua coluna até se canse, naquela pose ascética, de quem aguarda que abram a porta e o surpreendam, alojado e sonolento, à esquerda dos que entram.

É tão vasta a mudez do recinto que chegam a esquecê-lo. Suas listras se arrepiam, de modo a parecerem o que não são. Se isso, porém, não preocupa, é melhor ter prudência. Talvez colocá-lo à frente. Quem sabe afagá-lo um pouco. Insuflá-lo com um spot atravessado.

 

 

 

 

 

HORÓSCOPO

 

                    a Marcel Jean

 

Somos forças que promovem a vida. Ninguém se importa, é claro, com isso. O mundo não se revela, mesmo assim.

Sem rumo definido, cada segundo é um divertimento, um plano-sequência, uma sereia, um vulcão, uma máscara boa.

A chuva dita rudezas a quem passa. As superfícies tendem a trincar. Uma mosca se esconde entre as ruínas.

 

(imagem ©índigo)

 

 

Jorge Lucio de Campos (Rio de Janeiro, 1958). Professor de Filosofia, Arte e Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), publicou, como ensaísta, Do simbólico ao virtual (Perspectiva, 1990) e A vertigem da maneira (Revan, 2002) e, como poeta, Arcangelo (EdUERJ, 1991), Speculum (EdUERJ, 1993), Belveder (Diadorim, 1994), A dor da linguagem (7Letras, 1996), À maneira negra (7Letras, 1997) e Prática do azul (Lumme, 2009).