A literatura de vanguarda vai se colocar justamente como uma crítica que, na comunicação, denuncia o fato dasnovas formas de notícias mascararem as informações (novos pinguins revelando a diferença entre a geladeira de segunda mão ou comprada em vinte e cinco suaves prestações com juros moderados na Casa X, que a vende a preço de banana, e a geladeira comprada a vista na Casa Y). Isto precisa ser questionado formalmente, por que há entre elas, ao nível do consumo, sobretudo uma diferença formal, que preenche um espaço pleno de mentiras ideológicas, mas ausente de uma revolução histórica. Antônio Sérgio Mendonça

 

Quando falo em vanguarda, não me refiro somente a uma criação que está à frente, e sozinha, dos moldes de criar de sua época no plano estético. Mas também, e principalmente, no plano linguístico.

Com o advento do que se intitula pós-moderno, a poesia de vanguarda brasileira é feita, quase na sua totalidade, privilegiando o estético. O Concretismo é completamente fundamentado na linguagem visual. Passado o primeiro impacto, a assimilação da mensagem, a poesia concreta torna-se descartável. Esta sempre foi a principal crítica ao movimento. Infelizmente não resolvida.

Por sua vez, o Poema Processo mergulha mais fundo na temática do visual, causando assim, uma carência irremediável de significante.

É inegável que por mais contrastes que existam entre modernismo e pós-modernismo, não podemos afirmar haver uma ruptura entre ambos. Já que "a história é um palimpsesto e a cultura é permeável ao tempo passado, presente e futuro". (The dismemberment of Orpheus: Towards a Postmodern Literature, 264). Entretanto, é um erro pensar que o pós-moderno é uma inevitável reformulação do moderno. A pós-modernidade possui características que se opõem integralmente ao modernismo. Passando a fluir como uma vanguarda do moderno.

Ihab Hassan traça um quadro bastante representativo dessas oposições. Ele contrapõe elementos como: forma (conjuntiva / fechada), projeto, hierarquia, objeto de arte / obra acabada, gênero / fronteira, do modernismo; a antiforma (disjuntiva / aberta), acaso, anarquia, processo / performance / happening, texto / intertexto, do pós-modernismo, respectivamente.

No tocante a poesia pós-moderna, há um descompromisso com a cultura popular de raiz, um relaxamento da tensão do intelectualmente correto, um rompimento com o formalismo do moderno:

 

A formulação das diferenças essenciais entre "modernismo" e "pós-modernismo" se torna: ao conceber a linguagem como uma queda da unidade, o modernismo busca restaurar o estado original muitas vezes propondo o silêncio ou a destruição da linguagem; o pós-modernismo aceita a divisão e usa a linguagem e a autodefinição mais ou menos da maneira como Descartes interpretava o pensamento como a base da identidade. Em consequência, o modernismo tende a ser mais místico, nos sentidos tradicionais da palavra, enquanto o pós-modernismo, apesar de todo o seu aparente misticismo, é irrevogavelmente mundano e social. Jerome Mazzaro (Postmodern American Poetry, 1980).

 

 

O texto pós-moderno tem um compromisso não-ideológico com a vanguarda contemporânea. O que pesa, o que faz o leitor deitar para ler, é a desarmonia da semiologia. É a proeminência das palavras que se atiram em litteratim, consciência abaixo e acima. Roland Barthes em Le Plaisir du Texte (O Prazer do Texto), escreve:

 

Se você mete um prego na madeira, a madeira resiste diferentemente conforme o o lugar em que é atacada: diz-se que a madeira não é isotrópica. O texto tampouco é isotrópico: as margens, a fenda, são imprevisíveis. Do mesmo modo que a Física (atual) precisa ajustar-se ao caráter não-isotrópico de certos meios, de certos universos. Assim é necessário que a análise estrutural (a Semiologia) reconheça as menores resistências do texto, o desenho irregular de seus veios.

 

Vanguarda não se explica nas entrelinhas. Por isso mesmo, escrevo este ensaio sem compromisso com o novo. Pois contemporâneo é o dia de amanhã. E por mais que a poesia de vanguarda nade rumo à praia, se não morrer em alto mar, só vai conseguir chegar, no mínimo, trinta anos depois. Foi assim com a Beat Generation? Todo reconhecimento é tardio. Como toda poética marginal vale por sua força criadora, pelo poder de tirar leite de pedra:

 

"O que existe hoje, na poesia brasileira, são as tendências acadêmicas e aquelas que se autodenominam vanguardas. Muitas coisas estão acontecendo. Mas o que interessa saber é quem tem força para criar. Às vezes, o que é inovado vem disfarçado com roupagens antigas. Roberto Schwarz num ensaio sobre o Paulo Emílio mostra que o que tem no autor de vanguarda, vem disfarçado em coisa arcaica. Na música acontece o mesmo. O que a gente costuma chamar de vanguarda é coisa de publicidade. Colocar de novo o tema é uma maneira de sustentar verbalmente um cadáver que não tem mais sentido, que os fatos superaram, que a dinâmica do processo social jogou para trás. O que interessa é ver quem tem força criadora. Eu gosto de ver coisa original, coisa que minha mãe não viu. País que passou por colonização tem que formular o original, ser arbitrário ao extremo e ter força criadora. É isso". Cacaso (Coleção Remate de Males. Campinas: Unicamp, 1981).

 

Desde o fim dos anos setenta a poesia vanguardista no Brasil rompeu com a crítica. Não há nada a dizer fora o que o poema já diz. Não era o momento, e ainda não é. Mesmo agora, depois da virada do milênio (2000), é preciso deixar "tudo solto na plataforma do ar". Porque se "a arte produz não só um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto". A poesia de vanguarda criou um monstro.

 

 

abril, 2013

 

 

 
 
Cláudio Portella (Fortaleza, 1972). Escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Os melhores poemas de Patativa do Assaré (2006; 1ª reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas(2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior.

 

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