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O
NOVO HOMEM DE AZIMOV
um
pierrot-robô, logra,
remontado (do parafuso
à porca) à
força,
tantas peças separadas
a um só bloco sólido,
na hora da
acoplagem;
o que
derrama dos olhos
seria óleo de máquina?
(não é lágrima?),
o
que derrama do peito
além da graxa ingrata?
(não é desgaste?);
o conjunto
justo, amarrado
e pronto, apenas aguarda
que recomece a sessão, na
qual
como o torturassem, crianças
o desmancharão, de
novo,
frankenstein de parque...
|||| são oito ||||
1. que
haja, em potência, o erro
(é mais fácil zelar pela cabeça)
ou
algum tropeço preso a cada perna;
dois
joelhos +/
2. há que
se usar os braços
para protegê-la da queda,
no caso de qualquer
fraqueza;
dois
cotovelos +/ são quatro
3. ainda
que, oculto e súbito, um
obstáculo se interponha às pernas,
(é
mais frágil na cabeça o cocuruto);
dois
tornozelos +/ são seis
4. convém
usar mãos como escudos, quando
do inequívoco óbice, cobrir (no
rosto)
sempre que se possa, dos olhos, os óculos;
dois
pulsos/ na soma, são oito
RETROGRESSÃO
3.
(
para aplacar a vontade ( inútil ? ) de habitar um corpo /
( desde o
útero ) todo esforço é doloroso / experimentá-lo
aos poucos (
lançá-lo ao mar e ao mundo / primeiro no raso /
na praia ) como o
operário aprenderia um novo trabalho /
em treinos práticos ( quanto
mais tarde ( à maré alta )
mais para o fundo ) alcançar
gradualmente o diâmetro de todos
os gânglios ( reordenar do hormônio
o átomo de carbono
ou destilar a linfa ) requer uns apetrechos
bastante necessários
/ um espelho / agulhas / frutas ( algumas pelo
cheiro /
o apelo do perfume / outras ( desde a língua ) pelo
estímulo
à papila gustativa ) entretanto há inúmeras outras
ferramentas
( todas guardadas num labirinto de gavetas ) é estranho
esse
gabinete mecânico dos cinco sentidos ( uma oficina onde
se
suporia o laborar pacífico / mesmo entre ruídos ( desbravando
a si
mesmo ) do taxidermista da própria sensorialidade /
o artista
talentoso da sua fenomenologia íntima )
2.
(
primeiro livrar dos órgãos internos a caixa externa / que essa
só
pesa ) drenar-lhe um tanto de sangue ( como na cebola /
em camadas
ásperas / descarnar-lhe das tantas membranas )
pelas lentes dos olhos
gelatinosos ( encarar finalmente
o núcleo oculto / e acendê-lo / esse
coração na sombra )
de todas as lições / primeiro as da epiderme /
depois
as mais internas ( terceiro as da ossatura / dos membros à
medula
( obtidos os cálculos frios / do cálcio / na densitometria
)
por último as do cérebro ( esbranquiçado / sua esponja suja
)
mas antes arrancar-lhe ( porque tidas como reprimidas )
as
supostas lembranças ( pelos traumas da infância )
1.
(
agora / o ritual diante do espelho / iniciar a pormenorizada
análise
) seguir a trilha lenta das rugas sulcadas
sob o nervo do sereno (
que onde a faca do frio feriu /
o calor curou expulsando o sal dos
poros ) mas deixou espalhado
o vestígio / às vistas / e sem disfarce
/ num corpo de espantalho
( o cabelo desgrenhado que o tempo recolheu
/ colheita /
deixando aberta a clareira no topo da cabeça ( coroa ou
redemoinho )
diz-se dessa calvície da qual é impossível desistir )
porque o vazio
esculpiu o caminho ( ou um abismo ) pensamento
adentro
( ao despir-se diante de si mesmo ao espelho / descobrir ali
/
na própria ruína desvestida ( um arremedo ) / no entanto
o
monumento ao período vivido / esconde ainda ( sob o escombro
dos
ombros ) a batalha travada e perdida no talo da coluna
( as décadas
da hérnia / tendo invertido as vértebras )
o eixo dorsal destituído
dos pontos cardeais / ou do centro
de gravidade ) onde fracassa o
espetáculo da locomoção humana
/ ainda que ressoem os sonhos desde a
idade placentária
( agora à base de insônia / uísque / remédio / do
sexo
mediocremente recíproco ) nem toda falência há de vencer
uma
carência maior ( às vezes sobra a sanha mais que o sonho )
0.
(
assim vem se abrindo ( precário ) o sustentáculo de um velho
( gasto
como uma antiga cópia em sépia ) cujo elástico já lasso
escapa da sua
própria ação / em gradual e irreversível descompasso
( os músculos
acumulando só o cansaço / e infla como um balão /
crescendo desde
dentro ) até tomar de assalto e por completo
um corpo outrora jovem (
que anteviu o fóssil do próprio
obituário na rocha ) do trajeto
obrigatório que submete o tempo
ao envelhecimento ( que isento / sem
que importe cada vítima
ter vivido sob excesso ou privação ( nunca
escolhe a quem
oferecer seu grilhão ) o esforço da forca apenas
reforça a corda
contra o pescoço de todos ( sejam bem-vindos /
senhoras /
senhores / precoces / tardios / que agora está próximo o
alívio /
sejam bem-vindos sempre / ladrões / cidadãos de bem
/
esta é a hora da vossa própria estragulação )
Alexandre Guarnieri (Rio
de Janeiro/RJ, 1974). Poeta. É arte-educador habilitado em História da
Arte pelo Instituto de Artes da UERJ, e Mestre em Comunicação e Cultura
pela Escola de Comunicação da UFRJ (ECO). Integrou, a partir de 1993, o
movimento carioca da poesia falada. Fez parte da primeira formação do
grupo performático "V de Verso", coordenado pelo poeta Chacal, na UERJ.
Junto com o poeta Flávio Corrêa de Mello, coordenou o NCP (Núcleo de
Criação Poética) no Sobrado Cultural, centro cultural na zona norte do
Rio, onde mantinham o recital mensal "Poesia no Sobrado". Publicou
poemas em jornais, revistas e blogues, dentre eles o Panorama da
Palavra (do qual foi colaborador),
Revista Urbana, Revista O Carioca, Suplemento Literário de Minas Gerais,
Revista Eutomia, Zunái, Musa Rara e Desenredos. Atualmente, pertence ao
corpo editorial da Revista
Mallarmargens, é colunista de Revista Desmandamentos e
integra, com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre
Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos] (mais, clique aqui e aqui)
criado inicialmente como estratégia de divulgação de seus
livros-primos, Casa das Máquinas e
[tecnopoética]. Casa das Máquinas (Rio
de Janeiro: Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia. Em 2014,
lança Corpo de Festim.