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Thriller noir e psicológico, novo romance de Chico Lopes,
é mergulho nas sombras de um obsessivo

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"O Estranho no Corredor" (São Paulo: Editora 34, 2011) é a primeira narrativa longa de Chico Lopes — a que ele prefere denominar novela. Um thriller psicológico com viés de romance noir de primeira grandeza.

Essa obra se manifesta, claramente, como um amadurecimento do que já se gestava nos livros anteriores, de contos, e deles conserva a aptidão do autor para a criação de atmosferas e a incitação aos sentidos: a prosa de Chico, e isto se confirma aqui, tem, nominalmente, cheiro, cor, música e é, talvez influenciada por sua paixão pelo cinema, altamente imagética, com ênfase na construção cuidadosa do anticlímax, na precisão da claque.

Há aqui também, numa perspectiva estilística, o uso comedido das metáforas, cujo transbordamento, aliás, tem sido incômodo em boa parte da literatura contemporânea de língua portuguesa, em que o leitor acaba por perder o liame de contexto em meio à profusão de figuras de linguagem. Também a contenção nos adjetivos, característica de todo texto maduro. O recurso à enumeração, que aparece em alguns momentos importantes do texto, dá sinestesia e um movimento paralelo à trama.

É no cotidiano comum, de tinturas algo sórdidas, que os personagens cheios de abismos, atravessados por dilemas existenciais e faltas as mais diversas, se movimentam. Haverá descrição mais assertiva da miséria humana em seu sentido mais amplo e não meramente material do que a da figura da loura oxigenada, batom (de palhaço?), mascando jujubas na escola de inglês, a mesma que atravessaria um punhal no outro com o sorriso postiço fixo no rosto?

Mas, "O Estranho no Corredor" enseja, sobretudo, a leitura psicanalítica, uma vez que o seu personagem principal (alterego do autor da obra?) é um exemplo clássico do conjunto de sintomas e traços da neurose obsessiva cunhada por Freud e que tem sua raiz, grosso modo, em conflitos de natureza sexual, comumente, numa estrutura edípica homoerótica.

A história se desdobra numa viagem pelos meandros internos de um professor de inglês angustiado, escritor bissexto, liberto apenas geograficamente de uma tia castradora; um jovem que, a partir de um desenho criado pela própria mão (a sua masturbação?) — a figura escura de um homem — passa a se sentir perseguido por alguém com as mesmas delineações. Ficando claro aí se tratar de uma construção de seu próprio imaginário.

A maestria de Chico Lopes, contudo, é embaralhar significantes e ações a ponto de colocar o leitor na dúvida sobre o quanto de real e o quanto de fantasioso há nessa persecutoriedade. O homoerotismo sugerido pela figura simultaneamente atraente e asquerosa de Russo; a tia nalgum ponto desejada, ao espelho (desvelamento narcísico?); a dona da pensão, doce e chantagista; mulheres remotas com quem não viabiliza a sua masculinidade, por fim, uma velha promíscua, a dentadura no copo, as mãos tão ossudas quanto cadavéricas como imagem.

Nessa dinâmica tortuosa de atração-repulsão-culpa-repetição tendendo ao bizarro quase mórbido, é que o caráter obsessivo do personagem anódino se manifesta vertiginosamente. A crítica à cultura interiorana e a demolição da idealização da metrópole. A observação afiada das relações do personagem com literatos velhacos, um beletrista empedernido como o Placídio (quem, entre os diletantes das letras, não conhece um?). Na paleta de Chico Lopes, os donos de botecos em pinceladas rápidas e eficientes evocados como seres soturnos, mercadores de alma. As putas com a sua mirada triste: algum elo desesperadamente amoroso ainda intacto.

Por fim, o título perfeito: "O Estranho no Corredor", emparedado, perseguido por si mesmo.

 
 

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O livro: Chico Lopes. O estranho no Corredor. São Paulo: Editora 34, 2011

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fevereiro, 2012
 
 
 

 

 

Vanessa Maranha (São Caetano do Sul/SP, 1972). Jornalista, psicóloga, pós-graduada em Psicanálise, vive em Franca/SP. Participou de 3 antologias locais de contos. Publicou, em 2003, o livro Cadernos vermelhos. Viveu na Europa, participou de cursos relativos à escrita criativa. Está na antologia +30 mulheres que fazem a nova literatura brasileira, organizada por Luiz Ruffato e editada pela Record. Escreve no jornal "O Comércio", de Franca, e participa de sites literários como o "Pessoa".