Balé no escuro

 

I

 

Chegas de sonhos vencidos

e de cegos retratos 

imóvel bailarina

com a gravidade das cores anoitecidas

e ferindo a tarde com olhos negros de eclipse

dizes em letras de carvão

da carnação do arco-íris.

 

 

II

 

No teu rosto

cenário definitivo

atravesso desertos

mapas para o esquecimento

a arquitetura de solidões divididas

em salas sem janelas

atravesso

vésperas abandonadas

na poeira dos relógios

feridas que amadurecem em trabalho e poema

horizontes naufragados no suor e no silêncio.

 

 

III

 

E com sapatilhas

armadilhas que calçam teus pés

bailas sobre trincheiras dos calendários   

vestida de cinzas da tarde consumida

e teus gestos janelas para a noite                      

redemoinhos adormecidos

desenham manhãs abandonadas

e sombras que desabrocham em lírios sem luz.

 

 

IV

 

E nas sapatilhas guardas precipícios

entre os pés e o caminho

abismos entre a porta e o entrar

fronteiras entre a fuga e a libertação

e tornas então inutilmente descalça

mas sem saber que teus passos

são nascentes de labirintos

e alicerces da solidão.

 

 

 

 

Réquiem para o Verão

 

Estendo os lençóis de outono

sobre a tua carne de fogo vencido

cobrindo-te com as fronteiras

pelas quais desertarás o teu nome

Mais:

dou-te a pressa de rios suicidas

que já nascem com gosto de mar

para que no meu jardim de vésperas

lances tua máscara de luz

e descubras no teu rosto

a moldura do que não és

Tu que com a pele da noite

já dormes à solidão das estações sem memória.

 

 

 

 

Paisagem íntima

 

Deixo-te o poema aberto na sala

o cárcere nas fotografias

os lábios de aquário

que guardavam teu nome como peixes impossíveis

a madrugada dos teatros vazios

onde repousam nossas máscaras

e a poeira de sonhos alheios    

Deixo-te a espera

meu idioma indecifrado

gestos esquecidos no armário

e a floração das borboletas.

 

 

 

 

Moldura para uma ilusão

 

Ao derramar de tua água doce

que lavará as mágoas e as varandas

vou abrir as janelas e preparar o pão

o meu leito estará forrado e plantada a flor de teu nome:

aguardo a luz do teu ventre germinal

e a sombra dos teus seios cristalinos

Ao presságio de nossa aliança

desnudei os sinais

verás em mim só superfícies

no meu corpo está tramado o meu testemunho

Sinto-te desde já

e quando a paz ungir os terraços

diluindo os segredos à fluidez dos abraços

saberei da tua chegada

Então terei duas mãos de apanhar certezas ao sol.

 

 

 

 

Refeição

 

Abro a toalha e as perguntas

cobrindo a mesa e a nudez das respostas

e preparo os lírios

e a coragem clandestina

para adornar o alimento

e o cansaço das certezas

E trazes

o pão a urgência

o  cálice em que diluis a lembrança

para brindarmos ao esquecimento

a louça em que serves miragens

para nutrir a esperança

e os mapas dos labirintos

da nossa cama.

 

 

 

 

Definição do espelho

 

Vens do vocabulário das margens

                                  atravessado por tudo que não és

com a ânsia da fluidez que te contorna

                                   como um vestido que não é teu

Vens

condenado ao avesso das coisas

represado em gestos alheios

multiplicando as retinas

com a tinta dos labirintos

És cálice inundado

pelo que não beberás

ave presa

que se alimenta de espaço

voando clandestina por dentro de si.

 

 

 
[imagens ©john rensten]

  

  

 

Plínio Pacheco Oliveira, pernambucano, 26 anos, atualmente elaborando o livro de poemas Degraus para voz clandestina, mestrando em Filosofia e Teoria do Direito pela UFPE, com passagens pelo teatro em peças como "Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, Noite Feliz e O Pastoril".