sem título | louise bourgeois | tinta vermelha e linha azul costurada sobre papel
30X22,7 cm | centro pompidou | paris | 1989
 
 
 
 
 
 


 

O conto

 

Onde se esgarçavam os labirintos sorridentes do céu? Quando se despira a noite para que dançassem sobre si as estrelas?

 

"Os peixes beijam arbustos à linha da água que se perfila na argila da minha alma. Teu corpo. Eu sorrio para que venhas banhar-me a fronte com o burburinho dos pássaros. Será que o sono dos pássaros é um dormir? Germinei em ravinas as telas melódicas da realidade. Como dizer-me se não seria eu a falar o motivo da minha vinda incontornável. Numa lua que não vejo, penso cultivar o teu sorriso telúrico a tua tez de orvalho num incêndio sem direção a ranger no horizonte, onde nascem às ancas anônimas do recomeço. Alguém indica onde está o arborescer que falta? À boca das proas alicerçadas nos teus olhos de harpa, tuas mãos de navios dedilhando-me em lentíssimas vagas, docemente".
 

Inventou a luz, mas as estrelas não se perderam. Precisava de um manto para encobrir a desilusão na perícia inconclusa das metamorfoses para suster os pontos ínvios, coragem era tudo que lhe restava — mesmo ante o medo de perdê-la. A espessura lúcida evidenciava a volúpia vital que lhe envolvia os lábios, no diafragma das primícias diluídas e sem regresso, para onde confluem as palpitações das pedras, os alvéolos do vento. Não é somente as cepas de um espécime extinto ainda tilintando num sem rumo de solidão soprando-lhe os ombros, num tropeço entre espuma e água: marés, dardos e grãos.


"Não nos perdemos, apenas nos distraímos. Sabes? Aquele tempo incolor em que descascamos. Como gravetos de chuva... criamos beleza, nunca o distanciamento".


Então pousou os olhos sobre o seu brilho. Seu corpo. A terra em mais um pomar consumido em seu início intacto. À sua similitude.

 

 

[novembro, 2013]

 

 

 

Razão

 

Escrevi esse texto esquecendo o tempo, abstraindo-me de tudo. As palavras pululavam em minha mente num primeiro momento fragmentadas, em pensamentos e sentires, para não furtar-me à sinceridade dos personagens. O leitmotiv surgiu a partir de uma reflexão sobre o quanto é possível a des-configuração da imagem de si mesmo ou de outrem, ante os atropelos instados constantemente pelos acontecimentos e vicissitudes cotidianas, que a tudo querem dar forma brevíssima, por atalhos e caminhos impérvios. Dei lugar às paisagens que comumente não vemos, ao detalhe que muitas vezes nos escapa, nunca, porém, sem impregnarmo-nos dos seus rastros. Promovi um prelúdio onde as emoções aparentemente se desencontram. O único, o outro, também único, tracejam, coincide num pacto capaz de promover resgates e aproximações impensadas... Senti, e quis insinuar ou subverter como objetivo desse instante criativo a possibilidade, sempre existente, de um momento de busca que se bifurca entre uma e outra alma,como na confluência de dois rios: o encontro.

 

dezembro, 2013
 
 
 

Tere Tavares (Cascavel/PR). Escritora e artista plástica, publicou os livros Flor Essência (poemas, 2004), Meus Outros (poesia e prosa, 2007) e Entre as Águas (prosa, 2011). Participante de três coletâneas editadas em Portugal: A arte pela escrita III (2010), Cartas ao Desbarato (2011) e A arte pela escrita IV (2011). Integrante da antologia Saciedade dos Poetas Vivos, Vol. 11 (2010) organizada pelo portal Blocos onLine. Teve trabalhos selecionados no Banco de Talentos Febraban com o conto "Sem pena de ter", em 2007, e com a poema "Eu em mim; de um outro lado", 2009 — ambos publicados nas antologias da Febraban. Ainda em Portugal foram publicados poemas e textos seus em diversas edições do "Debaixo do Bulcão Poezine". Na antologia Contologia, da revista Arraia PajeurBR 4, 2013, teve a publicação do conto "Ainda sobre Margaridas". Possui trabalhos de poesia e contos espalhados em vários sítios da Internet, dentre os quais os portais Cronópios, Histórias Possíveis, Blocos on line, Ver-o-Poema, Musa Rara, Diversos Afins, e jornal on-line O liberal, de Cabo Verde. É colaboradora do blogue Dardo. Participa do portal lusófono litero-artístico EscrtArtes. Integra a Academia Cascavelense de Letras, onde ocupa a cadeira de número 26. Edita o blogue M-eus Outros.

 

Mais Tere Tavares na Germina
> Minicontos