RETALHO DAS FORMAS

 

 

O vazio é ocupado

pela presença de indiferença

Retalhos do descuido

         — afetado

 

O homem recolhe o recado

que sua alma necessitada

exprime caoticidade

— uma cidade rebelada

por um afeto negado

 

E, dorme-se na forma dos sonhos

Os travesseiros são hóspedes

quando pedem a essência

quando perdem a inocência

de se sentirem com "cabeças".

 

 

 

 

 

 

ESTRANHECIDO

 

 

Venho desde onde

quis ser-me

cativante de longe

estranhado de perto

 

Caso exista-me

tenho precaução de saber

lapsos remanescentes de ilusões

limitam o coração como ninguém.

 

 

 

 

 

 

USUFRUTO

 

 

Um fruto num topo de árvore

não é mais doce que o do chão

Estico os braços, tateio o caule

Piso nas raízes que se confundem

com meus pés em adubo;

sou excremento da minha vontade

de ser folha velha em vento leste.

 

 

 

 

 

 

A PAISAGEM DA PASSAGEM

 

 

Há atividade dúbil de percepção mental

consciente da alma e incerta do espírito

Sentidos desdobrados ao exterior — avesso

Avesso, avesso ao interior; desconheço

 

A paisagem dos versos convenientes

forma o mundo interno do momento

Por que o dia de chuva é mais triste?

Se o sol é mais análogo ao que sinto...

 

Resulta a astuta passagem de estado

se faço do sonho pouco da vida

isso convida a viver-me morto

Absorto na circuncisão da folha.

 

 

 

 

 

 

ESTÁTUA DO SILÊNCIO

 

 

Ao selar o silêncio

esta tua estátua

translada o estacionário

sustenta um enlevo ruim

 

Enquanto um cacho

de amargura pende

o de repulsa eleva

pelo teu provocado desgosto

 

Eternamente eu acho:

o vil disfarce

da tua ternura

foi encarar eu, e perdura.

 

 

 

 

 

 

REVESTIDO DE NOVA IDADE

 

 

Não tenho corriqueira forma

Ando como quem disperso

vai estabelecendo, aos poucos, normas

despindo, despedindo-me do meu ex-Eu

 

Com o passo do coração

às vezes rápido, às vezes lento

Sem, portanto, parar; viajo

Concepção de quem poetiza; eu acho

A razão faz de mim um ledo.

 

E aceito atitudes cujas tragam virtudes

e faço refulgir feito aço

Sem fugir do meu lado microscópico —

                            palhaço.

 

 

 

 

 

 

LA'CRE...

 

                                                

Vi cartas de outro naipe

não reconheci o insight

and in my mind god is good

good is the gold, if are god’s

 

Virei o espelho — imagem intolerada

tentei ver o que em mim era sublime

lines, times, life, live and learn

— Dormi no vestiário de rostos

 

Noutros games há quem geme

mas, o mister sacral é:

A autenticidade de reassumir vida

no que é real, no que não é resumo.

 

 

 

[Poemas do livro Versos versáteis. João Pessoa: Ideia, 2010]

 

 

 

*

 

 

Todos os laços

Menos o sanguíneo

Se desataram

 

Derrubei

Os jarros

Da casa

Quando

Queria

Limpá-los

 

O que era diamante

Virou cascalho

Cascalho virou barro

Esbarro na lama

Creio no espaço

Entre as estrelas

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Quero a palavra que faça um strip

Fora do script.

 

Se no início era o verbo

O final dependerá de

Qual conjugação escolhermos

Tempo

Modo

Pessoa

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Ressuscitei quimeras

Dormi com a ingratidão

Acordei com um morcego.

 

Sou a fera que riscou os fósforos da petulância; cuspo

[no meu sexo. A agonia augusta tomou conta de mim.

[Cuidou e apossou. Tornou-se poça.

 

Se resto de si mesmo dói tanto quanto ser parido em

[posição horizontal.

Perdi o norte, ganhei o sudeste, abandonei o nordeste.

 

Quero apenas um copo de destino.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

I

 

Eu. Sou. Vida.

Tempo Uno

Unido

Em dó sustenido

A dor sustem sentido

No meu morrer

Um canto

Diário.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

XV

 

A solidão ganhou seu dia

De vida inteira diante da morte

Os brilhos só têm assombro

 

Os horizontes estão verticalizados

Perdi no ganho, ganhei na perda

Os contrários me deram o direito.

 

Masturbei meu corpo inteiro

Em busca de um céu

Que já estava no chão

Cansei, casei e cá sei

É a seca rompendo as solas

Dissecando as solas dos caminhos

No quais nem andei

 

Retiro os pés

Ponho a voz a percorrer

Um hedonismo sedentário.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

XVI

 

 

As raízes

Ainda fincadas

No solo

Ficaram podres

As estações estacionaram

Não deram frutos ao tempo.

 

 

[Poemas do livro Lutos diários. São Paulo: Patuá, 2013]

 

 

 

[imagens ©misha gordin]

 
 
 
 
 
 
 
 
Leo Barbosa (João Pessoa/PB, 1990. Escritor, poeta e professor de Gramática e Literatura. É autor de Lembrança perseverante (2008),  Versos versáteis (2010) e Lutos diários (2013). Mantém, desde 2010, uma coluna quinzenal no caderno de opinião do jornal Correio da Paraíba. É editor do blogue literário zonadapalavra [zonadapalavra.wordpress.com].