Jovino Machado - A geração de Drummond saiu de Minas com os poderosos. A geração de Fernando Sabino, com as filhas dos poderosos. A terceira geração saiu com uma mão na frente e outra no coração. Como foi a sua saída para trabalhar fora das montanhas de Minas Gerais?

 

Humberto Werneck - Saí em maio de 1970 — como tantos outros, antes e depois de mim, porque o mercado de trabalho para jornalistas era nulo e muito abafado o panorama moral. Quatro décadas mais tarde, reconheço humildemente que as coisas melhoraram muito em Belo Horizonte depois que eu saí...

 

 

JM -  Você é do tempo da máquina de escrever. Hoje a velocidade do mundo é outra. O que mudou no jornalismo depois da internet?

 

HW - O jornalismo ganhou em velocidade e possibilidade de pesquisa. Mas a internet favoreceu também os preguiçosos que engordam no fundo das redações, esquecidos de que sem boa reportagem não há jornalismo digno desse nome. O que tem de gente "apurando" matéria no Google não é normal. Que tal darmos a um deles o próximo Prêmio Esso de Reportagem?

 

 

JM -  O fantasma de Ovalle vai te perseguir para sempre e você está condenado até o fim da  vida a falar dele. Conte para os leitores quem foi Jaime Ovalle.

 

HW - Um ser excepcional, um enorme artista, repleto de arte — música e poesia, sobretudo — mas, tragicamente, sem os meios para botar essa arte para fora.

 

 

JM -  Tem algum fato curioso sobre Ovalle que ficou de fora do livro?

 

HW - Algo que eu soubesse e não tenha posto n'O Santo Sujo? Claro que não. Que tenha sabido depois? Três ou quatro historinhas supervenientes, saídas da toca por causa do livro, e que vou incluir numa segunda edição.

 

 

JM -  Quais as semelhanças e diferenças entre Jaime Ovalle e Humberto Werneck?

 

HW - Semelhança? Nenhuma. Não existe alguém como Ovalle. Diferença? Em quase tudo.

 

 

JM - Quais são seus filmes preferidos?

 

HW - Amarcord, Cidadão Kane, Nós que nos amávamos tanto — e mais aquelas dezenas que não tenho espaço para enumerar aqui.

 

 

JM - Quais são seus compositores preferidos?

 

HW - Imaginemos que o limite seja um time de futebol, escalado em ordem alfabética: Bach, Caetano, Cartola, Chico, Cole Porter, Debussy, Gil, Irving Berlin, Mozart, Nelson Cavaquinho e Noel. E um monte de maravilhosos reservas.

 

 

JM - Quais são os seus livros preferidos?

 

HW - Vou citar um apenas, literalmente na minha cabeceira desde os meus remotos 20 anos: Cadernos de João, de Aníbal Machado.

 

 

JM - Como foi a sua convivência com o Fernando Sabino?

 

HW - Mais telefônica — Fernando era um ser telefônico — do que de corpo presente, ao longo de quase 30 anos. Por todas as razões, era ele quem falava mais, e falava torrencialmente...

 

 

JM - Cite três coisas que te dão muito prazer nesta vida.

 

HW - Roda pequena de amigos e amigas. Vinho tinto. Ajeitar o travesseiro e cair no sono.

 

 

JM - Cite 3 coisas que você detesta.

 

HW - Burrice. Pedantismo. Desonestidade. Não é raro, aliás, essas três coisas virem juntas.

 

 

JM - O autor d'O Desatino da Rapaziada acha que a rapaziada de hoje está produzindo coisas boas? O que tem de bom produzido no Brasil hoje por escritores, cineastas, músicos e diretores de teatro?

 

HW - Certamente que está. Um nome entre muitos: o diretor de cinema Karin Aïnouz.

 

 

JM - Quem são os bons jornalistas que atuam hoje no Brasil?

 

HW - Também aqui, um nome entre muitos: o extraordinário repórter Luiz Maklouf Carvalho, atualmente na revista "Piauí".

 

 

JM - O que acha da mídia de modo geral e da dificuldade de vender livro no Brasil?

 

HW - A dificuldade de vender livro já foi maior. E a mídia, montada em tecnologias cada vez mais avançadas, frequentemente embaralha os canais, por incompetência e/ou má fé — e, como em outros tempos, vende como informação o que é opinião ou mesmo propaganda. 

 

 

JM - Gosta de futebol? Para que time torce? O que acha do futebol atual no Brasil e no mundo?

 

HW - Sou cruzeirense, apaixonadamente, desde o tempo em que o Cruzeiro não ganhava nada. Acompanho, vibro, sofro. Mas é como contei numa crônica: não sei distinguir um córner de um escanteio.

 

 

JM - Por que acabou a crítica literária nos jornais que hoje sobrevive apenas na universidade e em alguns poucos suplementos?

 

HW - Em parte, porque a literatura deixou de ser o grande eixo da cultura e teve que dividir o espaço com outras manifestações artísticas. Em parte, também, porque o jornal de informação geral talvez não deva mesmo ser o espaço da crítica literária. O que é justo esperar dele são boas resenhas. Já estaria ótimo se fosse assim.  

 

 

JM - Um escritor precisa sair de Minas hoje para fazer sucesso?

 

HW - O panorama melhorou bastante, benza Deus. Aí estão o Bartolomeu Campos Queiroz, o Affonso Ávila, o Luiz Vilela.

 

 

JM - Por que os jornais de Minas não têm prestígio nacional?

 

HW - Mas qual jornal, fora do eixo Rio-SP, tem prestígio nacional?

 

 

JM - Conte algum fato curioso sobre os mineiros Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Otto Lara Rezende e Paulo Mendes Campos.

 

HW - Aquela história que eles gostavam de contar: eram quatro, mas raramente se encontravam au grand complet. Em geral eram três, a falar mal do ausente...

 

 

JM - Que livro levaria para uma ilha deserta?

 

HW - Um manual de sobrevivência em ilhas desertas.

 

 
 
dezembro, 2010
 
 
 
 
Humberto Werneck (Belo Horizonte/MG, 1945). Jornalista e escritor. Vive em São Paulo desde 1970. Free lancer desde 2001, trabalhou, entre outras publicações, nas revistas Veja, IstoÉ, Elle e Playboy, no Jornal da Tarde e no Jornal do Brasil. Publicou O espalhador de passarinhos & Outras crônicas (2010), O pai dos burros — Dicionário de lugares-comuns e frases feitas (2009), O santo sujo — A vida de Jayme Ovalle (2008, prêmios APCA e Jabuti), Chico Buarque — Tantas palavras (2006), Pequenos fantasmas (contos, 2005) e O desatino da rapaziada (1992), entre outros livros. Cronista do Estadão — escreve no caderno Metrópole/Cidades, que circula aos domingos —, organizou, nesse gênero, os livros Melhores Crônicas de Ivan Angelo (2007) e Boa Companhia: Crônicas (2005). É cronista, também, do site www.vidabreve.com, de Curitiba.
 
 
 
 

Jovino Machado (Formiga/MG, 1963). Poeta. Graduado em Letras (UFMG). Publicou, entre outros, Trint'anos proust'anos (Mazza edições, 1995), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002), Fratura Exposta (Anome Livros, 2005), Meu bar, meu lar (Editora Couber Artístico, 2009) e Cor de cadáver (Anome Livros, 2009). Vive em Belo Horizonte.

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