Pessoas e Esquinas

 

Pessoas e Esquinas

há em todo canto

todo lugar

em todo mundo;

 

Até na cidade que traz apenas

a rua de entrada

e a rua da saída.

Mas em algum momento

elas se cruzam

na praça ou no mato.

 

Sêmen cai na terra fértil,

Floresce a loucura.

 

Mulheres e Ruas

estão por aí

escolhem a quem vão dar

sua ternura.

 

Muito mais do que homens;

A Natureza sabe quem faz mais falta.

 

 

 

 

 

 

Envelhecer

 

A dor não é pelo que você já foi um dia.

A dor é pelo o que você nunca mais jamais será...

 

 

 

 

 

 

*

 

O tempo é um carrasco

medonho e afetuoso.

Corrói o corpo

lasciva e lentamente,

enquanto depura o espírito

afrouxando-lhes as amarras

do Inconsciente.

 

Faz a língua lamber o suor

que nasce na nuca

escorre pela espinha

até morrer extenuado

e arfante

na úmida fogueira.

 

Atiremo-nos, pois, à fogueira!

 

 

 

 

 

 

A MÁRTIR OU AMAR-TE?

 

SE MIL VIDAS EU TIVESSE

MIL VIDAS EU NÃO DARIA.

 

SÓ DARIA, DARIA, DARIA

DARIA...

 

 

 

 

 

 

*

 

Tem gente que põe sentido no Tempo

bem na hora que já não dá mais tempo

pra fingir que não existe Tempo.

 

A alegria caminha triste.

 

Hoje não é dia de falar de sapo

que não sabe

ou não pode aprender a voar.

 

Hoje é dia de anoitecer bem cedo

pra não lembrar

de tudo que se perdeu

desintegrou no ar.

 

O vento soprou forte a semente

pra depois das montanhas

E talvez nunca chegue até o Mar.

 

Hoje aprendi que voar é preciso

Navegar, pode ser,

Mas Viver é ainda muito mais.

 

Põe sentido em mim

Que também vai .

 

 

 

 

 

 

*

 

Meu coração é um oásis no deserto.

 

Às vezes, há amor de verdade

Mas, quase sempre,

Nem chega à Miragem.

 

A MORTE ANTECEDE A ILUSÃO.

 

Calor que congela na noite

Ruidosa e trêmula

Rangem-se os dentes

Propagam-se ecos de gemidos sem Memória

Na areia fumegante e cristalina.

 

Gelo seco também evapora

Nas madrugadas quentes ou frias

Não importa a estação.

 

 

 

 

 

 

*

 

Eu não canto porque o instante existe.

Porque existo eu canto

Neste instante.

 

E tenho fome de Vida!

 

Me lambuzar, deixar escorrer

Me encharcar

Transbordar...

 

Espargir pelo chão da sala, da cozinha

Da varanda

 

No banco da praça

Em uma bela manhã de outono,

No estacionamento dentro do carro

Ouvindo Nina Simone

Louvar a música e a fragilidade humana

I put a Spell on you

 

 

 

 

 

 

O Mundo cabe no Universo da Cidade?

 

O poeta Maior e Imortal

Disse que o Mundo é grande

E cabe na janela

que dá para o mar, a beleza,

O Amor

O colchão para amar...

 

O cientista Brilhante e Imóvel

Disse que o Universo é sem fim:

Não deve ficar retido em uma casca de noz.

 

Mas e se fosse dentro de nós?

 

Sinto o Mundo constipado de pessoas ocas

Sem o sumo das jabuticabas

Exibindo suas etiquetas

E códigos de barra.

 

Sentimentos impuros

Hemorróidas sangram

Deixam sem voz

Aprisionam a cidade

Em uma estufa.

 

É lixo por todo lado!

 

Sobretudo pelo lado de dentro.

 

 

 

 

 

 

*

 

Sempre tive fascínio em querer ser borboleta.

 

Precisei de quase toda uma vida para aprender

Respeitar e admirar a lagarta.

 

Não é nada fácil construir um casulo

Para se abrigar, se proteger

Evoluir

Transmutar-se

Morrer para irromper...

 

Abrir mão da própria vida

Para que outro Ser

Assuma a sua existência,

Doando-lhe o espaço e o tempo.

 

Sem a lagarta,

A borboleta jamais poderia criar suas asas

Para voar...

 

Deve ser por isso, então,que  ela seja tão efêmera

Dura menos de um dia

Porque a alma que se entregou por ela,

Abdicou de si mesma para que esta pudesse existir

Já se foi...

Ficou apenas o rastro da sua imensa generosidade para que todos possam cultuar e aprender.

 

 

Hoje aprendi que borboletas são apenas o rastro da imensa generosidade das lagartas.

 

 

(imagem@ kamil vojnar)

 

Lou Albergaria (Ponte Nova/MG, 1969). Escritora, formada em Economia. Autora do livro Pessoas e Esquinas. Vive em Belo Horizonte. Edita o blogue Vago(o)Risco.