©s. holmes
 
 
 
 
 
 

É tempo de  reflexões  inerentes a possíveis (para muitos, almejadas) vertentes não apenas especificamente para os cenários editorial e livreiro — por extensão, literários — do país no momento, mas também genérica e essencialmente das práticas e modos de leitura — tema sempre recorrente, imperioso na vida cultural de qualquer sociedade.

A cada ano, quando da realização de Bienal do Livro — recém-realizada (29 de agosto a 08 de setembro de 2013), no Rio de Janeiro — reportamo-nos às discussões e análises que ora se intensificam e desdobram com relação a ela: marcante foi, e ainda repercute, a última edição, em São Paulo, 2012, que mostrou-se esvaziada, 'fisicamente', por parte e no seio do próprio meio editorial-livreiro, haja vista, p. ex., grandes editoras estarem ausentes, sob a argumentação de "custos exorbitantes" e "parcos resultados", e conceitualmente por força do crescente pensamento crítico quanto ao tradicional "modelão", ou "formatão" da Bienal (assim são definidos pelos profissionais do ramo), ao mesmo tempo em que as atenções se voltam cada vez mais para os eventos regionais, essa profusão (benéfica, digo eu) de festas e feiras pelo país: Belém, Fortaleza, Recife, Ouro Preto, Paraty, Porto Alegre, Passo Fundo (estas duas últimas bastante tradicionais, já de longa data).

Agora mesmo, neste segundo semestre teremos, ainda no Rio de Janeiro, três eventos literários, que sempre se dão com bastante sucesso e expressividade, e de farta repercussão — e  extremamente representativos  da  geração  de elementos  para tais reflexões: a 12ª Primavera dos Livros (em outubro, mas atenção: em  novembro repetirá sua edição paulistana, inaugurada no ano passado), a congregar editoras não entre as maiores, mas por certo algumas das mais operosas; o "FIM {Fim de Semana do Livro no Porto}", ocupando apoteoticamente o Morro da Conceição (em novembro),  uma 'récita' de palestras e diálogos em torno do livro e da literatura, a reunir um timaço de escritores, editores, livreiros, jornalistas, intelectuais de diversos naipes; ainda no Rio acrescente-se, também em novembro: a "FLUPP - Festa Literária Internacional das UPPs", com debates, performances, música e leituras, trazendo em si conotações e características diferenciadas e bastante significativas, em especial proposta a se consolidar como importante vetor de exposição, informação e difusão da agora denominada "literatura/cultura da periferia".

E fora do Rio, a "Fliaraxá - Festival Literário de Araxá (em sua segunda edição) abrigando encontros com vários escritores); a já tradicional "Fliporto - Festa Literária Internacional de Pernambuco, agora em sua 9ª edição — que comporta  inclusive um Congresso Literário —, a reunir escritores nacionais e internacionais em painéis com palestras, entrevistas e debates.

Todos eles a transcender o escopo de um evento de exposição e venda de livros para se constituir em notável cenáculo temático, tendo — em painéis, palestras, diálogos, depoimentos — a Leitura, seus fomentos, estímulo e prática, e o Livro, suas formas, formatos e significados, como tema, mote e leitmotiv.

Com efeito, as diversas festas e feiras literárias regionais e específicas, que se multiplicam pelo país a cada ano, constituem-se claramente em geradores de  elementos de reflexão acerca de eventos literários e de novos cenários ou novas vertentes dos cenários editorial e livreiro e literário, do país — a proliferação de eventos e feiras de livros contrapostos, por suas estruturas, escopo, focos e enfoques, 'conceitualmente' à  Bienal e seu formato tradicional.

Persiste  o intento — falo com conhecimento de causa — entre editores, livreiros e profissionais do setor, de fortalecimento e incremento desses eventos regionais, os quais — tanto pelas próprias concepções, como pelas efetivas programações realizadas até aqui — têm oferecido os elementos de estimulante reflexão  conceitual sobre festas literárias: efetivamente, oferecem  o que faz parte das proposições preconizadas para  reformulação conceitual da bienal.

Para início de conversa, em minha opinião: ainda vejo extrema validade na bienal — mesmo sob as formas de seus 'modelão e formatão', frequentada pelos contingentes daqueles parcos e raros leitores para os quais todas as pesquisas apontam a média de leitura de... 2 livros por ano (!); ainda que com as características de 'feirão', etc. — evidentemente admitindo, e concordando plenamente, com a necessidade de certas alterações, ajustes e adaptações. A validade que sustento tem em vista o chamado 'grande público', por força do comprovado fato de a bienal representar a contrapartida real, concreta, a um tipo de comportamento desse '(não)leitor comum': sua relação com a livraria, tida e vista por ele como uma espécie de 'templo sagrado', espaço de sacralização — apesar de tudo em termos de atrativo, utilidade, conforto, etc., que as livrarias oferecem hoje (café, poltronas, ambientes de leitura, etc.) — a inibi-lo e refrear sua possibilidade de chegar ao livro. Na bienal, justamente por seu 'modelão' — que de resto permite uma exposição mais abrangente quase completa, do conjunto dos acervos de editoras — por seus cenários 'populares' e descontraídos (sic), propicia um sensível processo de dessacralização. Ainda mais se propostas, como tem ocorrido gradativamente (mas ainda incipiente), expandir alguns focos no temático, como de resto, anotei.

Só que... entendo que o assunto e a questão vão muito além, a exigir reflexões, meditações amplas e profundas, reformulações de pensamentos e concepções e, sobretudo, ações concretas de superação de incompreensões e distorções conceituais. Especificamente a requerem considerações e observações justamente acerca do livro e da leitura no país.

Até porque... por outro lado — ou acima de todos os lados — um espectro ronda (alvissareiramente, saúdo eu) a bienal e as livrarias — por extensão, as editoras —, a totalidade do mundo editorial-livreiro: o e-commerce, notável em sua propriedade (benfazeja, enfatizo) de mudar a relação do leitor, do produtor e do revendedor, com o livro — dinamizando-a, enriquecendo-a, valorizando-a, aprimorando-a.

 

 

Lê-se mais, no Brasil hoje, do que as (incompletas) estatísticas apontam  

 

Bem, referi-me aos "(...) parcos e raros leitores para os quais todas as pesquisas apontam a média de leitura de... 2 livros por ano [!]": talvez alguns dos que aqui me lerem  venham a contra-argumentar até mesmo com fortes reações que na verdade o índice de leitura do brasileiro, apontado pela recente pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" e registrado no oportuno livro sob mesmo título (org. Zoara Failla, IPL e Imprensa Oficial) é, na verdade, de quatro livros por ano e não dois. Observam meus pacientes leitores que assim me agraciam que, sim, o número em 'estado bruto' é esse, mas excluídas as obras indicadas pelas escolas e aquelas compradas pelo governo para distribuição à rede escolar e bibliotecas, e considerada apenas a leitura espontânea chegamos à  lamentável  marca que registrei (claro, há de se considerar, segundo estudo da Associação Internacional dos Editores [IPA, na sigla em inglês], que o mercado de livros no Brasil, com R$ 6,2 bilhões de faturamento (a CBL mediu em R$ 4,8 bilhões em 2011) e 469,5 mil exemplares vendidos, cresce e já aparece como 9º no mundo).

Em minha opinião, até mesmo por meu latente ceticismo com relação às estatísticas de modo geral (já houve quem dissesse: "números são como biquínis femininos: mostram muito mas escondem o essencial..."), ainda mais as formuladas cá no Brasil, questiono esses cenários de um modo geral. Todos os levantamentos, pesquisas e computações retratam, reportam-se e registram, no tocante a índices de leitura, de produção, de vendas, de faturamento, etc., única e exclusivamente os dados inerentes a livros impressos — sem catalogar, até porque não existem ainda mecanismos para tal [por indolência e 'inércia', por certo relutância (sic) de editores, livreiros, etc., face às suas respectivas posturas diante do elemento a que vou me referir a seguir], esses mesmos dados para os livros digitais e todas as formas e meios de leitura intensamente, e irreversivelmente, presentes hoje, nos tablets, iPads, iPhones, portais, sites, diversos links pela internet e demais plataformas digitais.

Vou adiante para uma desafiadora conclusão: lê-se mais que as (incompletas) estatísticas apontam e produz-se e vende-se muito mais hoje no Brasil, e em todas  faixas etárias e todos os tipos de textos.

O que quero dizer: o meio digital faz crescer os índices de leitura no Brasil! Quando sustento que se lê muito mais no meio digital do que revelam as simples (e simplórias) estatísticas sobre vendas, e leitura, de e-books, se já não bastasse citar o quanto de textos, obras e narrativas literárias que se abrigam, e são consultadas e baixadas por milhares de pessoas diariamente, nos portais e sites de literatura, nos blogues, nas redes sociais, na internet, enfim. Um exemplo marcante: a coletânea Geração subzero (Org. Felipe Pena, Record), reunindo textos veiculados exclusivamente no Twitter — com um subtítulo bastante significativo, "20 autores congelados pela crítica, mas adorados pelos leitores" — e, entre eles, alguns 'campeões de vendas' no mercado (formal)  livreiro, como  Thalita Rebouças, André Vianco. Outro exemplo:  a editora Intrínseca veiculou  diariamente, em seu Twitter, o texto "Caixa preta", da americana Jennifer Egan, escrito originalmente em bloquinhos de até 140 caracteres Twitter no que, aliás, Claudio Soares fora pioneiro, ao 'tuitar', ainda em 2006, fragmentada em posts, sua (excelente) obra Santos Dumont número 8. Além dos exemplos das (já) centenas de obras convertidas em versões de aplicativos para iPad e iPhone.

As ações e realizações em blogues, no Facebook, no Twitter, em diversas plataformas, constituem exemplos claros, taxativos, do que vem sendo chamado de narrativas digitais, literatura eletrônica ou narrativas em rede, uma 'literatura eletrônica", caracterizada basicamente por interatividade, hipertextualidade, não- linearidade, multimídia — contundente, e inquestionável prova de como criar textos literários — ficcionais e não-ficcionais — construir narrativas, contar histórias vem sendo remodelado com e pelas novas tecnologias, gerando em especial novos e nunca tão dinâmicos na história cultural, modos, meios e formas de leitura, conhecimento, aprendizado, entretenimento, lazer e de novos comportamentos. Isto é, obras e textos em mídias, veículos e suportes outros que não aqueles metódica e estatisticamente computados.

 

 

e-books: claras inverdades e... realidades nítidas

 

Nem é preciso consultar e valer-nos dos levantamentos, pesquisas e  estatísticas agora regularmente efetuadas — inclusive pela  Câmara Brasileira do Livro-CBL, pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros-SNEL — para constatar  o crescimento da produção e vendas de e-books, num processo vertiginoso de aceleração (quantitativa e qualitativa) — um estrondoso ganho de volume, de proliferação temática e genérica e diversificação autoral, com lançamentos simultâneos nos meios físico e on-line (por fim — aleluia ! — livrarias, notadamente grandes do ramo, como  Cultura, Travessa,  Saraiva,  'renderam-se' à realidade, até porque estão auferindo resultados compensadores: definitivamente incorporaram e-books a seus acervos e catálogos, e os oferecem e promovem com toda 'pompa e circunstância', e muita eficiência, diga-se).

Concomitantemente — descerremos um parêntese elucidativo (nada provocativo...) — em especial, as editoras deveriam estar atentas e agradecer pelo que os e-books estão a lhes proporcionar: dados fornecidos pelos aplicativos que os leitores de e-books usam, quanto a tipos de obras e autores, gêneros, frequência de leitura, extensão das obras, etc. propiciam a livrarias digitais — e editoras — definir estratégias de mercado: o Saraiva Digital Reader, aplicativo da Livraria Saraiva para várias plataformas, coleta dados como o tempo de leitura e os dias da semana em que o usuário mais lê (e nos EUA, a Barnes & Noble, com a coleta de dados sobre os leitores, decidiu lançar uma seção de livros curtos depois de ver que seus leitores costumavam abandonar obras longas de não-ficção pelo meio). Quer dizer: ao contrário do livro impresso — lido e manuseado pelo leitor na privacidade, sem oferecer indícios e elementos de seus hábitos, gostos e ritmos de leitura, os e-books tornam-se instrumentos fundamentais de formulação de estratégias e ações editoriais e comerciais por editoras e livrarias. Surgiria, por certo, a questão — a que leitores de todos os matizes podem responder : muito bom para elas, mas será que isso é bom para você? Considero que é ótimo: não vejo nenhum tipo ou grau de 'invasão de privacidade'.

 

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Então (sem chegar a ser uma conclusão, porquanto temos de avançar vigorosamente em todas as reflexões possíveis e praticar todas as ações necessárias), dispostos uns, subjacentes outros, encontram-se muitos elementos, tópicos e questões a permear indissoluvelmente o livro e, inerente a ele, a leitura no país. Que, de um lado, a Bienal, as festas literárias regionais e aquelas dotadas de especificidades, auspiciosamente proliferantes hoje, expressivas de uma alentada reconceituação de eventos; de outro, o meio e a mídia digital a propor e propiciar notáveis perspectivas de difusão da matéria literária e de circulação do conteúdo do livro e, por extensão das extensões, oportunidades, possibilidades e fomento da leitura — tudo isso seja efetivamente incorporado, crescente e consistentemente, na agenda de todos os setores e searas educacionais-culturais, editoriais, livreiras, literárias, intelectuais e mesmo sociais.

 

 

setembro, 2013