O título do novo livro de Cleberton Santos nos provoca: Aromas de Fêmea (2013) promete um prazer, sinestésico, que nos captura com a sutileza instigante da capa em um bege claro sobre o qual, no topo, estão grafadas as palavras do título em dois formatos diferentes: um claro e tão sutil que se esmaece e outro, vívido na sua encarnação rosa e abaixo um dos desenhos da série Nus de Antonio Brasileiro: Traços delicados figuram duas mulheres como que abraçadas com a do primeiro plano em posição frontal e a outra, em segundo plano, com apenas a parte esquerda do corpo riscada, embora as cabeças das duas, apenas sugestão de rostos, estejam visíveis. O projeto gráfico de Aromas de fêmea é cuidadoso e revela o potencial da Editora Oxente de Paulo Afonso que publica o quarto livro de poemas de Cleberton Santos, cujo nome está na parte inferior da capa. Esse escritor, professor do IFBA de Paulo Afonso e crítico literário com textos publicados em várias revistas, jornais, antologias e sítios na internet como o situado em clebertonsantos.blogspot.com.br, foi apresentado ao público jequieense através do Papo Lírico, projeto de extensão da UESB, campus de Jequié, com grande sucesso na sua edição de 2006.

Aromas, sensações olfativas primariamente desenvolvidas pela humanidade, são perceptíveis pela conjugação de capacidades físico-químicas do ser, das condições da atmosfera ou da proximidade com o ser capaz de captá-los. Muitas vezes conjugam-se com os sabores de modo que se tornam praticamente indistinguíveis. Para lá de envolver uma complexidade físico-química, aromas são voláteis, emanações que se exalam de vegetais ou animais. No título do livro de Cleberton, os aromas emanam-se de fêmeas, unindo o volúvel e inconstante, o dificilmente aprisionado ou ao que facilmente escapa ao sólido, duro, fixo, do vocábulo "fêmea" que se refere ao animal do sexo feminino. Essa dureza torna-se rudeza quando referido à mulher, embora a designe, uma vez que a mulher é um ser feminino da raça humana, grupo do reino animal. Assim, o título cruza o etéreo, impalpável, voante e o estável dos aromas ao firme da primitiva força natural do sexo que a palavra fêmea representa. Esse erótico emana também das epígrafes com versos de Adriano Eysen, José Inácio Vieira de Melo e Salgado Maranhão e pode, caso queiram, ser sentida nas homenagens do final do livro ao centenário de nascimento de Vinicius de Moraes e ao baiano Godofredo Filho, artistas da palavra eroticamente amorosa.

Aromas de Fêmea tem o gosto gostoso da arte que se desamarra das formas estabelecidas. Um livro de autor que se faz em diálogo com outros. Às ilustrações da série Nus do escritor, professor e artista plástico, Antonio Brasileiro, distribuídas, além da capa, nas suas páginas internas, intercalam-se os poemas de Cleberton Santos e fragmentos de textos de escritores e escritoras. Estes sinalizam caminhos de leitura ao tempo em que são versos plenos de excitamentos como os de Lorca: "Teu perfil é perene queimadura/ teu coração é pomba desatada", de Manuel Bandeira: "Teu corpo é tudo que cheira", de Pablo Neruda: "Hoguera de estupor em que mi sed ardia", de Yêda Schmaltz: "Vem que estou nua/ tenho fome e chove", de João de Moraes Filho: "Se tivermos sorte/ haverá tempo para o amanhecer".

Aromas de Fêmea emana do corpo da poesia e dos traços dos Nus o cheiro da fêmea que atrai, gesta e gera. Emana a arte, desejo que se cristaliza, matéria bruta que se cultiva com uma razão delicada em traços sensíveis como os de "Girassóis", palavras cruas que se volatizam como as de "Filosofia". O livro é um instigante prazer para nossos sentidos exauridos de separações. Convida-nos à união e a uma reflexão que não perde a ternura nem a dura verdade imutável da vida como em "Cores no rosto, cheiros na pele,/ delícias de uma vida entre mãos apertadas" do poema "Encantamento". Nossos sentidos e nossa razão são movimentados pela delicada força de Aromas de Fêmea de Cleberton Santos. As 78 páginas do livro desse sergipano que a Bahia adotou constata o ensinamento  popular: ótimos perfumes se confinam em pequenos frascos. Vale a pena abrir as páginas de Aromas de Fêmeas e embrenhar-se no seu provocante mundo sensorial que nos leva ao universo da arte.

 

 

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O livro: Cleberton Santos. Aromas de Fêmea.

Paulo Afonso: Oxente, 2013, 78 págs.

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setembro, 2013

 

 

 

 

Valeria Lessa Mota. Professora de Literatura e Teoria Literária da UESB, campus de Jequié, mestre em Literatura e Diversidade Cultural (UEFS).