AS ÁGUAS E AS BALEIAS

 

Os oceanos se formaram quando olhavas para o infinito,

e portas se abriram para a eterna caminhada.

Um pássaro surgiu de tuas pupilas e cantou

ao contemplar as águas.

 

Água viva louvada nos cultos e desperdiçada nas calçadas.

Beijei-te a face e a imagem Dele surgiu.

Era só Luz  e Misericórdia

 

Uma lágrima escorreu de tuas pálpebras

E uniu-se a Sua Fronte.

Calmos, seguimos em direção as baleias

como se fôssemos suas crias,

Sem pensar no tempo e no destino.

Afinal, havia água e água é luz, dizem-nos as baleias.

 

 

 

 

 

 

O HOMEM QUE MORA NO MENOR QUARTO DA CASA

 

Ele é o homem que mora no menor quarto da casa.

Suas mãos contorcem os fios e

soldam as memórias dos computadores que conserta.

Mas não conectam seus elos com o passado.

 

O homem que mora no menor quarto da casa

lava roupa suja dentro do armário e

não se olha no espelho. A água derrama

a sujeira da roupa dentro do armário,

que a esconde.

 

O homem que mora no menor quarto da casa

faz arroz na leiteira e não toca na louça suja.

Ele pensa que não vai ficar livre.

 

O homem que mora no menor quarto da casa,

não está sozinho.

Ele é o mais inteligente entre cinco irmãos.

Ele é diversos pedaços entre o parto e a maturidade.

E conserta computadores.

 

O homem que mora no menor quarto da casa

desenha estórias em quadrinhos.

Adora futebol.

E vê a bola, e sonha bola nos pés

dos super-heróis que consertam computadores.


O homem que mora no menor quarto da casa

tranca a porta.

 

 

 

 

 

 

A TERRA É

 

O que é a Terra?

Ovo?

Luz?

Som?

 

O que é a Terra?

Intuição?

Sentido?

Pensamento?

 

Acho que a Terra é um pensamento,

um sonho, uma ilusão,

um chão no ar,

uma bola de fantasia,

colorida,

na mão de uma criança sonâmbula.

 

Será que o cérebro pensante está saturado?

O sonho termina?

O pensamento é inacabado?

 

O que é a Terra?

Um canto desafinado?

Um ritmo descompassado?

 

O que é a Terra?

Uma esperança?

Uma cor?

Um símbolo de horror?

 

O que é a Terra?

 

 

 

 

 

 

ÓDIO OCULTO

 

Danem-se os conceitos do mundo!

Vou para a Amazônia, lá onde meu coração está,

traduzir a água na poeira das horas,

ouvir o uirapuru de Vila-Lobos

e qual esta lâmina que me corta os pulsos,

arrancar o ódio nos dentes

e repousar na terra úmida que cheira à vida oculta.

 

E tocar o ódio,

                        e saborerar o ódio,

                                                      e transmutar o ódio

em fina seda que, bordada pelas mãos de muitas mulheres,

reveste a alma gloriosa.

 

 

 

 

 

 

MEMÓRIAS

 

 

Em brasa, o véu de seda

                                      revela

imagens vermelhas que eriçam

                                      Memórias

Surpresa da selva no limiar da

                                          noite.

Será dia?

 

 

Seca a escuridão na fogueira

queimando estórias. Fragmentos

de mata atlântica replicam:

acabará em cinzas?

 

A imaginação se arvora

no sonho rubro da noite.

O tempo lapida a alma

                                  inquieta.

 

 

 

 

 

 

RIO DO MEU JANEIRO

 

Voa a vida na rodovia em Manguinhos,

Onde encontro a sussurrante palavra,

presa na ação do verde que ruboriza

diante das vibrações das rodas no asfalto.

 

Me oxigeno de vocábulos verdes, vermelhos, amarillos;

Cobrem-me de significados,

que varro, organizo, abraço e plena

me catequizo na quermesse dos estribilhos.

 

A poesia crônica, carbônica me estereotipa.

São Paulo me espanta na Presidente Vargas.

O Sol vasculha as manhãs entre prédios e crimes.

 

Rio do meu Janeiro que chega chuvendo

flor de pedra e poema

Oxigena...

                Oxigena...

                                 Oxigena...

 

 

 

 

 

 

CALÇA JEANS

 

 

Quero descobrir a chave

na calça jeans,

que vai abrir a porta,

de uma guitarra colorida,

miando serenata e alegoria.

 

 

 

 

 

 

DESEJO

 

Pedi ao deus Tempo

Um fio de seda

Para guiar-me pelas suas labaredas.

 

Pedi ao deus Revolta

um mundo novo

para trazê-lo de volta.

 

Pedi ao deus Desejo

um acorde

para vibrar-me em seus dedos.

 

 

 

 

 

 

A ORIGEM

 

No início era o vento

Vibrando cheiro de anis.

 

Dos pés do homem

se aprofundaram as raízes.

A noite nasceu do oco da jaqueira

crepitando estrelas.

 

O home olhou a lua no olho dela

e a Lua tocou o mar.

 

Então surgiu a mulher

                        Espirrando chuva.

 

Raiz e água

rabiscaram no vento o seu desejo

e nasceu o Sol.

 

 

 

 

 

 

A POESIA ESTÁ AQUI

 

A poesia está aqui.

Na chuva de Sol em buracos da telha de amianto.

Nas velas acesas para relembrar leituras.

 

A poesia está aqui.

Neste lugar, onde a água da fonte vira água do sono

Para fazer florir imagens.

 

A poesia está aqui.

Debaixo das cobertas aquecendo pensamentos.

Na ponte que liga o velho ao novo mundo

Invertendo conceitos.

 

A poesia está aqui.

Neste lugar, onde o Sol nasce frio pelo gozo da noite.

 

A poesia está aqui.

Na formiga carregadeira

dos pequenos sóis verdes do dia.

Na pedra, depositária das memórias do universo.

 

A poesia está aqui.

Neste lugar, onde a água da fonte fertiliza a noite

E o dia nasce sem saber se é sonho ou realidade.

 

A poesia está aqui.

Na atitude solene das árvores diante da chuva.

E na revolta do vento derrubando homens e árvores.

 

A poesia está aqui.

Diante dos pássaros carregando manhãs

e no gozo dos vagalumes à noite.

 

A poesia está aqui.

Na convivência pacífica dos aromas:

Manacá, anis e araçá.

Na semente cravada na concha do dia

onde a noite se arvora.

 

A poesia está aqui.

Nesta casa onde se sente o cheiro da lua,

capaz de fertilizar a pedra para fazer surgir

memória no cérebro dos homens.


 

A poesia está aqui.

Neste lugar, onde as aranhas tecem nas árvores

para de manhã o vento espalhar

pequeninos pedaços de Sol peneirados em fios de seda.

 

A poesia está aqui

Neste lugar onde o tempo não passa.

 

 

 

 

 

 

METAMORFOSEANDO PEDRA

 

Aqui

o sonho virou água

sombras e dia.

 

Uma sombra devora uma outra sombra

metamorfoseando pedra.

 

E um desejo mergulha

suas verdes mãos

na correnteza do sol.

 

 

 

 

 

 

ADEUS

 

O tempo se afoga nas pedras

moendo grãos da memória

Adeus

           um deus

                          se desgoverna.

 

Teço seu nome no barro

por onde escorrem

                            meus olhos.

 

 

 

 

 

 

UMA CAVERNA                             

 

                                A meu pai

 

E a luz se fez

aos gritos

feito cachoeira em seu dorso negro.

 

De abismo e plenitude

se formou à sombra do tempo.

 

Haverá voz

em seu corredor espesso?

 

Talvez os mortos aqui residam

inertes, silenciosos... Ou não?

 

Ouço

seus sonhos gotejantes...

formando pedra.

 

Oh, luz, por que me sonhas em vão?

 

 

[imagens ©masha reva]

 

 

 

 
 
Mônica Mello é formada em Letras pela Universidade Gama Filho (UGF) e Especialista em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Participou da exposição de pintura do Centro Cultural da UERJ – Coart, em 2014.