©patrick taberna
 
 
 
 
 
 
 

 

 

na mesa ao lado, duas senhoras bastante idosas lamentavam-se da idade, do "tempo que passou", do que se fora e não poderia voltar... tristes, desalentadas, acabrunhadas, quase chorosas. tudo a propósito de um filme que tinham acabado de assistir — do qual eu esperava a próxima sessão. adoro esse tipo de filme, que trata de passado, presente e futuro, ainda mais, como esse, baseado em obra literária de grande autor, dos meus preferidos, e realizado por cineasta que considero o mais instigante da atualidade.

 

entre lamúrias e saudades, elas sonhavam; sim, sonhavam com a vida (bem ou mal, não sei) vivida e com a esperança (utópica), sei, de retomá-la.

 

sorri-lhes e tentei ser amável, com absoluta sinceridade, porém. lancei-lhes o que a meu juízo seria um afago, minha própria imagem física, nos cabelos brancos, nas rugas faciais, no corpo arqueado, de tantos anos vividos e vidas experimentadas.

 

sorriram-me, talvez por cortesia — ou por solidariedade, por identificação. creio as ter de certo modo confortado.

 

em troca, elas estimularam-me a dizer-lhes: — entre o filme e o sonho, que são a mesma coisa, ou de mesma matéria, assim se define o Cinema; vivo não em busca da eternidade, ou de indelével longevidade, mas sim da própria essência da Vida; por isso, leio e escrevo, e instigo o pensamento a fluir pelo Ser.

 

 

***

 

 

 

 

 

A avó brinca com o neto no quintal, e este, observando-a, pergunta de chofre: "bruxa existe?". Ela se perturba: "não, não existe, claro que não!", responde de pronto, algo temerosa.

 

O menino olha fixo para ela e mantém o olhar parado, firme, nos olhos dela (talvez à espera que de repente se esbugalhem e se tornem vermelhos). Um ligeiro arrepio percorre o corpo da avó, que procura desviar o olhar, vira a cabeça. O neto vê uma falha no seu couro cabeludo do lado esquerdo, na parte de trás (imagina por um instante que seus cabelos se desgrenhem, fiquem cinzentos e quebradiços).

 

"Mas eu já vi uma, aqui mesmo perto de casa". Ela estremece: "você deve estar enganado. Por que uma bruxa viria até aqui, assim sem mais nem menos?". O menino excita-se com a possibilidade de desvendar algo: "ora, pra falar comigo; eu sei que ela quer me falar!" ( espera ver  uma boca murcha  à sua frente,a língua meio roxa). A avó procura  não deixar transparecer  o tremor que anuncia a convulsão antecipadora que já conhece muito bem: "e o que uma bruxa teria pra falar com você?".

 

Ele sorri,meio sonso (antevê um rosto escondido pelas rugas, um corpo em movimento pelo ar): "não sei muito bem ainda, mas acho que é sobre você. Ela sabe quem você é".

 

 

*** 

 

 

 

 

À noite, dormindo, o menino sentiu algo diferente. Outras vezes, alta madrugada, acontecera o mesmo: mas agora parecia mais intenso. Abriu lentamente os olhos, com um misto de sono e medo, e viu uma luminosidade, ora amarelada ora lilás, vinda de fora. Foi à janela, cheio de cuidados para conter a forte emoção, incontrolável, que sentia — nada de temor excessivo, pois sabia bem do que se tratava, não era preciso muito esforço para adivinhar, por tanto que já pressentira ou antevira das outras vezes.

 

Poucas dúvidas: eram "eles" — mas mesmo assim, ou por isso mesmo, se assombrava. Viu nitidamente, deslizando no céu sem estrela nenhuma, noite bastante escura, o foco de onde vinha aquela luminosidade e logo identificou o desenho ovóide vagando no ar.

 

Teria chegado finalmente a hora de encontrá-los "pessoalmente"?... Ou melhor, de recebê-los "ao vivo"? Conhecia suas formas, seus caracteres físicos — se é que assim se pode chamar formatos indefinidos (que definia como "robóticos"...). Também não desconhecia seus meios e modos de se comunicarem com ele, tanto que interagira com seus contatos a distâncias inimagináveis (para ele, "de primeiríssimo grau"...).

 

Mas como lhe transmitiriam, agora, ali, alguma coisa ? Como se comportariam? O que fariam?

 

Finalmente, dariam a ele o conhecimento superior de tecnologias e ciências avançadas, de cibernética, até mesmo de esoterismo, que tanto almejava? (e estudava obssessivamente...) Ah! ele passaria a saber muito mais de tudo que todos, na escola, na cidade, na família, no país, no mundo terrestre...

 

O convidariam (na verdade, obrigando, achava ele...) a acompanhá-los, a ir com eles para "o lugar"? Fariam ele entrar no ovóide, ou vagar livremente pelo espaço sideral, como costumavam "passear"? E ele nunca mais voltaria? Deixaria um bilhete para a avó: mas como ela reagiria? Ia ter um troço, coitada... Paciência, é o preço a pagar por um processo de  evolução — "não posso fazer nada, ela vai saber se cuidar, sei bem que nunca vai morrer...".

 

Mas e se no final apenas entrassem em seus sonhos, aqueles, sempre fomentados e cultivados, neles se alojassem firmemente, a eles se incorporassem, fincassem de vez seus perfis, formas, luzes e mistérios, e nunca mais os deixassem? — sonhos  de onde se originaram e dos quais nunca deveriam ter saído...

 

 

março, 2011