Atenção aos cães que dormem na vizinhança

 

"eles, os do bando, com o faro de cães

quebrados pela noite — nova jornada

Floresta adentro, de sangue e espinhos"

Wilson Bueno

 

                                                      "que acende dentro d'água

                                                          como o fogo no pórfiro"

                                                Haroldo de Campos

 

Conjurar espectros de quartzo

                                — o encontro com bolhas

                                que configuram a sarça

                                                    do uivo —

                                                            torrente-flama chove-doendo na treva-pórfiro

 

Na coxa do canivete sarnas latejam como cosmo refletido na opala — e nessa alucinação a sorva vermelha permitia leitura

De cada sopro o veneno rupestre então gárgulas desprendiam sósias de liquefeita aura (em cada face lunar uma cova acendia)

 

Escamas de óleo em frigideira

Escribas sobre olmos liberam 

                                    céus

 

Nascedouro caldeirão de borboletas

                                  brisas

Borras de tinta coagulam na cútis de cogumelos – encasulada nas verdes-azuis ondas a parteira parindo ondas – ruiva repetição seguida pelo zero (as sardas os cachos os olhos de esmeralda o movediço sorriso da passante baudelairiana) o cinzel escarafuncha o sangue debaixo das unhas – hirsuta toupeira afunda entre a neve até o petróleo – ao final três bocas

 

reticências

 

Espera jorrar gozo                          pleniplural

Encenação nô (plumas dissolvidas)

Cerração

Sinos-cen-

Telhas

(Troar de pincéis sonorando

Nanquim)

 

Voa                                                  manto

 

A nudez que é o cão esmagado pela noite

 

neva

 

pedras de lótus

 

sidra-geada

 

sidérossons

 

Tudo queima no interior da urna

 

Ouve-se a palha que cai do sono canino

Ovário trabalha no germinar de agulhas poliandras

 

XII

 

Finalmente o siar do condor púrpura — fecho pluvioargênteos himens: a janela

: Casa — este lugar não mais que espelho aberto à imensidão:

 

                                                                                        (O deserto)

 

Recortes cítricos de lonas caem facilmente numa teia fecunda – não se traz ovos sem que o verde-limão arda meses (a memória do último corpo penetrado) – choca-se

As lojas estão terrivelmente aqui mercadores movidos por siderações lisérgicas trouxeram de terras misteriosas (Síbaris ou Siracusa) a imagem do tempo cauterizado em aço

 

Já não durmo não falo — ereto diante apenas enquanto aguardo felinas formas (fellinianos arabescos)

 

Farto de entranhas um leão encara: espuma urinária a portentosa juba (mijo)

 

No cérebro estoura

Veia vai fundir à estrela

Animais marinos

(Nascem os primeiros)

Pipocam ovas

— Magenta antroforma —

Grutas-corais

À luz

Shivibleu

Nada

 

(Tenho lido Jung pra tentar dormir — lembro vagamente de Crestomalia)

Costumo sonhar que me apontam armas: o fálico nagá negro me perfura dos lábios à goela

Gélido gosto do metal enquanto tremo inteiro antes de naufragar acordado – vento janela ainda aberta

 

                                                                                     (O deserto)

 

 

 

 

 

 

Assistimos chover protegidos pelo quarto

 

A chuva luziu prata na tábua negra o bico do trovão

Soou a hora das nuvens que guerreiam flores

Soou no cobre da chuva a haste viva de nervuras

Algo de perdido de cidades invadidas por salteadores

Grita o peso esquecido e amarelo de fronteiras devassadas

Como um lenço dançando vermelho ao vento

Imperativo de bandeiras que se exprimem sem palavras

Larvas infestando um bom pão esquecido na umidade

Caligrafia vertical sugere paisagens quando oriente era utopia

Todo passado em águas lavado em danças escorregadias

Escorpiões debruçam no limo rochoso pra erguer cegueira à luz

Feras diminutas escondidas nos muros nos cantos

 

A história foi contada pela voz de camurça violeta

A mesma que esfregou pétalas no corpo de calha transbordante

Um dilúvio de cabelos banhados em ovos os turvos cachos

Carregam folhas amassadas de jornal movem sacos de lixo

À fonte onde uma camponesa pisa uvas um arroio velho

Um assobio de esculturas lavradas na floresta profunda

Exército de lanças em riste os cânticos-hinos trovejam

O granizo das bastilhas dos peitorais famélicos sem ar

Secos em conclave interno baforejam olhares gélidos

Retorcidos os sopros dos ossos consomem os galhos

O dilúvio em ondas de corvos o esgar de trigais submersos

O dilúvio lavou as moradas ermas lavou os cumes em peles de carneiro

 

O dilúvio lavou por fim o fogo e o que este escondia

Em canoas de palmeiras os restos em imóveis poeiras

O esgoto em tornozelos gigantescos suspendido

Em carvão as sombras de crânios desenhadas em papel manteiga

Guardadas em gavetas eram agora boiam e se dissolvem as gavetas

Os desenhos que guardavam a lágrima do criador e se encerravam

As fogueiras do apocalipse molhavam as asas dos anjos

 

Nós nos banhávamos parte à parte

As mãos

Os pés

As curvas entre os joelhos

Os seios

Então os olhos

 

 

 

 

 

 

Miragem

 

 

Arrebentam os músculos (asas ou barbatanas) o caminhar da fome esgueira busca no sangue da areia misteriosos siris ovas frutescentes como um vulcão que ri desdobra mandíbulas em mandala

Fagulhas de torpor consomem a curvatura dos prédios ao sinal do gavião luas cheias são recheadas de água e fornecem à libação um cântico regido por iguanas que escamam a textura da tarde

Pelo druida convocadas batem luz os relâmpagos na face secreta arca uma praça

Abre

 

Pousa

Patas flamantes — a ave pequena

Chamusca o ladrilhado (solo de madressilvas)

 

Uma laguna entre madréporas castanhas — riacho de plumas traz calmaria à tormenta do longo serpear andino

(Não às avenidas turbosas)

O flame desdenhoso funde pradarias à pele carnaz

 

(olvidar:

grenha dos penhascos

beija até as bordas

abismo submarino

pequenas velas prenhes

fecundam

estames de lodo

pavimentoacid

                 ental onde

                 boiamilus

                             órios grous)

 

Pulsátil

(Vendado – índigos dedos

De seda – o quaker segue

Letra

À letra

Intrassons do lume

Noctilúcio)

O pássaro

 

Desfolha

Retorna

 

 

 

Quatro meninas caminham atrás dos irmãos que correm — improvisação sobre cena de Michael Haneke

 

 "Triste a seguir a estrada uma estranha até o fim

    em florescer e murchar conhece-se a flor"

YuXuanji

 

Tonitruantes tons pastéis ressoam na chapa sóbria dos vestidos: são bules evacuando nuvens os tecidos cinzas — tear calmo na superfície lisas fatias aquáticas escondem rosácea

Estas donzelas pisam terra com sapatos de dissimulado assassínio – cultivam em pingente de cílios o último orvalho da vara patriarcal

Fitilhos de prata prendem crescimento rumor

Pousadas no rijo barro observam a corrida dos irmãos

Limam a febre arranhada ao penetrar pórticos

Rãs pulsantes assaltam baldes de rústica madeira

 

(A paisagem é o corpo da colmeia que com braços aromáticos mina a solidão das pombas: o pólen distende ocelos melíferos – então reverbera o outono meditativo das partes cálidas – melancias desejosas anteveem o sumo da lâmina – erupção de gotículas e sementes talham na cerca o rabo do pavão)

 

Cresce no ovário – a fêmea joão-de-barro – não nas curvas da argila no filete de vácuo a correr no vão entre a pele e a máscara – imposta vida

 

(Leite)

 

Édipo cresce verdeja ainda amarelecido – é capim ao centro os ruminantes secam ao sol – vem no furor da adaga – a monja cava entre os peitos circulares a cova – enterra e deixa germinar: sede

 

Um poema descreve o Tao: uma bailarina deita no tapete luzes apagadas quando a sonata cobre a sala: corre menstruação à espera: complementar

 

 

 

 

 

 

Em meio à expansão um clarim ofusca a armada que nele se perde      

 

"— Rosa — desbrocha a luz às venturas e às mágoas,

E mais desbrocha, e mais... Conquistador, conquista

Todo o orgulho de um sonho, aboiavam nas águas!"

Pedro Kilkerry

 

Na carne da cobra d'água o cauterizar de cítaras

Encantatórias nadadeiras                     abismam

 

             Liga-se

              Caleidoscópio de navalhas

              Tramas do tempo se desprendem da manta de trovas

             Descargam

           Plugam

 

Foda recheada de lanternas

Na pastosa camada do entregozo um travesti recorda uma xilogravura da infantaria imperial e dos soldados que sem as pernas eram atados com cadarços de coturnos às oliveiras enquanto estas estorricavam comidas pela salsugem que infiltrada nas rugas dos combatentes chegava ao manancial de galhos retorcidos onde de rifle em punho os homens amarrados atiravam atiravam na loucura de plumas em que mergulha um corpo desmembrado atiravam imagens de trutas e carpas atijoladas à mente as costas presas à tora no breu caninos luzindo como se encerados com sapólio (tiros) — espasmo

 

(E segue)

O granito em silêncio carboniza

(E sangra)

Minério em borbulhas vivas

(Zéfiro azul do ânus)

A cinza que no calor de abetos deriva

Pés afundam no larval-braseiro à espera      leão branco          salta

                                          entre          frestas de dedos          o gelo

 

Que dedilha este espelho

                                  ? por trás

 

Caravana queima incensário de visões – ante

Passados

O deserto sob palmilha de sarnas

Só os coiotes drapejam o colo da legião

Só a carniça da corça confronta o abecedário estelar

 

É hora da loa — os anciãos a exemplo de saguis formam circunferência

Ayahuasca convoca

Estalo — o chicote de coriscos tomba terra

 

Abre o poço

 Logo em viço

Varejo vulval

No seio arenoso

As vértebras

Nilossabás

Do seco vale

Entre muradas jaz

O vilarejo

 

Palavras e pedras:

Brilhos frios – breu – rua

Feitos cristal: lua

 

Metalurgia: urge a pira que entoa silhuetas extraídas ainda barro-metal (verdade crua a cachoeira incrustada na mata e as rochas que liberam o ferro na correnteza): tenazes recaem no seu ronronar gaiolas cospem argilosas harpias

 

Dependura ganchos

O açougueiro: rosa luz-carne no lívido avental

Olor verde-liso de cheiros: pernilongos gritados

No centro da cidade a sacra-cruz — ao redor as praças as prostitutas

Do vitral evolam pombas

Irisada nas pérolas a crina loira — codinome Lisa — a caolha

Meretriz que chafurda nas avenidas

Nas missas o tapa-olho branco — chama Rosa

E clama

 

Um hotel os mercadores: centelhas verbais — a cristaleira furta-cor crispada à feição de clâmides (ainda latência de fervores) ancora pêssegos irradia fumaça fulva de açúcar mascavo e singram gôndolas na escondida escuridão dos cômodos (solidão viscosa nos sobrados de um quarto: enteléquias) o tapete azougue forma milharal de densa carne onde a couraça negra (formiga) guiada por satélites de fragrâncias move os pontos negros e cabeludos de suas patas

 

O ocaso já perfura o filtro do cigarro em pleno baforar da urdidura em que se fundem a névoa outonal e o perolário de ancas claras: os amantes exaustos tragam os próprios músculos trementes e relaxam expostos na orla de uma praia siciliana — Cartago e Roma igualmente ebriadas se deixam sugar à mônoda escrotal (ruínas de tijolos e bagos sulcados)

 

 

 

 

 

 

A cozinha além das batatas

 

Bife — fígado queimando

Ao arder a frigideira vestia crostas

sss … sss … sss … estampidos-sussurros … sss …

 

Perlustrava o páramo (as cores vorazes — cheiro lusco-fusco) me toscanejava o arder quieto de sussuarana entre vermelhas caliandras do cerrado: o cremor escorre em óleo quente uma crisálide rompe

formas frias ilhando pensamentos … sss …

 

pu          pe          ços          mor          ad          f          tum

                     lar          da          tu             tos         ere       ere           idos

 

O que sou (como) reverbera em questões – olor gás de cozinha oliva mistura olvida — há convite na gordura acumulada em lajotas bege-descoloridas: refaz em imóveis desenhos entranhas — o convite (Sá-Carneiro): P'ra que me sonha a beleza/ Nada me expira já, nada me vive

 

Tubérculos incham ao beber cristal morno — pequena porção erguida de profundeza metálica (nasce) um não-diamante vapor quente de tabernas subterrâneas: crescimento anômalo devora:

 

1.  furor sub-reptício do ato de desentocar cenouras pouco maduras (imateriais)

2.  subsistência ferina: zebras laceradas mais adiante leoa corre emporcalhada

 

Fato: fero ou feérico o cozimento põe-se a feder

 

À espera arquitetada o silêncio dum prato resplandecente aninhado em toalha taranteladaa mesa ascende do campo de refugiados — herdada que foi de uma avó esquecida como se os retratos da guerra habitassem o forro da cama — a carne: outro esperar outro antro de memórias estraçalhadas outro ex-pulsar

 

Barcarola no Rio Amarelo ou como ignorar a ganância de Caronte

 

De quantos quartos (paralelos muros caiados em sua textura porosa sóbrios ao primeiro hálito do trovão) quando pássaros* migratórios revoam já então estes dedos dispersos tingidos de fuligem luminosa a cal o cimento espiralados o vate ferido em forma de mandala desemboca no ruir das escarpas

 

                                                    *Corujas: frontispício noturno — imóvel

                                                    pairar acima de telhas de fibra de vidro

                                                    adormecidas abertas assim as antenas

fechadas moradas

 

Jin Xing ao tocar as bochechas a esponja de pancake o pó de arroz tremeluzia (pomos cardeais surgiam cresciam de simples amoras a vórtices): fica-se sabendo a cor do grito

 

O minério só podia recair desencarnado (anterior): levados a brisa os braços suspendidos e não pelo tato os pontos conduziam ao que era rocio na chuva de lótus

 

Os vasilhames de cobre dispostos em círculos como se obedecessem a um ritual seguido por vinte e sete gerações de monges de vestes mostarda colhem lírios cristalinos de sonoridade vertical (no corredor o espaço incomensurável sem começo possivelmente coriscos se acendem bebem em mamilos de fogo silenciosas fogueiras trágicas) — alvura: fronte

 

Um anjo

Sua nudez

Ereta

Calma          Camadas

Virilidade          Sobrepostas

               Tramas

                                Pespontos invisíveis

A nervura toda talhada: ciclo de lâminas (morte?) algo diz Águas — então espero

 

Eis o marreco-mandarim seu balé de olhos amendoados

Logo a ponte curva: o imenso Huang He

 

 

 

 

 

 

Prismas do Paraíso

 

Ostrino: assim era cada coisa na vista ela própria escarlata

 

Uma maneira de conformação dentro os campos insondáveis partia uma asa carmim doendo como lebre recém-lacerada dentro: dentro

 

Aquilo escondido dureza de aço no carvalho no deslocar do espaço o

    puro-sangue     alazão     tétrico     veloz     membros      volúpia       peliazulino

    vibração no sumo mergulhado na carnação do fruto isto: ainda rubi enterrado sob   crescente rede de artérias

 

Ciprestes cobrem cada palmo (maçanetas) tudo convida luvas de peliça delicado crochê caxinguelês vêm embrenhar aparecem ocultam o granito negro ao resvalar não se descobre emana: maçãs

 

Frutado o silêncio não mais que o toque de pestanas as piscinas se estendiam planícies imensas e eram sementes nascia o jorrar do jorrar cada coisa em seu germinar de raízes incertas frestas o ímpeto natural de ferida tão antiga quanto o primeiro nascimento ímpeto tocado por cumes de grama de língua em troncos úmidos limo intemível: serpentes apenas rubras as escamas vertidas sobre ninho de maçãs

 

Entre pinhais se arranhava prédios camuflados em tatuagens ferinas abrigo nas mesas de café as praças em ressonâncias concêntricas bares e tilintar de estilhaços (vozes que ocupam o espaço) — um negociante veio de há muito longe deixou sua pasta assentar no sofá marrom para gorgolejar um copo miúdo de água com gás

 

Macilento o farfalhar (onde se encontra pergunta o usuário de uma tevê paga ao atendente de telemarketing quando no seu velho opala um mecânico adentra o motel Carlene ou Eva Diabinha o travesti dentro do porta-luvas algemas irradiam)

 

Queda: tateia-se no quarto escuro escamas renovadas maçãs portas luciferas nascem entre camadas de vertigem: ostra

 

 

 

 

 

 

Uma visão de Kaoru Abe num rubro bosque congelado

 

"Dai-me ũa fúria grande e sonorosa,"

Luís de Camões

 

Lancina insânia:

                      cochichar de paredes mortas:

Em pestanas crespas convida ó insônia o lago

 

Congelado espelho —

                 Incinerados os reflexos de coxo rocio

                 Insetos de solidão — latejar vítreo sul-

                 Tana texturizada em alfombra lumiada: cultricoxas

                                                                      laceram

                                                                      romã da

                                                                      noite

 

Cospe cospe esta tosse de lagostas — em fagulhas cresce

Alboque selado em cera (puro mel o esperma metálico)

Açoite superno (ondas) avenanectarizada ou cítara: plange

 

(Monge do silêncio ferido recupera

Desliza sob vestes plúmbeas o ardor

A planície gela cicatrizada: teu corpo)

 

Florescente rasga em posição nadir à neve

Brota          brota        branco          furor

Talos flagelados o medo da terra viceja

 

Cosmoestrutura de planetas roxas medusas siderais erupções pégasos negros cães infernais latem labirintos encrustados no abdômen da periferia: melada sorve menstruação cetinosa de Hipocrene

 

É rodovia dolorida à frente segue em linha até o incêndio nas costas do vilarejo

 

Canta a paisagem

Soturno

 

 

 

 

 

 

 

 

[imagem ©lotkosch]

 

 

 

 

Viktor Schuldtt escreve o blogue o silêncio infecto de.
[
desterritoriosilencios.blogspot.com.br ]

 

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