©umkle
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Estivera chorando. Não havia dúvida de que estivera chorando. A primeira lágrima marcou-lhe o curso pelo rosto, de modo que posso notar seu rastro ainda agora. O primeiro soluço, doído, aliviou. O segundo, doeu. Vê-se tudo neste rosto que ora dorme, tranquilo. Não acordará tão breve, porém, do mau sonho — que apenas se inicia. Paciência. A paciência, sim, é que mata pesadelos.

Passara tanto tempo vendo-o diariamente, ouvindo-o cotidiano, sentindo-lhe o cheiro comum de todos os dias. E agora estava partindo. Poderia ser amanhã. Poderia ser hoje, agora. Mas não poderia ser para sempre. Quem ouve, escuta, quem vê lembra, quem sente o cheiro daquilo que ama, não esquece. Estava partindo. Não era para sempre. É o que basta.

Melão maduro, café fresco, manhã de sol. O ar é azul onde não é vermelho. E de todas as cores onde não há cores. Transparência. A vida tornou-se transparente. Curou a hérnia, parou de beber e os pulmões agora só têm o vício do perfume da manhã. Doce. Melão maduro, café fresco.

Deus deu-lhe a terra, e ele invejou o mar. Deu-lhe o céu, e ele invejou o mundo. Ainda bem que o mundo é maior que o homem. [Mas Deus é mão-aberta demais.]

 

 

 
março, 2011