UM OUTRO LUGAR

 

quero

uma vida onde o embaraço silencie

o disfarce

onde a confissão discuta as trevas

 

não quero a afinação das mágoas

quero questões sim

que desalinhem

 

 

 

 

 

 

REFLEXO

 

escrevo no afã

de reter o desamparo

solitária busca

sedução

 

o rio em que escrevo

me espelha como um retrato

no liso plano do papel

 

sou atrasada

não interpreto mancha borra fluído

todo sentido corre

oprimido nas veias

 

 

 

 

 

 

INVENTAÇÃO

 

volto em lembranças outras

nado à volta

tudo é vulto

marca de ausência

sob o sol

 

o livro na esteira

a silhueta do corpo

desapontamentos

à beira

 

murmúrios de oceano raivoso sereno selvagem rumoroso

mordem a maré cheia

 

areia lavada

desmemoriada

não é testemunho

 

nada

 

 

 

 

 

 

VOLTA E MEIA

 

saudade dói até de coisa boa

ecoa ecoa

em cada canto da cabeça

pelo corpo afora

dura

zune

não cura

dor que dói escondida

doída espandida

dor bandida rói

o coração

 

volta e meia passa volta

vai volta

 

saudade nunca parte

nunca sai

saudade nasce daquilo que foi

e não vai

 

 

 
 
 

GATO

 

o amor é como um gato

comedido

seduz ronronando

armadilha bote

aconchego mito

 

por isso desperta

grito

 

 

 

 

 

 

INSUFICIENTE

 

seco timbre de palavra 

roubo de atenção

miserável

 

no fundo da boca

farejam enterradas

variações e debates

 

uma mulher adulta

conhece sol fervente

cores outonais

 

uma mulher madura

é ausente de florações

nascentes

 

uma mulher madura

é feita de invernos

 

Uma mulher madura

inverna

 

 

 

 

 

 

EXPECTATIVA

 

o dia da viagem amanhece

malas modelam roupas macias

ajeitam nos cantos echarpes

e uma segunda pele

 

despreparada sempre

duvido da competência

dos sapatos e da idade

um frio se imiscui por entre as saias

distraindo a mente com cerzidos

 

na travessia oceanos revelam

espaços flutuantes

mapas modeláveis fontes

oscila vez que outra

a paisagem esperançada

 

novidades livres de memória

estão na ponte

no hotel

 

a fronteira da língua?

portas de coragem

 

somos a chegada do que foge

somos nós a terra estrangeira

 

 

 

[Poemas do livro Água passante. Porto Alegre: Território das Artes Editora, 2009]

 
 

 

 

 

(imagens ©ferran)

 

 

 

  

 

Liana Timm (Porto Alegre/RS). Poeta, artista plástica multimídia, atualmente dedicando-se à arte digital e videoarte, arquiteta e designer. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS. 24 livros publicados de arte e poesia. Títulos de poesia: Amenas inferências (1986), Estados empíricos (1989), Misturas principais (1992), Arte que te quero arte (1992), Trilogia do indizível (1997), Água passante (2009). Seus poemas geralmente são levados ao palco em montagens especiais e vídeos arte. Em coautoria (seleção): Quintana dos 8 aos 80 (1986), Faróis da solidão (1988), Olhar estrangeiro: New York (2007), Arca de impurezas (2008). 65 exposições individuais, entre elas MARGS/RS, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Centro Cultural Correios/ RJ, Fundação Cultural do Distrito Federal/Brasília, Memorial da América Latina/SP, Museu Brasileiro da Escultura/SP, Espaço Cultural Citi/SP. 112 coletivas, 14 prêmios recebidos, entre eles:1982 - Prêmio Aquisição IV Mostra do Desenho Brasileiro - Curitiba/PR ; 1991 - Prêmio MARGS de Comunicação Visual 1ª Bienal de Arquitetura/POA/RS; 1994 - Prêmio Personalidade Cultural do Ano, Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa/POA/RS; 2002 - Medalha Cidade de Porto Alegre - Prefeitura Municipal de Porto Alegre; 2004 - Prêmio SEBRAE RS "O artesanato conquistando o ambiente", com o espaço "As dimensões da casa"; 2008 - Título de "Cidadão de Porto Alegre" - Câmara dos Vereadores - Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Várias atuações em causas coletivas e associações de classe como o Movimento Gaúcho em Defesa da Cultura, Associação Chico Lisboa, AssociaçãoBrasileira de Semiótica - Regional Sul. Atualmente, é Diretora Cultural do Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano. Mais em seu site: www.timm.art.br