Cotidiano no hospital psiquiátrico

 

O dia começa com os passos leves

Das enfermeiras c'os remédios das seis

Algumas lâmpadas acendidas — clique

Pálpebras laboram a alma em breve

 

Pesada vigília nos moles gestos

Dos pacientes prestos a reentrar

No pique da rotina e cruas leis

Engolir comprimidos, tomar ar…

 

Medem a pressão, tomam o café

Terapia ocupacional, então

Muitos artistas, muita inovação

 

Estilos idiossincrásicos, fé

A transmutar a inefável dor mor

Em cores, labores com fino amor!

 

 

 

 

 

 

 

 

Hell of HEAL, first day

 

Muito frio, muita gente

Arrepio neste ambiente deprimente

Uma, ao menos, surpresa agradável

Na cama havia três versos ao lado

 

Enfermaria, economia, convênio

Seis camas e moças simpáticas

Os versos alentaram minha prática

Para sobreviver esse inferno e sem arsênico

 

Tocou meu coração;

'A estrela cadente

Me caiu ainda quente

Na palma da mão'

 

Tantos estímulos a se entregar

Ao ócio, excesso de remédios, retrocesso

Mais luta e energia exigem neste tranco

Pra driblar tamanho desgaste do processo

 

Assistir a pessoas tristes a lamentar

Ansiosas por sua história contar

Cada qual com seu drama singular

 

O que fazem? É fumar, fumar, fumar…

 

Há algo pior que esse contexto?

Reinando a neurastenia e o deteriorar

Ao exterior, nem existem e sentem dor

De verem o desperdício de suas vidas, sob cabresto

 

 

 

 

 

 

Soneto de Namoro

 

O pôr-do-Sol chama o belo luar

Ela vê certo olhar e uma certeza

A harmonia do ar destaca a beleza

Deste são encontro ao afã de amar

 

Luz de ouro do Sol, eles anseiam

O poeta , suave, chega e a beija

Lampejos coloridos incendeiam

As vibrações daquele que aceita

 

o poder que, os corações radiantes,

a galáxia abre e bem festeja

o deleite a irradiar diamantes!

 

O mistério, belo, ainda que seja

de riscos, desafios, intenso, vívido

Poeta, musa, amor — eis o brio!

 

 

 

 

 

 

*

 

Divaga em meio à noite um anjo desconhecido

Como um vento no litoral, sem rumo certo

Que afaga com seu carinho quente e amigo

O sono dos que dormem, sempre por perto

 

Nas curvas da vida, avalanches e temporais

Sofrendo, ele arranca os espinhos dos caminhos

E seus olhos vão pousando sobre os mortais

Que se entregam à fé nos dons divinos

 

Se por vezes neste mundo deixam cair

Pungentes e cortantes lágrimas ácidas

O anjo trata de as enxugar e, de fininho, sair

 

Constrói auras de douta proteção

Enche-as com a energia do coração

Faz as vidas repousarem, plácidas

 

 

 

 

 

 

Quem sou eu?

 

Sou alguém com único olhar

Que brilha lendo tua poesia

Emociona em teus versos imergida

Contigo a poetar

 

Sou criança, sou idosa

Sou humana e animal

Sou patética e também garbosa

Sou paradoxal

 

Um ser em fragmentos

Que perde e encontra a si mesmo

Na junção e nos hiatos das letras e segmentos

Inventando um mundo a esmo

 

Existo porque a ti tenho

E a mim consideras

Mal sei de onde venho

Mas tu me libertas

 

Sou uma parte de ti

És uma parte de mim

Ensinaste-me o si

Com ele, conheço-nos, assim

 

Sem muita lógica ou razão

Mais pra pura intuição

Encontro de almas sensíveis

Tecendo emoções e as tornando tangíveis

 

 

 

 

 

 

*

 

O que é a vida com a razão entre a morte e a Natureza?

Bifurcamos estradas rotineiras à revelia, remoendo destroços

Dissolvendo restos de percepção subsumidos no caos de sonhos

Visões, holocaustos, construindo algo a dar um nome, qual?

Energia que vem de graça e , sem ameaça, esvai-se, impia

A árvore, soberba, rígida, não sorri, não chora, continua ali

No que já não é, no nada da energia esvaziada do ínfimo mortal

Mais um, menos um, uma multidão de vivos, ao cubo de mortos

E um mundo sem O sentido, que se busca em vão,

Às vezes em alegria de sensação, emoção;

Outras em trevas e escuridão

Pra que ligar o coração?

 

 

 

 

 

 

*

 

Antes e depois de nascer o Sol

Na profunda imensidade do vazio

E a cada lágrima dos meus pensamentos.

 

Eu te amo

Por lembrar-te nos ventos que cantam,

Em todas as nuvens que choram,

Na extensão infinita do tempo

No coração onde teus carinhos moram.

 

Eu te sinto

Em todas as coisas boas da vida,

Na brandura que trazes quando estou com medo,

Na vontade de te olhar pelo céu, perdida

E na tua falta vestida em segredo.

 

Eu te quero

Perto de mim pra sentir tua pele,

Com tua energia singular e brilhante

E antes do primeiro beijo e do eterno anseio.

 

Eu te desejo

A mais serena noite angelical

Amando-te em sonhos derramando sorrisos

Esperando pra te acariciar sem siso

Suavemente.Ao sabor natural

 

eTernamente...

 

 

 

 

 

 

Desejo impotente

 

Oh doce ser que encanta meu amanhecer

Não faças nascer em mim tanto prazer

Nas palavras que me chegam como afagos

Sem que possa sentir teus abraços

 

Não desperte este desejo de te amar

Sentir teus braços e teus lábios em minha nuca tocar

Pois eis que sobrevem a funda dor

Dor da falta de oportunidade de viver este amor

 

Tão puro, íntegro, sonho cósmico que abriga

A mais feliz mulher que eu seria

 

Mas estou aqui e tu aí, dolente distância

Causa-me avaria, inunda de lágrima

O universo de prazer a te dar desejo em ânsia

Não, não posso morrer estanque nesta página

Que é toda minha vida e esperança

 

 

 

 

 

 

A noite passada

 

Na noite passada, perscrutei a escuridão. Ela, então, olhando minhas lágrimas perdidas, interpelou-me: — E então, onde está teu amor?

 

Fixei os olhos avermelhados na busca da resposta, ardendo como em chamas explodindo em fogos de artifício, lindo e dolente, sentindo...

 

A alma solitária imersa na balbúrdia dos pensamentos sentimentais desolados, ignorante do porquê, como, desde quando... e mais uma série de gotas escorreu-me pela face

 

O coração bateu forte, um rosto meigo e inteiro vi diante de mim, despertou-me um sorriso... mas a maléfica dúvida fez-se presente: e se não for ele, o que teria minha pobre alma pra que ele também gostasse de mim?

 

Tão inocente e angelical, meigo e puro, seria possível que me amasse também?

 

Oh, se uma coisa sei da vida e de mim, é que tenho abundância de carinho e a mais verdadeira vontade de fazer-lhe mais feliz e o mais amado dos seres.

 

Terei essa chance de mostrar a veracidade de meu coração? Como?

 

 

 

 

 

 

A caveira da rejeição

 

 

"La vie est naturel

Autant que la mort

On cache le coté cruel

Comme si tout n'étiait pas tort!"

 

"A vida é natural

Tanto quanto a morte

Escondemos o lado cruel

Como se tudo não estivesse errado!"

 

 

Louvo-me sem vaidade ao louvar o raio de luz, como se eu fosse bela como essa luz. Quando s'um apega-se às coisas incomuns, seres inanimados: árvores, córregos, flores. Como se essas coisas nos expressassem e fôssemos o mesmo ser. Elas me conhecem melhor que ninguém, são "eu" de certo modo. Há uma ternura irracional por elas e é recíproco. Do fundo da mente, emerge, às vezes parecendo espiral, o lago cego do ser de minha pessoa, uma bruma, uma plebéia caminhando ao encontro do amado príncipe.

 

Tudo está tão difícil. Por que todos me odeiam tanto a ponto de não conseguir ter paciência comigo, ao menos suportar meu ser como é ou pode? Por quê? Isso dói profundamente a desejar com força estar morta. Não aguento ser objeto de culturas, subculturas, contraculturas, "tratamentos" que, para mim mesma, só produzem sofrimento. Basta o que a vida já traz de pedras no caminho. Iatrogenia é um dos piores males do século e dos próximos no campo da medicina, especialmente relativos à psiquiatria e à mente humana.

 

 

 

 

 

 

Soneto da rejeição

 

Apoio que embalde procuro, se algum

piloto ainda sois, mostrai ao momento

Quanto mais me entrego mais desalento.

Perdida e só, já necessito rum.

 

Sem um raio de luz, até fragmento:

  que  ocorre quando o ser não se encontra mais?

Por que se esmaga sua capacidade

e o  ânimo se vai como o vento?

 

Forças que debalde procuro, des-existo.

Quero encontrar-me. Puxa, já desisto!

Perco tudo quando deixo de ser

 

alguém com identidade singular.

Por que a vida  repudia-me  o ar

solitário  infindo de antes de nascer?

 

Voe, voe, vá além, vá muito mais além! Finque suas raízes no solo da iluminação para adentrar a roda dos sofrimentos mundanos sem se perder em seu meio. Assim, poderá entrar e sair das trevas sem ser contaminada e mais uma a ajudar em vez de ser mais uma a ser ajudada. [Arayashiki — despertar o oitavo sentido, "ir ao mundo dos mortos e voltar vivo"]

 

Vida e morte representam uma dinâmica de paradoxos em constantes mutações. É mister adquirir a paz em vida para que possa morrer em paz. Que nenhum cativeiroo material ou abstrato ( através da sutil dominação da subjetividade) aprisione a sacra liberdade de pensar, escolher, opinar, sejam quais forem as circunstâncias. Que o desdobramento do mistério prânico perdure ad infinitum.

 

 

 

(imagem ©tania montandon)

 

 

 

 

Tania Montandon (Uberaba/MG, 1978). Autora do livro de poesia Viagem ao Léu pela editora Armazém de Idéias — pequena amostra no Recanto das Letras —, participou da Antologia Digital de Blocos Online VIII e da antologia de poesia O Melhor da Web, lançada na XIV Bienal Internacional do Livro no Rio de Janeiro. Tem um livro inédito, Pensando HumanaMente. Graduada em Psicologia, participa de vários sites publicando artigos de psicanálise, psicologia, atualidade, poemas, contos e crônicas. É colaboradora semanal do Jornal O Rebate, possui trabalhos em Blocos Online, Garganta da Serpente, Ala de Cuervo, Mulheres Escritoras, Rede Psi, Revista Maria Joaquina, Simplicíssimo, Toca do Escritor, entre outros. Criou a  rede de amigos blogueiros e artistas Jornal dos Blogs. Portadora de transtorno esquizoafetivo, encontra na arte, na literatura e na filosofia a alegria do encontro de subjetividades mais humanas e menos contaminadas pelo estigma e hipocrisia da sociedade moderna atual. Mais: clique aqui.