Ela tem como referências Carmen Miranda, Dolores Duran, Edith Piaf, Elba Ramalho e Jane Duboc. Essa é a brasiliense Lidi Satier, cidadã do mundo. Mudou-se para a Holanda, onde começou a desenvolver um estilo de canto voltado para a excelência cênica. Compositora de qualidade inquestionável, Lidi apresentou-se em diversos países da Europa, obtendo elogios por onde esteve. Em 2010, mudou-se novamente de país. Foi para ainda mais longe: Hong Kong, China. Recentemente, se apresentou em Brasília nas comemorações dos 50 anos da capital. O espetáculo foi registrado em vídeo e circula pelo YouTube [http://www.youtube.com/watch?v=Xzbt2U4vw4o]. Dona de uma voz afinada, Lidi Satier tem se revelado, também, grande letrista. Nesta entrevista, ela conta como foi seu encontro com a música, fala de suas influências, sua paixão pela arte. Lidi Satier é o som e a cor brasileira passeando por um mundo que, com certeza, para ela, é bem menor do que o mundo dos mortais comuns. [Antonio Siqueira]

 

 

 

 

 

 

Antonio Siqueira - O que trouxe Lidi Satier para o universo da música?

 

Lidi Satier - Sempre estive envolvida com alguma forma de arte, mas o momento crucial que me levou para a música foi quando achei em casa uma fita cassete com o Quebra-nozes, no lado A, e a Pastoral de Beethoven, no B. Depois de ouvir, soube que sempre estaria ligada à musica de alguma forma, seja dançando no palco, tocando, cantando ou criando. Eu tinha uns 8 anos de idade.

 

 

AS - Você é bailarina clássica. Fez parte de algum grupo de dança?

 

LS - Sim, sou bailarina clássica. Ao contrário de outras capitais brasileiras, Brasília não oferecia, e ainda não oferece, diplomação oficial pública em dança clássica (apenas um estúdio em Brasília pode emitir um diploma do MEC, mas é uma escola particular). Durante muitos anos dancei em alguns dos estúdios de dança clássica mais importantes da cidade, mas por vários motivos precisei abandonar a dança clássica.

 

 

AS - Como é a relação do povo holandês com a musica e o musicista brasileiro? Há uma aceitação do povo europeu em geral a artistas brasileiros que não estejam nas graças da mídia?

 

LS - Na Holanda a música brasileira ainda não é tão popular quanto na França, por exemplo. Aqui, a música latina muitas vezes é jogada num balaio só. E a gente leva numa boa, porque não dá mesmo pra querer que um povo que, notadamente, possui pouquíssima tradição rítmica consiga distinguir salsa de samba, rumba de frevo. Há um circuito cultural alternativo muito grande por aqui, e estar na mídia ou não acaba fazendo muito pouca diferença. É obvio que artistas como a Ivete Sangalo lotam casas de espetáculo, mas isso se deve mais à gritante preferência do público holandês por músicas mais animadas. Nesses 6 anos em que moro aqui, este país sempre me deu mais público para samba do que para bossa-nova. Até em restaurante eles preferem uma música com mais "pegada". Costumo dizer que, aqui, o povo gosta de comer enquanto o batera tá moendo tudo.

 

Em tempo: claro que é difícil para um artista fora da mídia tocar nos grandes festivais daqui. Agora teremos o North Sea Jazz Festival. Lá, artistas como Vanessa Pinheiro, Duo 13 e muitos outros artistas excelentes, que estão na estrada há anos, realmente não entram. Nesta edição do festival o Caetano Veloso vai tocar e Lidi Satier vai assistir.

 

 

AS - E suas influencias, Lidi?  O que forjou essa intérprete tão versátil?

 

LS - Meu trabalho certamente é voltado para palco. Isso tem a ver com minha formação em dança, naturalmente. Por isso, minhas primeiras influências vêm de artistas que são grandes mestres do palco, com grande domínio físico e interpretativo. Pra começar, Clara Nunes que, além da voz, tinha os braços mais harmônicos que qualquer bailarina poderia querer, sem contar sua doçura até ao interpretar as canções mais tristes. Era uma deusa do palco e sabia usar acessórios cênicos como ninguém. Depois, Maria Bethânia, que canta com o corpo inteiro. Quando ela entra, parece que o mundo se acabou em Maria Bethania, ela tá pra lá do armagedon. Depois, Ney Matogrosso, que é "O" grande mestre dos palcos e que, além disso, é de vanguarda, não envelhece nunca. E, claro, Carmen Miranda, que deveríamos estudar na escola primária como parte da história desse país. Bem, aí vêm os clássicos: Edith Piaf, Jacques Brel, Amalia Rodrigues, Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Nubia Lafayette. E em relação à história mais recente da música brasileira, como boa mineira, tenho todos os representantes da música mineira como referência, com destaque para o som pesado de Cláudio Venturini, que me levou a tocar guitarra. E não posso deixar de falar de uma das maiores influências da minha vida e carreira: a cantora Vanessa Pinheiro.

 

Hoje, estudo a Jane Duboc, que é uma grandiosa cantora, mas infelizmente não é reconhecida como deveria no Brasil.

 

 

AS - Sou louco pela Edith Piaf e você, nos palcos, nos remete, sem dúvida, a essa atmosfera. Esses shows realizados em Brasília se sucederão fora do Brasil?

 

LS - Sem dúvida, mas com outro tipo de aproveitamento cênico. Agora estou gravando meu primeiro CD, que tem como propósito primário falar sobre alguns dos dramas femininos. A história de pano de fundo passa pela questão do tráfico internacional de mulheres. O show tem, portanto, esse tipo de clima permeando todo o roteiro.

 

Em cada país teremos que fazer adaptações, não para regionalizar o show, mas para torná-lo mais inteligível ou mesmo factível para o público local.

 

 

AS - Você irá lançar um CD que promete ser muito bom. Fale um pouco desse trabalho.

 

LS - Atualmente tenho trabalhado com afinco com dois grandes compositores brasileiros. A primeira é Vanessa Pinheiro, que além de ser a grande cantora e compositora que todos conhecem, é também minha amiga-irmã e parceira de vida e estrada. Vanessa é muito versátil em ritmos brasileiros, e juntas estamos compondo o que virá a ser o corpo mais denso do CD. Nossas composições contam com uma grande variedade de estilos, o que é muito interessante não só para o mercado brasileiro, mas para o mercado mundial. O segundo compositor é o jovem Tuca Oliveira, um diamante que encontrei graças ao amigo Igor Sebastian, da banda Nave de Prata. Tuca tem toda a força e empolgação da juventude e compõe em muitos estilos, o que leva nosso trabalho sempre pra frente. Esse trabalho também terá composições somente minhas, talvez, outras parcerias e algumas poucas regravações. Estou confiante de que o resultado final será um CD intenso.

 

 

 

 

 

setembro, 2010
 
 
 
 

Lidi Satier (Brasília/DF), atualmente, está radicada em Hong Kong, China. Morou por cinco anos em Roterdã, Holanda, onde atuou como cantora, letrista e diretora de palco. Estudou técnica vocal com diversos professores da Escola de Música de Brasília e do Conservatório de Dança e Música de Roterdã. Além de se apresentar, produzir e co-produzir shows em diversas casas de espetáculo no Brasil, Portugal, Holanda, Bélgica e Alemanha, também atua como letrista junto a compositores conhecidos do público brasileiro, como Vanessa Pinheiro (DF), Alexandre Leal (DF) e Tuca Oliveira (MG). Após anos de aprimoramento de um estilo exclusivamente cênico, Lidi inicia agora a gravação de seu primeiro CD, produzido pelo respeitado baixista e arranjador Hamilton Pinheiro. No repertório, a cantora vai da bossa ao jazz, passando pelo tango, pelas canções francesas, pelo blues e pela música mineira. Para ouvi-la clique aqui. Escreve o blogue Lidi Satier.

 
 
 
 
 
Antonio Siqueira (RJ/RJ - 1968). Pesquisador e crítico musical, cronista, músico e comentarista da Rádio STUDIO F.M. em Campo Grande-RJ. Escreve o blogue Arte Vital.