da arte de versar cimento
ao João
Hoje o dia de louvar o Mestre
que me confessou o criar
a partir do partir do criar.
Hoje o dia de lembrar do Arquiteto
sua cal antiga sua pedra antirocha
o comprimido e o comprimento
mili-métricos.
Hoje o hoje do Canônico
as rosas inomináveis
a desrazão lógica
os retalhos sem berço
Ontem Neto
Hoje Primogênito
do Poema.
inspiração
meus mestres estão todos mortos. não sobra um único mestre
pra me explicar kant, spinoza, milton santos e eletromagnetismo.
meus mestres morreram no final do século xix/início do século xx.
de sífilis. de cirrose. suicídio. meus mestres estão todos mortos
e alguns felizes finalmente. devia dizer que os mestres
são eurídice e orpheu, felizes e realizados – aliança de casamento
e nem rastro de serpente. devia dizer em outra língua
em grego em mandarim em hebraico em mallarmaico. devia
orquestrar um tumulto alquímico em legiões de frases soltas.
mas
meus mestres estão todos mortos.
não sei se os mestres todos já conheceram os pés do grande demiurgo
mas os meus mestres conhecem. imploram. são feios e dementes
e em vida eram sem valor e sem amigos e sem conquistas. mestres
de ninguém. de nada. agora meus mestres estão
contando anedotas para os outros mestres. o maior de todos em seu
gigante labirinto confessando fantasmagorias
para o confuso rei dos geógrafos e astrônomos. meus mestres são uns clowns
e gostam da corda. meus mestres estão
ainda mais mestres
e ainda mais mortos.
um cerimonial para ian curtis
hoje
a avenida perfilada de idades
& cidadãos aborrecidos
enfastiando londres new york são petersburgo rio de janeiro
com o mesmo ácido xarope
o vício na execução
semicolcheia monótona & quebradiça
(um acidente)
ontem
ian curtis & seus sobrenomes desilusão desaventura desamor
desisolation & dor nos pés
losTing control losTing a cigarra pelos dedos
as misérias da criação
do day in day out
pegando pela mão do berçário
à corda
(novos palcos
novos tristes
caindo dos elevadores
o suco de gosma
especiaria epiléptica)
ian curtis & sua dança de mil sucuris convulsivas
vísceras pra fora
metralhadoras de silêncios
aqueles versos bêbados
a graça do
poema tra
çado
na própria garganta
ei-lo no mundo que lhe trouxeram
& o resultado das putas banais
& filmes alemães
& nazistas encaroçados
& as jornalistas saturnianas
& dias P&B
& a hipnose
( um
ácido
dente
boca de urros
bardo de vinte anos
plath com colhões )
*
por enquanto
nome sem corpo
morcego filósofo
artesanato da lamúria
gafanhoto-pantera
rei kafka das colônias
breu inescrutável
profeta do próprio fim
ídoloidentidade
pharaoh punk
colcheia de retalhos
cripta secreta
:
no dia de renascer
então
sim
ian curtis
[poema escrito
ao som de ceremony]
explicar
Borboletas furiosas
invadem minha privacidade: extrair segredos
que souberam das folhas.
Peço que saiam. Com delicadeza.
Mas elas me fuzilam: o que significa essa di agr ama ção
essa TIPOGRAFIA
essa questão metalinguística:
explica o poema fora do poema
explica a lagartixa o tigre o grifo
explica os segredos do fracasso.
Atiro uma receita de remédio
para os problemas de fibra
e acerto o coração lepidóptero. Ela pousa
meio trêmula
azulada
não pela morte
mas por uma pálida ignorância.
Os segredos eu não conto
para nenhuma fúria.
No máximo aponto - sem autocalúnia -
o que me redescrevo.
[imagem ©darren pryce]